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Como Identificar um Bom Relatório de Valuation?

Publicado 18.09.2020, 10:17

(Texto #1 da Série: Conceitos de Valuation)

Olá, nesta semana começo uma série de textos conceituais sobre Valuation. O tópico é extremamente importante para todos que investem ou querem investir em ações. Sem ser capaz de identificar um bom relatório de valuation, o investidor ficará a mercê de analistas, que nem sempre constroem um relatório decente. É como entregar decisões importantes para alguém que não conhecemos: pode ser que dê certo, mas pode ser que dê errado.

Para aumentar as chances de você investir em ações corretamente, ou seja, comprar aquelas com ótimo potencial de alta e vender os papéis que inverterem a mão, há dois caminhos possíveis: realizar suas próprias análises de valoração de empresas ou saber escolher adequadamente em quais análises de terceiros confiar. Em ambos os casos, essa série de textos que escreverei irá ajudar – essa é a ideia!

Ao longo de minha carreira, já fiz inúmeros valuations de empresas e de frentes de negócios, tendo algumas vezes me deparado com pontos sobre os quais percebo que muitas pessoas têm dificuldade de entender o porquê ou mesmo de aceitar que a fórmula tradicional do livro (e a maneira como “todo o mercado” faz) não é conceitualmente precisa. Abordarei esses pontos nesta série. Neste primeiro texto, darei dicas para você distinguir um bom relatório de valuation.

Valuation é a precificação de uma empresa, de uma frente de negócio ou mesmo de um projeto (isto é, de um ativo em geral). Mais precisamente, fazer um valuation é construir um modelo econômico-matemático-lógico de precificação baseado em premissas econômicas e estimativas de diversas variáveis para se chegar ao valor de determinado ativo. Quando um relatório de análise sério e bem feito afirma que o preço-alvo para a ação XWYZ3 é R$ 10,90, por detrás desse preço, há um modelo de valuation que precificou o patrimônio líquido daquela empresa, sendo este valor dividido pelo número total de ações XWYZ3 para se chegar aos R$ 10,90 por ação.

Devo deixar claro dois pontos extremamente importantes. O primeiro deles é que um valuation não é uma ciência exata: dois analistas altamente competentes e usando corretamente os conceitos e as ferramentas matemáticas disponíveis podem encontrar dois valores bastante diferentes. Isto porque eles podem ter premissas diferentes a respeito do negócio daquela empresa, ou mesmo a respeito de variáveis macroeconômicas que impactem o seu valor. O segundo ponto importante a saber é que todo valuation terá naturalmente sua parcela de incerteza. Guarde bem esses dois pontos.

Um bom valuation precisa cumprir não mais do que três condições:

  1. O ferramental matemático e a boa teoria de finanças serem corretamente aplicados;

  2. O modelo incluir todas as fontes de valor para a empresa;

  3. As premissas utilizadas serem consistentes e razoáveis.

Já vi diversos valuations ruins e alguns péssimos. Os péssimos são aqueles que não respeitam a condição (i) acima e erram na matemática ou nos conceitos de finanças, cometendo erros crassos: acredite, eles existem por aí. Os valuations ruins são aqueles que desrespeitam ao menos uma das duas outras condições, ou seja: esquecem alguma fonte de valor para a empresa ou utilizam premissas inconsistentes e/ou irrealistas. Fique sempre atento a essas três condições para você saber se considera ou não um relatório de valuation em seus processos de tomada de decisão.

De maneira objetiva, existem duas formas tradicionais de valuation, principalmente de empresas: por fluxo de caixa descontado (FCD) e por múltiplos. Ao contrário do que alguns pensam, essas duas formas não devem competir entre si, mas sim se complementarem. Vamos a isso.

O teorema fundamental de finanças diz que o valor de um ativo qualquer é a soma de todos os seus fluxos de caixa (diretos e indiretos, como por exemplo em situações de sinergia ou canibalismo) dali ad aeternum trazidos a valor presente. Portanto, o método do fluxo de caixa descontado deve ser a base de qualquer valuation. Mas então onde entram os múltiplos? Vou explicar. O valuation por múltiplos é uma ideia simples, mas com a premissa fortíssima de linearidade. Imagine que duas empresas sejam idênticas, mas uma consegue gerar o dobro do fluxo de dividendos para seus acionistas: é de se esperar que a ação dessa empresa tenha o dobro do valor de mercado do que a outra. Perceba que nesse exemplo simples, existe linearidade e a ideia de se usar o múltiplo 2 para o valor da empresa que gera o dobro do fluxo de caixa é super adequada. Mas você deve já ter percebido que no mundo real, não existem duas empresas idênticas, de forma que os múltiplos jamais serão perfeitamente comparáveis. Por exemplo, se uma empresa possui o dobro de market share que sua concorrente, não necessariamente sua ação valerá o dobro da ação de sua concorrente pois, por exemplo, ela pode ser ineficiente e ter muito mais custos proporcionais, de forma a valer, na verdade, menos que o dobro (ou vice-versa, obviamente).

