Olhando apenas o desempenho do mercado em janeiro, a impressão é que não houve muitas surpresas, salvo alguns declínios modestos. Mas as aparências enganam.
Basta considerar todos os riscos que os investidores enfrentaram no mês passado:
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Donald Trump insistiu que não havia perdido a eleição;
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Um protesto e invasão do Capitólio por manifestantes de direita deixaram cinco pessoas mortas;
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Um impressionante “short squeeze” de hedge funds provocado por pequenos investidores reunidos no Reddit, gerando enormes prejuízos aos que apostavam na queda de ações como GameStop (NYSE:GME), AMC Entertainment (NYSE:AMC), BlackBerry (NYSE:BB), entre outras.
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Uma forte e abrupta rodada de vendas na última semana do mês, varrendo os ganhos de janeiro em todos os grandes índices.
O S&P 500 caiu 1,1% em janeiro devido à desvalorização de 3,3% na última semana. O Dow Jones Industrial perdeu 2% (após um declínio semanal de 3,3%). E, embora o Nasdaq Composto tenha encerrado janeiro em alta de 1,4%, acabou despencando 3,4% na última semana.
O desempenho dos índices no mês pode não ser o fim do mundo, evidentemente. Primeiro, a atividade no mercado futuro antes do pregão de segunda já mostrava que o mercado abriria em alta.
Além disso, os índices tiveram desempenhos similares há um ano, muito por causa dos preços elevados atingidos no início de 2020. Mas aí surgiu o vírus da Covid-19, castigando os mercados em todo o mundo até a formação do fundo no fim de março.
Ao final do ano, apesar do vírus, da difícil eleição nos EUA e da enorme volatilidade, as ações encontravam-se perto das máximas recordes. O ganho anual de 43,6% na Nasdaq foi o melhor desde 1999.
O vírus continuará ao nosso redor pelo resto do ano. Assim como a volatilidade.
Os touros não morreram ainda
Mas o contexto da volatilidade em 2021 será um pouco diferente. Agora os EUA têm um novo presidente: Joe Biden. A pandemia não é mais uma realidade desconhecida, embora os esforços para controlá-la estejam enfrentando obstáculos por sua força e pela complexidade das novas variantes. O ambiente político nos Estados Unidos descambou para a violência em 6 de janeiro, com a insurreição no Capitólio, e ainda não arrefeceu.
Ao mesmo tempo, mesmo que as ações iniciem 2021 com preços elevados, não é possível perceber qualquer receio entre os grandes investidores de que os valuations ficaram malucos.
De fato, o apetite dos investidores por ações continua forte. Cerca de 150 ações atingiram novas máximas de 52 semanas, de acordo com dados do Investing.com e Barchart.com. Até meados de janeiro, esse número chegou a se aproximar de 800 empresas. O sell-off da semana passada finalmente reduziu a conta.
Guerra na GameStop
Não está claro se a correção da semana passada se deveu aos participantes da batalha entre fundos vendidos na GameStop, AMC, Bed Bath & Beyond (NASDAQ:BBBY) e pequenos investidores. A brigada de investidores de varejo, liderada por um grupo de reunido no fórum WallStreetBets do Reddit, comprou as ações e forçou a alta dos preços.
O resultado dessa compra em massa – geralmente via mercado de opções para reduzir o desembolso de caixa – resultou em ganhos impressionantes nos papéis envolvidos. Além de gerar prejuízos desastrosos para os hedge funds que estavam vendidos.
A GameStop encerrou o mês de janeiro em alta de 1.625%. Se você tivesse comprado a ação quando atingiu a mínima de 52 semanas a US$ 2,57 em 3 de abril de 2020, seu ganho teria sido de 12.546% antes de impostos.
Bed Bath & Beyond saltou 113% somente em janeiro. A AMC Entertainment, operadora de cinemas, disparou 525% no mês passado. Entre o fim de 2016 e o fim de 2020, as ações registravam queda de 93,7%.
As compras forçaram os investidores vendidos a cobrir suas posições enviando compras a mercado.
Quem está vendido toma ações emprestadas de uma corretora e as vende na esperança de que o preço caia. O lucro vem da recompra das ações a um preço inferior, antes de devolvê-las à corretora. Se o preço subir durante a operação, o investidor precisa alocar mais margem para manter a posição.
A Melvin Capital, grande fundo de Nova York com posição vendida na GameStop, amargou um prejuízo de 53% em janeiro e precisou de um resgate de cerca de US$ 1,2 bilhão, segundo o Wall Street Journal no domingo.
Mesmo assim, por maiores que tenham sido as perdas da Melvin Capital, não foram suficientes para fazer o mercado derreter.
Isso porque o Federal Reserve não irá aumentar os juros neste ano e provavelmente também não em 2022, na medida em que continua trabalhando para fazer a economia americana voltar ao normal até que a Covid-19 seja controlada.
Se isso fizer com que os poupadores e fundos de pensão fiquem relutantes, que assim seja.
Analisando o mercado
A GameStop e a gangue do Reddit não foram os únicos acontecimentos do mês. De fato, os investidores continuaram comprando ações menos conhecidas após isso.
O índice Russell 2000 subiu 5%, sem contar o salto de 8,5% em dezembro.
