Embora seja recorrente, desde que se tornou perceptível a intensificação de fluxo cambial para a Bovespa, atribuir-se a este fato a depreciação do preço da moeda americana no nosso mercado, tendo quase atingido o preço de R$ 5,00 em dias recentes, os números líquidos do fluxo cambial continuam não sancionando esta contumaz justificativa que se lê nas análises do comportamento do mercado de câmbio brasileiro.
Ao longo do mês de novembro, quando houve intensificação do movimento positivo do fluxo financeiro direcionado à Bovespa, embora tenha evidência o ocorrido fluxo, não se pode atribuir ao fato a depreciação do preço do dólar, visto que o saldo líquido, que é o que impacta efetivamente, foi de tão somente US$ 438,0 milhões, consequente de fluxo comercial negativo de US$ 5,575 bilhões frente a fluxo financeiro positivo de US$ 6,013 bilhões.
Neste mês de dezembro, os ruídos atribuindo ao fato da depreciação que aproximou o preço a R$ 5,00, tiveram a mesma atribuição leiga, visto que o fluxo cambial líquido positivo, até o dia 11, foi de tão somente US$ 128,0 milhões, resultante do fluxo comercial negativo de US$ 2,474 bilhões frente ao fluxo financeiro positivo de US$ 2,602 bilhões.
Temos então como realidade que fomenta a depreciação do dólar frente ao real, a exemplo do que ocorre contra as moedas emergentes, a fragilização da moeda americana no mercado internacional que se acentuou desde que ficou evidente a eleição do democrata Joe Biden para a Presidência americana, e ocorreu o fortalecimento de sensíveis mudanças nas relações internacionais comerciais e políticas por parte da principal economia mundial, bem como colocando em perspectiva a definição de substantivo programa de novos incentivos à atividade econômica americana, que não ressurge com o dinamismo objetivado, em especial na geração de novos empregos, a despeito de, na margem, ocorrer a crescente preocupação com a replicação da crise da pandemia do coronavírus com novos números agressivos.
Por outro lado, a União Europeia se vê outra vez perturbada pela pandemia do coronavírus, mas a despeito dos impactos negativos na normalidade da retomada da atividade econômica, os países, com destaque à Alemanha, tem pujança para ancorar com aporte de recursos relevantes em programas de suporte.
O impasse Grã Bretanha com a União Europeia em torno do Brexit também acarreta desconfortos, mas não são perturbadores diretos ao Brasil.
Mas, em suma, o que se verifica é que as economias desenvolvidas têm ainda problemas decorrentes da pandemia do coronavírus, não tendo efetivamente superado o problema, mas há um inconteste ambiente de convergência focada na superação do problema e na retomada da atividade econômica, com atenção e preocupação efetiva na geração de emprego e renda.
É neste ponto que o Brasil diverge, pois o ambiente político do país tem muito dissenso e perturbações que constroem ambiente conflituoso em todas as questões, desde as de maior até menor importância, e isto num momento em que seria absolutamente necessária a convergência e não ocorrendo fazem aflorar os desafios latentes que existem e que desaguam numa séria crise fiscal, num momento em que o governo se vê forçado a assumir uma visão míope em torno do retorno forte da crise da pandemia do coronavírus, a ponto até de negá-lo pela absoluta capacidade de dar continuidade aos seus programas assistenciais, que se findarão neste mês e cujas consequências efetivas se especula, mas efetivamente não se tem a noção exata, pois certamente reconduzirá uma grande parcela da população, convertidas a condição de consumidores temporários, à miséria, evidentemente acentuando o contingente de desempregados e desalentados nos levantamentos específicos.
A esperança de um melhor ordenamento da capacidade de retomada da atividade laboral com a vacinação aos poucos vai perdendo consistência, pois há uma clara oposição, a partir do próprio Presidente, induzindo a não aderência a imunização, e, desta forma, ficará cada vez menos provável que este avanço científico possa contribuir, como já esta acontecendo no mundo, para perspectivas concretas de superação e controle da pandemia no curto prazo.
Além disto, há muita fala e pouca ação efetiva de agilização das ações focando as reformas imprescindíveis para o país sair do quadro amplamente desfavorável que o “engessa” para atuações mais efetivas, tendo a aprovação da LDO ontem se dado quase à força e ignorando etapas que deveria cumprir para não deixar o país em situação ingovernável.
Tem-se atribuído o fato ao processo de “retardamento e engavetamento” das propostas do governo pelo Congresso, tanto na Câmara quanto no Congresso, mas é fato que o próprio governo, que tem o Ministro da Economia bom de discurso, peca pela inércia e falta de efetivo protagonismo por falta de bancada consistente de apoio.
O Ministro da Economia vê com entusiasmo dados da economia, enaltece recuperação em V, mas o fato é que “o que se lê nem sempre é o que se vê”, e a realidade cotidiana atemoriza a perspectiva com a ausência dos programas assistenciais, que, sem dúvida, impactarão na demanda agregada na economia, em especial, no primeiro momento, no varejo e depois, por rebote no setor produtivo, afinal foram R$ 250,0 Bi em 7 meses, o que não é pouco.
A Bovespa já oscila embora ainda mantenha o otimismo, afinal é final de ano e os investidores estrangeiros são sensíveis à questão fiscal do Brasil, e é importante observar o comportamento dos mesmos neste período até o final do ano, pois pode haver inesperada realização.
O dólar que sofreu forte impacto da sua fragilização no mercado internacional e que se depreciou frente ao real, ainda mantém este viés, mas ocorre que o verdadeiro imbróglio interno político e de política monetária, com dicotomia forte entre inflação e juro oficial no país e crise fiscal sem perspectivas de soluções rápidas e fáceis, e com processo sucessório nas Presidências da Câmara e Congresso em ambiente tenso e acirrado que deve ocorrer em fevereiro, encontra neste cenário deletério ponto de sustentação contendo depreciação maior da moeda americana.
A partir do mercado financeiro emana um clima otimista, mas é absoluto sensato que não se perca a visão cética e critica a respeito dos problemas “intestinos” que afetam o país.