No meu primeiro artigo publicado aqui no Investing.com há duas semanas, eu recomendei aos investidores a priorização de quatro “componentes primordiais” para enfrentarem o enorme desafio de investirem de forma “racional”, ou seja, consistente com os seus objetivos, perfil e necessidades. Estes componentes foram: conhecimento, autoconhecimento, processo decisório e implementação.
Hoje me aprofundarei no 1º componente: o conhecimento, o qual, conforme demonstrado pela Neurociência e pela Psicologia, é um dos constituintes básicos da inteligência de qualquer indivíduo e também possui correlação com a sua racionalidade.
Na minha Tese de Doutorado desenvolvida no COPPEAD/UFRJ, sob orientação do Prof. Carlos Heitor Campani em parceria com a CVM nas áreas de Economia/Finanças Comportamentais e de Julgamento & Tomada de Decisão, um tipo específico de conhecimento emerge com destaque como decisivo para a tomada de decisão de investidores. Trata-se do conhecimento de finanças (“financial literacy”), cujo efeito já foi fartamente documentado por numerosas pesquisas publicadas e para o qual há instrumentos de mensuração cientificamente eficazes, como o desenvolvido por Lusardi & Mitchell (2017), por exemplo.
O que realmente precisamos saber, mas poucos sabem o bastante, sobre conhecimento de finanças?
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Conhecimento é condição necessária, porém não suficiente, para investir de forma adequada. Os demais “componentes primordiais” supracitados (autoconhecimento, processo decisório e implementação) possuem um papel indispensável que não pode ser “compensado” por um maior nível de conhecimento de finanças. Adicionalmente, há o fato de que a Economia em geral é um ambiente de “baixa validade” (“baixa previsibilidade”, em linguagem não científica), o que torna a relação entre nível de conhecimento e resultados obtidos pelos investidores substancialmente inferior à observada em ambientes de “alta validade”. Um exemplo clássico são as competições de xadrez.
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A maioria dos investidores sabe muito menos do que acredita. Este é um fenômeno tão comum e evidenciado – e não apenas no mercado financeiro – que recebeu uma denominação científica específica: efeito Dunning-Kruger. Consiste justamente em superestimar o seu próprio nível de conhecimento,de finanças, inclusive, tanto em termos absolutos quanto em comparação com outros indivíduos com níveis superiores de conhecimento, o que é ainda mais temerário, levando a decisões frequentemente equivocadas. Isto se relaciona com o viés do excesso de confiança, considerado por alguns pesquisadores respeitados o “pai de todos os vieses”.
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A maioria dos investidores sabe muito menos do que necessita. O nível de conhecimento necessário depende do tipo de investimento a ser realizado, mas há estudos internacionais que revelam que a média de proficiência em finanças dos investidores é reduzida. Isto é agravado pela formação deficiente em matemática em muitos países, pela complexidade crescente dos mercados financeiros, pela popularização dos investimentos em renda variável e pelas onipresentes heurísticas da representatividade e da disponibilidade, ou seja, “atalhos mentais” que fazem com que investidores tomem decisões sem possuírem informações suficientes em quantidade e qualidade para tanto.
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“Não saber” é arriscado, mas “achar que sabe” pode ser ainda mais perigoso. Hauff (2014) evidenciou que indivíduos com maior nível de conhecimento financeiro assumem mais riscos, o que foi endossado pela descoberta de Stolper (2017) de que à medida que os investidores absorvem mais conhecimento os seus níveis de confiança também aumentam e o seu uso de orientação financeira tende a ser cada vez mais relativizado. E, ainda mais chocante, revelou que dois terços dos investidores individuais ignoram completamente qualquer orientação financeira. Estes resultados convergem com estudos clássicos realizados por Odean e Barber que mostraram que investidores que transacionam com muita frequência obtêm, em média, ganhos inferiores.
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Conhecimento também pode ser obtido via assessoramento financeiro, mas é preciso ficar atento aos conflitos de interesse. Com origem na crise das hipotecas subprime que atingiu os EUA em 2007, a crise mundial de 2008 escancarou o quão graves podem ser os conflitos de interesse e suscitou um movimento internacional,com reflexos no Brasil, de ampliar e aprimorar a regulamentação e fiscalização nos mercados financeiros em geral. Na minha Tese de Doutorado demonstrei que ainda persistem no Brasil graves conflitos de interesse entre investidores e instituições financeiras, tema este que ficou em evidência na mídia há alguns meses por conta da troca de acusações públicas entre o maior banco privado e uma das maiores corretoras do país. A saída para o investidor é confrontar as análises e orientações obtidas de fontes independentes entre si e de não criar dependência ou vulnerabilidade por meio do desenvolvimento de um nível de conhecimento pessoal mínimo que seja suficiente para analisar de forma crítica as informações e orientações obtidas.
“Pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento, que se sintam humildes." (Leonardo da Vinci).
* Ronaldo Deccax é D.Sc. em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, pesquisador e professor convidado no COPPEAD/UFRJ e consultor em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn.