(Texto #6 da Série: Conceitos Teóricos em Valuation)
Neste sexto texto da série, convidei o experiente e competente Marcelo de Paula do Desterro para escrever comigo. Desterro é CFO da Sistac e tem larga experiência prática em Valuations, com especial destaque em análises por opções reais. Vamos começar com um comentário que embasa o título acima.
“O valor de uma empresa precisa capturar todos os possíveis cenários futuros que ela poderá vivenciar, trazidos a valor presente por uma taxa consistente ao risco do negócio e ponderados adequadamente diante da incerteza que há em relação a eles. O objetivo fundamental de um bom Valuation é, portanto, mensurar este valor.”
No segundo texto desta série, a técnica tradicional via fluxo de caixa descontado (FCD) foi esmiuçada. Trata-se de uma metodologia clara, consistente, não vulnerável a convenções (e armadilhas) contábeis e amplamente conhecida no mercado. Um dos pontos mais importantes de um Valuation via FCD é a projeção do fluxo de caixa livre da empresa ao longo dos anos. Perceba que escrevi fluxo de caixa LIVRE: este conceito é importantíssimo e se trata do fluxo que pode ser livremente distribuído aos stakeholders da empresa. Com isso, investimentos de capital (em sua expressão usual, capex) e investimentos em capital de giro líquido precisam ser considerados e deduzidos do fluxo gerado pelo negócio para se chegar ao fluxo relevante no cálculo, ou seja, o fluxo de caixa livre gerado pela empresa.
Em teoria, a técnica é clara e simples, mas na prática traz em seu bojo uma série de imprecisões, como por exemplo: incertezas inerentes ao negócio que impactam bastante as variáveis endógenas (notadamente receitas e custos), dificuldade de projeção de variáveis exógenas, incertezas regulatória e tributária, incerteza quanto ao risco e, em consequência, quanto à taxa de desconto que deverá ser utilizada.
Um ponto relevante do valuation de qualquer empresa diz respeito à perpetuidade de seu fluxo de caixa. A perpetuidade representa o ponto no tempo a partir do qual projeções de fluxo de caixa não são mais realizadas: simplesmente, toma-se a última projeção (livre de impactos não recorrentes) e calcula-se o valor presente deste valor em perpetuidade dali em diante. Comumente, adota-se uma taxa de crescimento constante para este fluxo perpétuo. As premissas utilizadas na perpetuidade são muito importantes porque, via de regra, têm um impacto significativo na avaliação. É fundamental que elas sejam muito bem fundamentadas: taxas de crescimento perpétuo da ordem de 3% acima da inflação (como já encontrei!) precisam ser muito bem justificadas sob pena de se chegar a um valuation com pouca credibilidade caso contrário.
Neste texto, quero chamar a atenção para outra limitação importantíssima da análise tradicional via FCD, porém que nem sempre é devidamente considerada por muitos analistas e casas de análise. A análise via FCD, em sua forma tradicional, é estática e ignora o dinamismo do dia a dia corporativo, no qual o tempo revela continuamente novas informações. A análise tradicional considera expectativas de fluxo de caixa em que todas as decisões estratégicas futuras estão tomadas no momento da análise, em um caminho único e incondicional. Em outras palavras, a análise é estática, pois é realizada como se o conjunto de informações disponíveis aos gestores (tomadores de decisões) fosse constante, ou seja, o mesmo que à época do valuation.
Sim, quero comentar sobre a técnica de valuation mais refinada que existe: a análise através de opções reais (OR). Preciso frisar que não se trata de uma técnica que compete com a metodologia FCD, mas a complementa! A abordagem por OR não refuta a simplicidade e a adequação da análise via fluxo de caixa, muito pelo contrário: o primeiro passo para uma análise via opções reais é justamente a análise via FCD. A incorporação de opções reais na análise busca corrigir um erro clássico da análise tradicional via FCD - sua forma estática de enxergar o mundo futuro. Esta técnica considera e valoriza a flexibilidade gerencial, ou seja, a capacidade de atuação e tomada de melhores decisões diante dos cenários que se apresentam com o passar do tempo. Em síntese, teremos:
Como a equação acima indica, a análise tradicional via FCD é apenas uma de duas parcelas importantes de um bom valuation. A importância da segunda parcela cresce com dois fatores, sem os quais não há opções reais: incerteza e flexibilidade. Em um cenário estático, sob o qual já se sabe perfeitamente o que acontecerá no futuro, não há opções reais. E caso não exista flexibilidade para a empresa se transformar mediante os cenários que se revelam ao longo do tempo, tampouco haverá valor para as opções reais. Como estas condições (incerteza e flexibilidade) são, sejamos sinceros, a regra (e não a exceção), concluímos que as opções reais quase sempre estarão presentes e deverão ser consideradas.
Agregar opções reais em um relatório de análise vai ao encontro do dinamismo e da complexidade do mundo dos negócios. A simplificação que fazemos ao considerar um modelo FCD estático pode gerar um valuation longe do verdadeiro, que subavalia a empresa. Nem todas as decisões estratégicas do modelo de negócios de uma empresa precisam ser tomadas quando o seu valuation está sendo realizado, não é verdade? Ao contrário, postergar muitas dessas decisões é ideal para que se maximize a geração de valor pela companhia. Sabemos disso na prática e os gestores sempre procuram o ponto ótimo de tomada de decisão, mas porque então nos esquecemos disso na hora de fazer uma análise de valuation? Incorporar opções reais na análise é precisamente respeitar esse argumento!
A figura abaixo ilustra o cerne da abordagem tradicional via FCD. Observe que cada fluxo no tempo é caracterizado por uma distribuição de probabilidades e, por conseguinte, por um valor esperado (FCi).
Já a figura abaixo ilustra o cerne da abordagem por opções reais. Cada fluxo no tempo é caracterizado por dois cenários distintos (otimista e pessimista) e, em consequência, por dois valores esperados: um para cada cenário (há modelos que consideram até três cenários diferentes). A simples distinção dos dois cenários permite incorporar decisões e estratégias diferentes, a depender do cenário que se revelar adiante: a decisão ótima no cenário otimista provavelmente não será uma boa decisão no cenário pessimista e vice-versa. Com isso, oportunidades escondidas no modelo estático tradicional são reveladas e acabam por gerar valor para a empresa. Tais oportunidades são precisamente o que chamamos de opções reais. E este valor gerado é, na realidade, um valor que está lá, no âmago da empresa, mas que é singelamente desprezado pela avaliação tradicional via FCD.
Algumas das opções reais mais importantes são: opção de expansão, opção de redução, opção de adiamento, opção de faseamento e opção de abandono. Uma vantagem relevante adicional de um valuation por opções reais é que ele não apenas valora como também identifica as estratégias que maximizam o valor da companhia. Costumo dizer em minhas aulas que a análise via OR representa a fronteira mais clara entre Finanças e Estratégia Corporativa, já que se revela um mergulho na operação da empresa, com uma análise muito mais profunda dos cenários, das estratégias possíveis e do impacto que decisões importantes terão sobre o seu valor.
Ressalte-se que a avaliação via opções reais não resolve os desafios discutidos no início deste texto, já que estes são inerentes de qualquer metodologia de valuation. A abordagem via OR é simplesmente o avanço natural (e necessário) da tradicional metodologia FCD. Aliás, lembro que, ainda em 2001, Tom Copeland e Vladimir Antikarov (autores do clássico livro “Real Options, a Practitioner's Guide”) previram que, em 2010, a valoração via opções reais já teria suplantado por completo a valoração FCD tradicional. Pelo jeito, os brilhantes autores erraram nesta previsão. Torço que tal previsão esteja apenas atrasada. O mercado se beneficiaria, e muito, de análises mais aprofundadas, via opções reais.
Confira os outros artigos da série:
Texto 1 - Como Identificar um Bom Relatório de Valuation?
Texto 2 - Valuation: Metodologia FCD - Taxa Ajustada ao Risco e Avaliação Neutra ao Risco
Texto 3 - Valuation: O Que é WACC? A Fórmula do Livro Vale (SA:VALE3) Sempre?
Texto 4 - WACC, Fluxos de Caixa e Valuation: Um Exemplo Didático
Texto 5 - Valuation e WACC: Os Cinco Principais Erros Cometidos!
Forte abraço a todos.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.