Entre o grupo de ações que deram mais resultados em janeiro estão: empresas de biotecnologia. Principalmente Moderna (NASDAQ:MRNA) (SA:M1RN34), cuja vacina já está sendo distribuída, em conjunto com os imunizantes da Pfizer (NYSE:PFE) (SA:PFIZ34). A Moderna subiu 65% em janeiro, ficando entre as melhores ações do NASDAQ 100, após subir 434% em 2020. Além disso, a Novavax (NASDAQ:NVAX) saltou 98% enquanto seus ensaios clínicos para a vacina seguem em andamento. Seu imunizante é eficiente contra outras variantes do coronavírus, mas nem tanto contra a cepa da África do Sul.
Ações de energia. O setor se valorizou, graças à subida dos preços do petróleo. O barril de West Texas Intermediate, referência nos EUA, superou US$ 50 após a Arábia Saudita, Rússia e outros aliados da Opep concordarem em cortar a produção e encerrar a guerra de preços.
Ganhos fortes foram registrados principalmente em ações de empresas produtoras de óleo e gás. O fundo SPDR® S&P Oil & Gas Exploration & Production ETF (NYSE:XOP) saltou 9,95%, após disparar 39% no quarto trimestre de 2020. As principais participações do fundo incluem Diamondback Energy (NASDAQ:FANG) (SA:F1AN34), que subiu 17,1% no mês, e Occidental Petroleum (NYSE:OXY) (SA:OXYP34), que registrou alta de 15,9%.
Também mostraram força as small caps, ações de semicondutores e construtoras.
O Índice de Semicondutores da Filadélfia (SOX) subiu 3,3%.
Entre as maiores razões para a força do índice estão: Intel (NASDAQ:INTC) (SA:ITLC34) que subiu 11,4%.
As “Big Techs”, no entanto, apresentaram desempenhos mistos.
A Microsoft (NASDAQ:MSFT) (SA:MSFT34) e a Alphabet (NASDAQ:GOOGL) (SA:GOGL34) se valorizaram 4,3%. A Microsoft atingiu a máxima de 52 semanas na quinta-feira. A Alphabet fechou na máxima de 52 semanas na terça.
A Apple (NASDAQ:AAPL) (SA:AAPL34), entretanto, caiu levemente no mês, apesar dos excelentes resultados no primeiro trimestre fiscal, atingindo novas máximas em 25 de janeiro.
A Netflix (NASDAQ:NFLX) (SA:NFLX34) e a Amazon (NASDAQ:AMZN) (SA:AMZO34) derraparam cerca 1,56%. Elas fecharam na sexta cerca de 10% abaixo das suas máximas de 52 semanas.
A Tesla (NASDAQ:TSLA) (SA:TSLA34), que ingressou no S&P 500 em dezembro, subiu 12,45% no mês, com um ganho relativamente modesto para a ação. Mas tocou brevemente US$ 900,40 em 25 de janeiro e encerrou o dia no recorde de US$ 880,80. As ações subiram 24% em dezembro e 46,3% em novembro.
Uma vencedora interessante no setor de tecnologia foi a Illumina (NASDAQ:ILMN) (SA:I1LM34), fabricante de equipamentos de sequenciamento genético, que subiu 15,25%.
E as ações A e C da empresa de mídia Discovery (NASDAQ:DISCA) (NASDAQ:DISCK) ficaram entre as melhores do S&P 500, subindo 37,7% e 33,7%, respectivamente. Em seguida veio a gigante de mídia ViacomCBS (NASDAQ:VIAC) (SA:C1BS34), com uma alta de 30,2%.
As ações de viagens e lazer, que ficaram vulneráveis na pandemia, registraram meses fracos.
A operadora de cassinos Las Vegas Sands (NYSE:LVS) foi a ação com o pior desempenho no S&P 500, ao cair 19,3%. A morte do CEO Sheldon Adelson pode ter prejudicado os papéis.
A Rival Wynn Resorts (NASDAQ:WYNN) (SA:W1YN34) despencou 11,8%. A operadora de cruzeiros Carnival (LON:CCL) Corporation (NYSE:CCL) (SA:C1CL34) caiu 13,8%. A empresa teve suas operações suspensas por causa da pandemia.
A questão da inflação
Na sexta, o rendimento dos títulos de 10 anos do tesouro americano era de cerca de 1,1% Em 6 de janeiro, o retorno fechou acima de 1% pela primeira vez desde 19 de março. Será que isso é um sinal de forças inflacionárias pela frente, capazes de forçar o Fed a elevar os juros?
A resposta breve é: Provavelmente não.
O presidente Jerome Powell foi claro, na coletiva de imprensa da semana passada, ao afirmar que sua maior prioridade era fazer a economia voltar a se mexer. Além disso, o Fed quer que a inflação gire em torno de 2% ao ano. Ela não atingiu esse patamar ainda, e o Fed está preparado para deixá-la superar a marca para obter uma média de 2% no longo prazo.
Isso é bom para as ações, indústria automotiva e construtoras. Quanto à confusão na GameStop, Powell e o banco central não estão preocupados, pelo menos por enquanto. O chefe do Fed ressaltou, na coletiva, que a estabilidade financeira não demonstra vulnerabilidades de maneira geral.