Desta maneira, valuations por múltiplos devem ser encarados como uma aproximação da realidade, e note que não há problema maior nisso. Em que pese o valuation por FCD ser tecnicamente consistente, ele sempre será impreciso por conta das diversas premissas e estimativas que precisam ser feitas. Dessa forma, sempre haverá o contraponto: qual o erro maior que estou cometendo – nas premissas e estimativas do meu modelo FCD ou na aproximação pelo múltiplo utilizado?

Com essa compreensão, explico agora a forma como um valuation deve lidar com a suposta competição entre os modelos de FCD e por múltiplos. Como disse, a precificação por FCD deve ser a espinha dorsal de qualquer relatório de valuation por sua consistência conceitual. Após isso, diversos múltiplos devem ser calculados e comparados com o mercado. Se os múltiplos ficarem em linha com o mercado, isso é um indicativo que reforça o valor encontrado. Se os múltiplos não forem semelhantes aos encontrados no mercado, um bom relatório precisa explicar adequadamente por que os múltiplos encontrados diferem dos múltiplos observados no mercado. Um maior múltiplo pode indicar maior eficiência operacional, por exemplo.

Como vimos, jamais duas empresas serão iguais a ponto de observarem exatamente os mesmos múltiplos, mas dentro de algumas condições de semelhança, esperam-se múltiplos assemelhados. Eventuais diferenças podem existir, mas o relatório precisa não apenas identificar essas diferenças como também explicar o racional econômico para elas.

Se você encontrar dois relatórios que cheguem a preços bastante diferentes, examine as três condições que citei acima. Se alguma das condições não for respeitada, despreze aquele valuation. Mas há a possibilidade de ambos os relatórios terem sido bem construídos, mas com conjuntos de premissas diferentes, porém igualmente consistentes e razoáveis: nesse caso, a diferença entre os valuations pode ser explicada pelo alto grau de incerteza para o valor do ativo ou empresa. Claramente, há um grau diverso de incerteza para empresas de diferentes setores da economia em diferentes nichos de mercado. Por exemplo, avaliar uma empresa start-up com elevado nível de inovação traz sempre uma incerteza maior do que ao se avaliar uma empresa já em estágio maturado em um mercado consolidado.

Por falar em incerteza, eu sempre que emito relatórios de valuation procuro deixar claro que o resultado do modelo não é um valor, mas sim um intervalo de valores. Um bom relatório de valuation precisa testar diferentes cenários e analisar a sensibilidade do valor encontrado às variáveis mais críticas do modelo. Ao fazer as análises de cenários e de sensibilidade, dentro de premissas e parâmetros razoáveis, encontra-se como resultado um conjunto de valores que, juntos, formam uma espécie de curva de distribuição de probabilidade para o valor daquele ativo. Com essa curva, podemos construir algo similar a um intervalo de confiança para o preço daquele ativo. E então o relatório terá chegado à sua conclusão.

Não gosto de relatórios que definem o preço de uma ação em R$ 10,90 e dou preferência a relatórios que concluem que a faixa razoável de preço para aquela ação é, por exemplo, de R$ 10,20 a R$ 11,60. Isso demonstra que o analista está consciente das limitações que existem em todo valuation, estando, portanto, no mínimo um passo a frente daqueles que acreditam que trata-se de ciência exata e cravam um único valor como preço justo.

Neste primeiro texto da série “Conceitos de Valuation”, procurei dar várias dicas para se reconhecer quando um relatório foi bem construído ou deve ser descartado. Foi uma espécie de Big Picture de como um relatório de valuation deve ser. Nos próximos textos, abordarei assuntos mais específicos, porém igualmente importantes. Por exemplo, no texto da semana que vem, incluirei o risco na história e como devemos lidar com ele. Não é incomum eu encontrar erros conceituais ao lidar com o risco e com o famigerado WACC, que acabam por produzir valuations incorretos. Falarei de muitas coisas que aprendi com a prática e não estão nos livros-textos usualmente utilizados em MBAs e cursos afins. Fique ligado e nos encontramos novamente na próxima sexta.

Forte abraço a todos.

Ps. Não sabe o que é WACC? Na semana que vem explicarei não apenas o que é como também por que o chamei de famigerado.

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.

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