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Inflação: Estamos em uma crise de preços ou crise de oferta?

Publicado 30.03.2022, 09:58
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Por Jessica Bahia Melo

Investing.com – Se a inflação era vista como temporária pelas autoridades monetárias mundo afora, hoje a preocupação está mais exacerbada nas falas dos representantes dos Bancos Centrais. Commodities como ouro, petróleo, prata, níquel e outras parecem se revezar em ralis históricos após o início da crise na Ucrânia, impactando nos indicadores inflacionários em todo o mundo.

Entre as altas, a do petróleo, cotado acima dos U$100 o barril, e do gás natural, matrizes energéticas necessárias, já trazem impactos não somente na União Europeia, dependente do gás russo, mas em outros países. Nos Estados Unidos, a inflação anual medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) atingiu 7,9% em fevereiro deste ano. Em fevereiro do ano passado, esse indicador era de apenas 1,7%. No Reino Unido, também em fevereiro deste ano, o IPC anual chegou a 6,2%, enquanto o indicador no mesmo mês do ano anterior era de 0,4%. No Brasil, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) alcançou 10,54% em doze meses finalizados em fevereiro, mas, diferente dos outros exemplos, a inflação já estava acima da meta estabelecida para 2021, com 5,20%.

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Como a duração do conflito é incerta, ainda não se pode afirmar para onde os preços vão neste ano. Segundo o JPMorgan (NYSE:JPM) (SA:JPMC34), os preços do petróleo podem chegar a US$185 caso a tensão geopolítica continue.

A alta nos preços de commodities já trouxe repercussão a nível local. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o presidente da Petrobras (SA:PETR4), o general Joaquim Luna e Silva, desgastado com a série de elevações nos preços dos combustíveis.

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Mas será que estamos enfrentando uma crise de oferta ou uma crise de preços?

Economistas consultados pelo Investing.com divergem sobre esse assunto. Crises de preços, inflacionárias, podem ser causadas por choques de oferta, aumento expressivo na demanda ou pelo chamado caráter inercial da inflação – quando os preços são elevados na expectativa de aumentos futuros. Já crises de oferta propriamente dita estão mais relacionadas ao desabastecimento, implicando em preços mais altos pelo descompasso entre oferta e demanda.

Norbert Rücker, chefe de economia e pesquisa de próxima geração da Julius Baer, acredita que mesmo que as commodities sejam o foco do choque desencadeado pela guerra na Ucrânia, de forma geral, há uma crise de preços e não uma crise de oferta. Segundo ele, os problemas de suprimentos de energia, metais ou grãos afeta a economia mundial por três canais: inflação, soluços na cadeia de suprimentos e erosão da confiança geral. “Por exemplo, no choque de petróleo dos anos 1970, essa foi uma crise de oferta, pois você não poderia dirigir, não havia suprimento. Não é o que estamos vendo hoje, ainda há suprimento”, compara o economista sueco. “No entanto, estamos vendo esse nervosismo e incerteza, onde é muito difícil prever as dinâmicas políticas envolvidas. As commodities simplesmente subiram incluindo um prêmio de risco no preço. No entanto, há suprimentos o suficiente para compensar qualquer disrupção severa no petróleo russo por meses”, acredita. Um possível abandono das restrições de oferta do Oriente Médio e o crescimento de óleo de shale estão entre as medidas que poderiam ser adotadas durante esta crise. Para o níquel, o economista acredita que países como a Indonésia e as Filipinas poderiam aumentar suprimentos com novas tecnologia de refino. Em relação aos grãos, os estoques indianos poderiam preencher parte da lacuna.

Para Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, a pandemia bagunçou as cadeias de comércio global e, na sequência, a crise na Ucrânia desencadeou uma segunda rodada de altas em combustíveis, energia e alimentos. “A crise inflacionária decorre do aumento de preços externos, algo que não pode ser controlado. Não é um problema brasileiro, é um problema mundial. Mesmo a questão fiscal no Brasil tem melhorado muito”. No Brasil, a situação piorou com a taxa de câmbio. No ano passado, o dólar chegou à máxima R$5,8788 no dia 09 de março. Nesta quarta, ronda os R$ 4,70 , o que ajuda a controlar a inflação neste ano. “Somos bastante sensíveis a esses preços. O que o BC fez foi subir juros de maneira preventiva, porque ele não vai conseguir alterar preços do petróleo, nem do gás, nem da gasolina, nem do trigo, milho, soja e boi. O que vai fazer é não deixar que a economia fique muito aquecida para que as altas de preços não se transformem em altas permanentes na economia”, completa Gala.

O economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, afirma que a demanda global segue forte, com as medidas econômicas justificadas pela necessidade de retomada pós-pandemia. “As famílias voltaram a consumir rapidamente e a oferta não conseguiu voltar na mesma velocidade. No nosso entendimento, a mão dupla é válida. É um problema de demanda forte, mas também não podemos ignorar os problemas de oferta que estamos sofrendo, o mais explícito a situação no leste Europeu. Vamos ter dificuldade de suprimento de algumas commodities agrícolas e há discussão sobre as implicações na oferta de petróleo, gás natural. A seca aqui no sul é também um problema de oferta”, destaca Caruso.

CONFIRA: Cotações das principais commodities

Alta nos juros será suficiente para conter a inflação?

Na última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou a elevação da taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, em um ponto percentual, para 11,75% ao ano. A indicação é de outro aumento na mesma magnitude ao final do próximo encontro do Conselho.

Caruso, do Banco Original, acredita que a eficácia da política monetária diminui em momentos de elevada incerteza econômica. Ou seja, o Banco Central precisa aumentar ainda mais os juros para atingir a mesma desinflação, pois a inércia inflacionária fica muito alta. Volatilidade do câmbio, da bolsa de valores e outros indicadores podem medir a incerteza.

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“Nessa situação em que estamos agora, estamos nessa definição de alta incerteza. Coincidência ou não, estamos vendo uma inflação muito mais persistente e estamos vendo que está sendo preciso subir muito mais os juros do que se imaginava tempos atrás“, ressalta o economista, lembrando as mudanças em sequência de estimativas no Boletim Focus.

Paulo Gala reforça que o conflito pegou em cheio o preço dos grãos, e isso já foi mostrado nas altas em alimentos no último indicador do IPCA-15, considerado a prévia da inflação brasileira. “E isso não tem nada ver com que o Banco Central faz. Subir ou cortar a Selic não vai mudar em nada o preço do trigo, nem do pão”. A expectativa é que o BC eleve a taxa Selic em até 12,75% em um fim do ciclo de alta, como apontado pelo presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto.

A nível global, Rücker concorda que a crise na Ucrânia faz com que as autoridades monetárias precisem fazer mais para controlar a inflação. “A causa desse tipo de inflação é do lado de oferta e os BCs não podem fazer nada desse lado. Ao mesmo tempo, os mercados de trabalho ainda estão fortes, o Federal Reserve também está observando que o mercado imobiliário está forte ainda. A inflação contempla todos esses outros elementos”, completa.

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