No meu primeiro artigo publicado aqui no Investing.com, no mês passado, recomendei aos investidores a priorização de quatro “componentes primordiais” para enfrentarem o enorme desafio de investirem de forma “racional”, ou seja, consistente com os seus objetivos, perfil e necessidades. Estes componentes foram: conhecimento, autoconhecimento, processo decisório e implementação.
No meu segundo artigo há duas semanas, abordei o componente conhecimento, enfocando aquele de especial relevância para os investidores: o conhecimento de finanças (“financial literacy”).
Neste artigo de hoje, tratarei do componente primordial que é o mais negligenciado pelos decisores em geral (executivos, empreendedores, financistas, cientistas, etc.) e pelos investidores em particular: o autoconhecimento. E, consequentemente, representa o maior erro fundamental cometido por todos, levando frequentemente a resultados financeiros negativos e, não raramente, ruinosos. E tão ou mais grave do que o cometimento em si deste erro é o alto nível de desconhecimento predominante a seu respeito, pois desta forma dificulta imensamente a busca por aprimoramento em autoconhecimento. Afinal, sem um diagnóstico correto, nenhum problema pode ser adequadamente solucionado.
O que é autoconhecimento e por que é tão importante?
Há uma extensa literatura científica sobre autoconhecimento, sobretudo, mas não exclusivamente, na Psicologia e com implicações relevantes e profundas em diversas áreas, tais como Economia e Administração (incluindo Finanças e Julgamento & Tomada de Decisão). O aforismo "conhece a ti mesmo" – atribuído a Sócrates e a outros antigos sábios gregos (Pitágoras e Tales de Mileto, p.ex.) – e o fato de o autoconhecimento ser um dos pilares do Budismo e uma das cinco habilidades essenciais destacadas por Daniel Goleman na sua obra clássica “Inteligência Emocional” exemplificam o quão central é o autoconhecimento na Filosofia, na Religião e na Ciência, respectivamente.
Para fins práticos diante dos propósitos deste artigo, aqui me restringirei ao autoconhecimento relativo ao perfil do investidor. Este foi precisamente o objeto da minha Tese de Doutorado desenvolvida no COPPEAD/UFRJ em parceria com a CVM e intitulada “Proposição de uma Nova API (Análise de Perfil do Investidor) para Verificação de “Suitability” por Exigência Regulatória e para Fins Comerciais”.
O autoconhecimento neste contexto consiste no grau de consciência de cada investidor sobre os seus valores pessoais, o seu perfil demográfico, a sua inteligência e a sua racionalidade. Somente com um mínimo de autoconhecimento nestas quatro dimensões é possível identificar as suas reais necessidades a curto e a longo prazos e, consequentemente, quais devem ser os seus objetivos como investidor. Portanto, a grande razão prática e o maior “retorno” proporcionado pelo autoconhecimento é conseguir definir adequadamente os seus objetivos antes de investir.
“Todos os caminhos estão errados quando você não sabe aonde quer chegar.” (William Shakespeare).
O que precisamos saber sobre valores pessoais, perfil demográfico, inteligência e racionalidade?
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Valores pessoais. Cada investidor é um ser humano único e uma vertente essencial das suas idiossincrasias são os seus valores pessoais. Ou seja, o quanto ele valoriza e como ele pondera entre si questões como “estabilidade financeira”, “conforto material”, “status social”, “saúde”, “família” e muitas outras que se relacionam direta ou indiretamente com as suas finanças pessoais. Por exemplo: um investidor que prioriza “estabilidade financeira” em detrimento de “conforto material” deve refletir isto nos seus objetivos ao investir, buscando manter o seu padrão de vida atual e evitando ativos de maior risco.
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Perfil demográfico. Numerosas pesquisas em Economia/Finanças Comportamentais mapearam, em seu conjunto, variáveis demográficas que se mostraram críticas na tomada de decisões por parte de investidores. Na minha Tese de Doutorado são enumeradas estas variáveis: estado civil, gênero, idade, nível educacional, formação acadêmica, histórico de consumo de produtos financeiros, volume de investimento, ocupação profissional e nível de renda. Por exemplo: um jovem funcionário público da classe A, solteiro e sem filhos, com graduação em Economia e diversificada experiência em investimentos, certamente pode e deve investir de forma muito distinta de um empreendedor da classe C, de meia-idade, casado, com três filhos, com graduação em Sociologia e experiência em investir somente em renda fixa.
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Inteligência. Refere-se a pensamentos lentos, analíticos e complexos. Pessoas inteligentes costumam se destacar em testes convencionais de Q.I. A inteligência depende de fatores genéticos e “ambientais” (educação recebida, meio social, etc.). Níveis mais elevados de inteligência favorecem a tomada de decisões melhores.
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Racionalidade: refere-se a pensamentos reflexivos e à capacidade de mitigar o cometimento de erros cognitivos. Já a “racionalidade limitada” é um conceito pioneiro criado por Herbert Simon, em 1957, e que resultou no Prêmio Nobel em Economia com o qual foi laureado em 1978. Evidencia as limitações cognitivas do ser humano que originam todas as heurísticas (artifícios simplificadores do pensamento intuitivo para facilitar a tomada de decisões) e vieses (erros sistemáticos na tomada de decisões e decorrentes das heurísticas utilizadas) inerentes ao julgamento (acerca tudo e todos, inclusive sobre si próprio) e à tomada de decisão (em negociações, por exemplo). Portanto, investidores que conseguem conjugar elevadas racionalidade e inteligência tendem a tomar decisões qualitativamente superiores.
* Ronaldo Deccax é D.Sc. em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, pesquisador e professor convidado no COPPEAD/UFRJ e consultor em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn em linkedin.com/in/ronaldo-deccax-phd-169217.