Assim como em 1992 James Carville enunciou de forma contundente por meio da frase “É a economia, estúpido!” o fator decisivo para a vitória de Bill Clinton sobre George Bush pai naquela eleição, no artigo desta semana eu me aprofundo no terceiro dos quatro “componentes primordiais” que recomendei aos investidores no meu primeiro artigo publicado aqui no Investing.com: o processo decisório.
Da mesma forma que os demais componentes – conhecimento, autoconhecimento (ambos já abordados nos meus dois últimos artigos) e implementação (que eu abordarei no próximo) –, o processo decisório isoladamente é condição necessária, porém não suficiente, para os investidores enfrentarem o enorme desafio de investirem de forma “racional”, ou seja, consistente com os seus objetivos, perfil e necessidades. Para tanto, todos os quatro componentes devem ser desenvolvidos e empreendidos de forma integrada e contínua.
Processo Decisório: você é RACIONAL?
Um dos aspectos mais chocantes que constatei durante os quatro anos da minha pesquisa no COPPEAD/UFRJ, em parceria com a CVM, e que resultou na minha Tese de Doutorado foi o fato de que a imensa maioria dos investidores individuais (pessoas físicas) simplesmente não possui um processo decisório deliberado. Ou seja, tomam as suas decisões de forma reativa de acordo com as circunstâncias, sobretudo pessoais, profissionais e do mercado financeiro. E, ainda mais grave, sem buscar coerência suficiente com os seus objetivos, perfil e necessidades.
O resultado? Uma espécie de “andar do bêbado”, com decisões de investimento ao longo do tempo incoerentes entre si e com as suas reais necessidades (a curto e a longo prazos) por variarem ao “sabor” de circunstâncias tão díspares entre si como a necessidade de investir o montante recebido no âmbito de uma ação judicial, enfrentar a nova situação financeira provocada pela perda de um emprego e ajustar a sua carteira de investimentos diante das oportunidades e das ameaças suscitadas por mudanças estruturais na economia decorrentes de uma pandemia.
Conforme destacado por Richard Thaler, laureado com o Nobel em Economia em 2017, o critério mais utilizado pela literatura científica em Economia/Finanças Comportamentais e em Julgamento & Tomada de Decisão para avaliar a racionalidade de um processo decisório é justamente a sua consistência. Portanto, se um investidor toma decisões inconsistentes, no final das contas está sendo irracional.
Por exemplo: imaginemos um investidor de 45 anos casado e com três dependentes (esposa e filhos) e que possui como única fonte de renda uma empresa start-up. Ele apresenta reservas financeiras limitadas suficientes para arcar com apenas três meses de despesas e costuma investir em ativos de alto risco, em especial em épocas de valorização de ações, por períodos muito curtos e mantendo uma carteira pouco diversificada. Porém, em épocas de crise econômica este investidor reage de forma impulsiva se desfazendo de ativos de risco elevado e migrando para renda fixa. Neste exemplo, o investidor não apresentou um processo decisório (pois não agiu com método e autocontrole) e foi irracional por ter agido de forma duplamente inconsistente: com decisões de investimento ao longo do tempo incoerentes entre si (alternando de forma imediatista estratégias conflitantes de acordo com as circunstâncias do cenário macroeconômico) e também com as suas reais necessidades a curto e a longo prazos.
“Nada é mais difícil, e por isso mais precioso, do que ser capaz de decidir.” (Napoleão Bonaparte).
Processo Decisório: uma abordagem eficaz
O conhecimento e o autoconhecimento detalhados nos meus dois últimos artigos devem ser obtidos de forma contínua – pois há sempre (muito) o que aprender – e aplicados de forma estruturada por meio de um processo decisório deliberado. A abordagem proposta por Edward Russo e Paul Schoemaker no aclamado livro Winning Decisions é um balizador de extrema utilidade e consiste de quatro etapas:
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Enquadramento/perspectiva. A primeira e mais elementar etapa é identificar o verdadeiro “problema” e as múltiplas perspectivas relevantes e possíveis de encará-lo. Em alguns casos isto é simples – por exemplo, um investidor cujo objetivo é realizar uma viagem a Paris e, portanto, ao investir deve priorizar a minimização de risco cambial – mas na maioria das vezes é muito mais complexo e subjetivo do que se imagina. Um investidor que está buscando se preparar para a sua futura aposentadoria é um caso usual e que ilustra bem isto. O principal “problema” é manter o seu padrão de vida? A volatilidade dos ativos escolhidos é um fator relevante ou interessa apenas o resultado ao final do período definido para os investimentos necessários? Estas e outras questões são fundamentais.
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Obtenção de “inteligência”. Uma vez definido o “problema” e as perspectivas mais relevantes para enfrentá-lo, é essencial reunir as informações críticas correlatas (como por exemplo o quadro macroeconômico atual e projetado), o autoconhecimento (valores pessoais, perfil demográfico, inteligência e racionalidade) para definir os “direcionadores decisórios” e o conhecimento – conhecimento de finanças (“financial literacy”), em particular – necessário para analisá-las de forma adequada.
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Alcance de conclusões. Consiste na etapa de análise, na qual a lógica e técnicas quantitativas e qualitativas são empregadas para o alcance das conclusões que determinarão as decisões de investimento a serem tomadas. Ou seja, aqui o “problema” e as perspectivas mais relevantes para enfrentá-lo direcionam a análise das informações críticas e do autoconhecimento e do conhecimento previamente obtidos.
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Aprendizado com a experiência. Esta etapa deve ser realizada continuamente, independentemente da iminência ou não de alguma decisão de investimento a ser tomada,e tendo-se em vista o valioso conceito de “curva de aprendizagem”. Já foi fartamente demonstrada pela Ciência a notável capacidade de aprimoramento e de aprendizado do ser humano, constituindo esta habilidade o mais poderoso instrumento de que dispomos para enfrentar a nossa igualmente já evidenciada inabilidade em desempenhar qualquer atividade na qual não possuímos experiência anterior. Contudo, para o aprendizado com a experiência ser efetivo é indispensável que seja feito de forma sistematizada, com honestidade intelectual (principalmente diante dos erros cometidos e das “lições aprendidas”) e empregando também a “outside view”, ou seja, através da visão crítica de pessoas tecnicamente qualificadas e não envolvidas nas decisões tomadas.
Confira abaixo os meus três primeiros artigos no Investing.com Brasil:
Texto 1: Finanças Comportamentais: Maior Erro dos Investidores é o Excesso de Confiança?
Texto 2: Investir: “Não Saber” é Arriscado; “Achar Que Sabe” Pode Ser (SA:SEER3) Ainda Mais Perigoso
Texto 3: O Maior Erro Fundamental dos Investidores: Autoconhecimento Insuficiente
* Ronaldo Deccax é Doutor em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, Mestre em Administração com ênfase em Estratégia, pesquisador e professor convidado no COPPEAD/UFRJ e consultor em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn.