(Texto #3 da Série: Conceitos Teóricos em Valuation)
Neste terceiro texto da série sobre Valuation, falarei de um cara famoso em Finanças Corporativas: o custo médio ponderado de capital ou, simplesmente, o WACC, em sua sigla na língua inglesa (como é bastante conhecido mesmo por aqui). O WACC é aquele tipo que todo mundo que fez um MBA ou trabalhou em uma grande empresa já ouviu falar. Todos sabemos da sua importância, mas sendo extremamente sincero, poucos sabem realmente o que ele significa e, o que é mais importante, sob que condições ele pode ser utilizado ou mesmo quando sua fórmula tradicional é válida. Eu vejo muito por aí utilizações deveras equivocadas do WACC.
Para falar tudo o que quero sobre o WACC, preciso dividir o tema em dois textos. O objetivo do texto desta semana é explicar o que realmente é o WACC de uma empresa e debater sua fórmula. Já na semana que vem, discutirei como ele deve ser utilizado em valuations, especificando vários erros com os quais já me deparei por aí em minha vida profissional (e tenho certeza de que continuarei topando com eles). Compartilharei com você muito conhecimento, de forma organizada e baseado em muitas experiências de valuations que já realizei. Para os interessados no tema, acho que vale a pena se agendar para não perder o texto da próxima semana. Acredito que dominar conceitos fundamentais seja importantíssimo para alavancar uma carreira em Finanças ou mesmo enquanto investidor, até para termos um poder de análise acima da média.
Para entendermos de fato o WACC e utilizá-lo corretamente, precisamos entender que ele tem uma origem (e, portanto, não é simplesmente uma média que faz todo valuation “dar certo”). Para isso, imagine uma empresa em “voo de cruzeiro”, ou seja, que se encontra em momento estável e equilibrado em um mercado perfeitamente eficiente. Observe a figura abaixo, com uma empresa representada ao centro sob a forma de seu balanço patrimonial, ou seja, com os ativos da companhia à esquerda (em azul escuro) e o seu passivo à direita na parte superior (em cinza). Abaixo do passivo, como é de praxe, o patrimônio líquido da empresa é representado (parte que cabe aos acionistas, em verde).
Sabemos que os lados precisam ser iguais em qualquer balanço patrimonial, de modo que o valor dos ativos deve equivaler à soma do passivo com o patrimônio líquido: V = D + E (onde D vem de dívida e E de equity, termo em inglês utilizado para designar o patrimônio líquido de uma companhia). Em outras palavras, os ativos da empresa são financiados em parte por credores e em parte por acionistas da mesma. Suponha que os ativos produzam um fluxo de caixa pós-impostos contínuo a uma taxa RA, equivalente ao custo de oportunidade dos ativos (lembre-se: mercado perfeitamente eficiente e empresa já em voo de cruzeiro). Em suma, os ativos geram um fluxo igual ao produto V x RA por ano, mais os impostos.
Do lado direito do balanço, os acionistas demandam um retorno RE, de forma que precisam ser recompensados por um fluxo periódico igual a E x RE. Por sua vez, os credores exigem uma taxa de juros RD (SA:RADL3) sobre o montante da dívida, de forma que precisam ser recompensados por um fluxo periódico igual a D x RD. Mas aqui há um ponto importante: parte desse pagamento é gerado pela renúncia fiscal do governo, que permite a dedução dos juros pagos a credores da base de cálculo para o imposto a pagar (no Brasil, estamos falando de imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, que para a maioria das empresas de capital aberto somam a alíquota τ = 34%). Isso equivale a dizer que os ativos da empresa, após o pagamento dos impostos, precisam remunerar os seus credores no montante total de D x RD - D x RD x τ.
Agora precisamos igualar o fluxo de caixa dos ativos (após impostos) à soma dos fluxos de caixa necessários para remunerar os seus acionistas e credores:
A equação acima é bastante interessante, pois afirma que o custo de oportunidade dos ativos nada mais é do que a média ponderada dos custos de oportunidade dos acionistas e dos credores, onde: (i) os pesos são as respectivas proporções que acionistas e credores têm em relação aos ativos da empresa (notem que, como todos os pesos em médias ponderadas, eles somam uma unidade, ou seja, 100%); e (ii) o custo de oportunidade dos credores é ajustado pelo fator (1 – τ), pois parte do custo cobrado pelos credores é bancada pelo governo através da sua renúncia fiscal (em inglês, as pessoas costumam chamar esse benefício fiscal de tax shield).
E assim nasceu o WACC: weighted average cost of capital ou, em português, o custo médio ponderado de capital (já vi no mercado muitas pessoas utilizando a sigla em português: CMPC). Note que é um nome totalmente adequado ao que, até então, eu estava chamando de RA (custo de oportunidade dos ativos) pois: (i) custo de oportunidade dos ativos equivale ao custo de capital (lembre-se da definição de capital na economia: qualquer ativo capaz de gerar um fluxo de rendimentos ao longo do tempo por meio de sua aplicação na produção); e (ii) realmente é uma média ponderada, como demonstramos!
O WACC é muitas vezes interpretado como o custo de oportunidade da companhia representada pelos ativos considerados e, então, se torna naturalmente a taxa de desconto adequada a ser utilizada no valuation desta empresa. Abaixo, segue a tradicional fórmula de livros utilizados em cursos e MBAs (que pode ser facilmente encontrada no google):
Note que o WACC é uma média ponderada por consequência, não por definição. Só de entender o porquê de ele ser o que é, com esta breve demonstração, você já deu um passo importantíssimo para entender os limites para uso da fórmula acima. Por exemplo, imaginemos a Petrobras (SA:PETR4), que possui ações ordinárias (Petr3) e preferenciais (Petr4): obviamente, essas diferentes classes de ações possuem diferentes perfis de risco (ainda que semelhantes, claro). Em tese, isso precisa ser considerado na fórmula acima. Não é difícil refazer a demonstração anterior, dividindo o patrimônio líquido em duas partes (acionistas ordinários e preferenciais) para se chegar à fórmula abaixo:
Agora cito outro exemplo que, aliás, é comum a muitas empresas de capital aberto. No Brasil, há a possibilidade (dentro de certas condições legais) de se remunerar o acionista via juros sobre capital próprio (JSCP), com o respectivo benefício fiscal. Nesse caso, a fórmula original do WACC precisaria ser devidamente ajustada, como abaixo:
Na fórmula acima, tivemos de segregar a fração do fluxo ao acionista que é normalmente paga sob a forma de dividendos (sem benefício fiscal) da fração (1-) paga sob a forma de JSCP (com benefício fiscal). O efeito matemático do benefício fiscal, como você já pode ter percebido, é a redução daquela parcela pelo fator (1-τ). Lembre-se que, quanto menor o custo de capital, melhor para a empresa, por isso o benefício fiscal irá sempre reduzir o custo de capital da companhia. Por esse motivo, faz sentido haver dívida em uma empresa, desde que a níveis absolutamente controlados.
Entretanto, tenho de afirmar que a fórmula acima está incorreta. Isto porque, se por um lado o Governo permite o benefício fiscal aos JSCP no cálculo do imposto a pagar pela empresa, por outro, o acionista paga impostos ao receber JSCP (15% no Brasil), ao contrário de quando recebe dividendos. Esse efeito precisa ser considerado na fórmula do WACC e a demonstração acima fica um pouquinho mais elaborada até chegar à fórmula abaixo:
Perceba que o efeito (negativo) de se pagar impostos ao receber JSCP aparece no denominador do respectivo termo, aumentando o valor do WACC (o que faz sentido, concorda?). A explicação é, de certa forma, simples. Para um acionista ficar igualmente feliz ao receber, por exemplo, R$ 85 em dividendos, ele teria de receber R$ 100 em JSCP, pois terá de pagar 15% de imposto: note que R$ 100=R$ 850,85=R$ 851-15%=R$ 851-JSCP.
Se você pensar na Petrobras, que possui ações ordinárias e preferenciais e ainda paga a seus acionistas dividendos e JSCP, concluirá que ela precisa fazer os dois ajustes comentados acima para calcular seu WACC. Você já viu algum relatório de valuation da Petrobras que calcule o WACC corretamente? Comente abaixo!
Como disse no início, há muito mais a ser debatido quando se fala de WACC (e, principalmente, de seus impactos em valuations de empresas). Não cheguei nem perto de esgotar esse assunto e, por isso, este tema seguirá na próxima semana.
Forte abraço a todos.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.