Por Ana Carolina Siedschlag
Investing.com - A demora por parte do governo federal em acertar um novo programa de distribuição de renda para 2021, que englobaria o atual Bolsa Família e ajudaria a evitar a prorrogação do auxílio emergencial em caso de uma segunda onda da Covid-19, é o que mantém o mercado arredio em relação à trajetória da dívida pública e aos vencimentos do próximo ano, dizem analistas.
SAIBA MAIS: Governo intensifica negociações para pôr de pé programa social
“O que segura o mercado é saber se vai ter extensão do auxílio emergencial ou a criação de um novo programa a partir do ano que vem. Mercado trabalha com um cenário de manutenção do Teto de Gastos, mas que é ameaçado por qualquer gasto extra que aparecer”, diz Patrícia Pereira, estrategista-chefe da MAG Investimentos.
A dúvida que persiste é o que irá acontecer quando a última parcela do auxílio for paga em dezembro. Criado no início da pandemia para mitigar os efeitos na renda dos brasileiros mais pobres, o benefício injetou R$ 250 bilhões na economia até novembro, beneficiando 68 milhões de pessoas.
LEIA MAIS: Bolsonaro não descarta nova prorrogação do auxílio emergencial
Para Pereira, o governo perdeu tempo de tramitação para emplacar um novo programa social que suavizasse esse término. “O mercado é simpático a uma melhor distribuição de renda, mas, agora, o único cenário de austeridade possível é o fim total do auxílio. Qualquer coisa que aparecer nessa virada ou no começo do ano, sem o devido cálculo para caber no Teto, vai ser mal-interpretada”.
Guedes diz que não
No início da última semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou em evento transmitido pelas redes que há “muita pressão política” para a extensão do auxílio, mas que, do ponto de vista do governo, isso não deve acontecer. Ele também trocou farpas inesperadas com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tem pedido a volta da disciplina fiscal ao país no pós-pandemia e um plano mais claro sobre a preocupação com a trajetória da dívida.
LEIA MAIS: Guedes rebate críticas e reage a presidente do BC
Para Marília Fontes, sócio-fundadora da Nord e analista de renda fixa, será difícil o governo evitar novos benefícios em 2021, principalmente se a pandemia mantiver ou aumentar de força nos próximos meses. “Ano que vem precede um ano eleitoral. Quando o benefício caiu de R$ 600 para R$ 300, já houve queda de popularidade [do presidente Jair Bolsonaro]. Quanto mais agressiva for a pandemia, maior será a pressão para novos gastos”.
Em relatório da última quinta-feira (26), analistas do UBS apontaram que, na atual circunstância, qualquer aumento das transferências de renda não caberia embaixo do Teto e o governo não conseguirá mantê-lo no próximo ano se não passar ao menos a Proposta de Emenda à Constituição Emergencial, que fala de medidas de contenção de gastos públicos.
LEIA MAIS: Campos Neto e Guedes negam divergências; presidente do BC reforça preocupação comum com fiscal
Juros explodem com incerteza
No momento, a necessidade de recursos para cobrir os gastos extras com a pandemia continua a pressionar a dívida pública. Em outubro, o Tesouro Nacional emitiu um total de R$ 173,2 bilhões em títulos, o maior nível para um único mês desde o início da série histórica, em 2006. Em termos nominais, a dívida pública federal subiu 2,47%, passando de R$ 4,52 trilhões para R$ 4,63 trilhões no período.
LEIA MAIS: Tesouro tem segurança de fechar 2020 com recursos para pagar dívida no 1º quadrimestre de 2021, dizem técnicos
Mesmo com R$ 650 bilhões de títulos vencendo até abril de 2021 e um total de R$ 1,2 trilhão da dívida que precisará ser paga no próximo ano, o Tesouro continua a emitir mais títulos de curto prazo para conseguir se financiar. Essa mudança no perfil da dívida, de encurtamento dos prazos, é impulsionada pela desconfiança do mercado com a estabilidade fiscal do país no longo prazo, o que fez com que a curva de juros brasileira começasse a empinar com força em meados de setembro.
“Para efeito da necessidade de financiamento, o Tesouro está coberto no curto prazo, mas o problema dos grandes vencimentos no ano que vem persiste. E o que mais incomoda é o aumento gradativo do prêmio pedido para carregar a dívida”, diz Márcio Simões, gerente de renda fixa e derivativos na Planner Corretora.
Nos leilões da última quinta-feira, o Tesouro Nacional comercializou R$ 37,8 bilhões em títulos, sendo a maior parte com vencimentos em 2021, 2022 e 2024. O valor negociado nesses papéis foi de R$ 30,4 bilhões, sendo que a maior parte, R$ 24,4 bilhões, com vencimento até outubro de 2021.
LEIA MAIS: Taxas caem pela 3ª sessão seguida, com leilão do Tesouro em destaque
Para esses, o Tesouro pagou uma taxa de juros ao ano de 3,04%, acima dos 2,12% negociados na semana anterior. Já para os de 2022, os juros foram de 4,99%, acima dos 4,83% anteriores. E os 4,5 milhões de títulos para 2024 foram vendidos com juros de 6,55% ao ano, contra 6,39% fechados na outra quinta-feira. Ou seja, os investidores estão pedindo prêmios cada vez mais altos mais para se arriscarem a comprar os títulos, mesmo os de curto prazo.
“Mercado está avisando que ainda está disposto a financiar a dívida, mas precisa de mais certezas para baixar as taxas”, diz Fontes.
Qual a solução?
Ainda na quinta, Guedes voltou a defender que o governo Bolsonaro trabalha rumo a reformas, citando a PEC Emergencial e a Reforma Administrativa, que muda algumas regras do serviço público. No entanto, o que antes sinalizava que teria alguma resolução até dezembro, ficou para o ano que vem.
LEIA MAIS: Se o país fizer besteira afunda de novo, diz Guedes
“Governo quer passar algumas pautas como Cabotagem, que são importantes, mas não urgentes. [Rodrigo] Maia, [presidente da Câmara], estava com uma agenda positiva de que o Legislativo poderia abrir mão do recesso e votar a Administrativa e a Tributária em janeiro. Mas agora o cenário-base é de que não vai ter nenhuma votação até fevereiro”, diz Pereira.
Não somente as eleições municipais de novembro paralisaram os trabalhos no Congresso, como também as negociações para a sucessão de Maia na presidência da Câmara transferiram o foco das reformas para os bastidores do jogo político. Para os analistas da XP Investimentos, em relatório da última sexta-feira (27), ainda há um ambiente pró-reformas no Brasil, mas o país está longe de um ambiente político harmônico. “O Executivo federal e o Congresso têm um diálogo truncado e existe muita resistência à agenda de reformas por grupos organizados e influentes”, escrevem.
Para o UBS, a expectativa de 2021 é de algum avanço na discussão da Reforma Tributária, mas não necessariamente a aprovação final do texto. Esperam a aprovação da PEC Emergencial e do Pacto Federativo, que poderiam permitir uma maior maleabilidade nos gastos federais mais latentes e, assim, abrir espaço para a reformulação do novo benefício, batizado de Renda Brasil, na casa dos R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões por ano.
VEJA TAMBÉM: Brasil, Turquia e Índia: subir ou não subir a taxa de juros, eis a questão
O banco suíço espera um avanço de 3,5% da economia brasileira em 2021, desde que as reformas fiscais aconteçam, com papel indispensável para a estabilização do crescimento e da inflação e para a manutenção do Teto de Gastos.