Laureado com o Nobel de Economia em 2017 e um dos mais influentes cientistas da área de Economia/Finanças Comportamentais, Richard Thaler fez algumas declarações de extrema relevância em entrevista publicada nesta semana pela imprensa brasileira. Duas delas merecem especial destaque:
“O maior erro que os investidores cometem é o excesso de confiança.”
“Não é que as pessoas são burras. O mundo é que é duro.”
Em um mercado que movimentou no total R$ 3,3 trilhões em 2019 e no qual há cada vez mais investidores que alocam recursos em renda variável – muitos dos quais com reduzida ou nenhuma experiência prévia neste tipo de investimento – em função da taxa Selic em patamares historicamente muito baixos, torna-se ainda mais urgente debater e aprimorar o processo decisório dos investidores.
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Este tema é historicamente central em Economia e Finanças em geral e na sua vertente Comportamental em particular, área cuja proeminência e reconhecimento acadêmico e pelo mercado têm crescido de forma substancial desde que Herbert Simon foi agraciado com o Nobel de Economia em 1978 e foi sucedido por Daniel Kahneman em 2002, Robert Shiller em 2013 e o próprio Richard Thaler em 2017.
A afirmação de Thaler sobre o excesso de confiança dos investidores é respaldada por numerosos estudos científicos já publicados e é facilmente observável na prática. O viés do excesso de confiança é considerado por alguns pesquisadores respeitados o “pai de todos os vieses” em função dos seus efeitos potencialmente devastadores em âmbitos tão diversos quanto Mercado Financeiro, Empreendedorismo e Governança e pela sua relação com diversos outros vieses.
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Contudo, este viés é apenas um dentre os mais de 180 heurísticas e vieses decisórios (tais como “otimismo”, “efeito manada” e “aversão à perda”) já mapeados pela Ciência e que derivam do seminal e essencial conceito de “racionalidade limitada” que resultou no Nobel recebido por Simon em 1978. Portanto, por mais relevante que o viés do excesso de confiança seja, a notável falibilidade do processo decisório dos investidores é muito mais ampla e profunda.
Na sua segunda afirmação acima destacada, Thaler tangencia um “problema fundamental” e que já foi brilhantemente sintetizado por Kahneman da seguinte forma:
“A evolução não nos preparou para o mundo em que vivemos.”
Em outras palavras: a Biologia Evolutiva e a Neurociência já evidenciaram que o Homo Sapiens possui um cérebro incapaz de lidar plenamente com a complexidade do mundo moderno – que nós próprios criamos a partir do momento que deixamos de ser caçadores e coletores – e isto tem se agravado cada vez mais com a crescentemente acelerada evolução tecnológica.
O quê os investidores precisam fazer?
Para enfrentarem o enorme desafio de investirem de forma “racional” (ou seja, consistente com os seus objetivos, perfil e necessidades), como pesquisador, consultor e professor das áreas de Economia/Finanças Comportamentais e de Julgamento & Tomada de Decisão eu vislumbro os seguintes “componentes primordiais”:
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Conhecimento, sobre Economia e Finanças em geral e sobre as diversas alternativas de investimento e suas perspectivas futuras em particular. Este é o “componente primordial” mais óbvio e que usualmente é priorizado pelos investidores e demais agentes econômicos, mas nem de longe é suficiente para embasar decisões financeiras não obstante o seu papel absolutamente crítico. Também pode ser obtido por meio do assessoramento fornecido por especialistas, desde que tendo-se o cuidado de ficar atento aos conflitos de interesse, de confrontar as análises e orientações obtidas de fontes independentes entre si e de não criar dependência ou vulnerabilidade por meio do desenvolvimento de um nível de conhecimento pessoal mínimo que seja suficiente para analisar de forma crítica as informações e orientações obtidas.
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Autoconhecimento. Quais são as minhas reais necessidades a curto e a longo prazos e, consequentemente, quais devem ser os meus objetivos? Qual é o meu perfil, em especial em termos de valores pessoais, de inteligência e de racionalidade? Estas são as perguntas essenciais que todo investidor deveria fazer a si mesmo antes de tomar qualquer decisão relevante de investimento. Aferir os seus níveis de inteligência e de racionalidade – características que a maioria das pessoas erroneamente trata como parcial ou totalmente equivalentes mas que a Neurociência já distinguiu claramente – é possível por meio de testes específicos, mas uma autoanálise profunda e honesta pode ser um 1º passo valioso.
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Processo Decisório. O conhecimento e o autoconhecimento obtidos de forma contínua – pois há sempre (muito) o que aprender – devem ser aplicados de forma estruturada. A abordagem proposta por Edward Russo e Paul Schoemaker no seu aclamado livro Winning Decisions é um balizador de extrema utilidade e consiste de quatro etapas: enquadramento/perspectiva, obtenção de “inteligência”, alcance de conclusões e aprendizado com a experiência.
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Implementação. De nada adianta tomar decisões de forma fundamentada e estruturada se a sua implementação for um fracasso. Tanto aqui quanto no processo decisório, as heurísticas e os vieses são a maior ameaça e a racionalidade é o instrumento mais poderoso para evitar perdas. Isto inclui refrear impulsos potencialmente desastrosos diante de cenários econômicos desafiadores e de resultados desfavoráveis, como por exemplo alterar abruptamente a composição de um portfólio de investimentos.
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Nos meus próximos artigos eu me aprofundarei em vários dos conceitos fundamentais aqui expostos, facilitando e exemplificando a sua aplicação prática e também analisando a conjuntura do mercado sob a ótica de Economia/Finanças Comportamentais e de Julgamento & Tomada de Decisão.
“Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância" (Sócrates).
* Ronaldo Deccax é D.Sc. em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, pesquisador e professor convidado no COPPEAD/UFRJ e consultor em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn.