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Mais Ativos ou Produtos Podem não Aumentar a Diversificação

Publicado 23.09.2021, 17:35
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O mercado financeiro tem algumas coisas muito interessantes. Uma das que mais fascina é a seletividade com que certas ideias são integradas a nossa prática profissional, gerando efeitos inusitados e, no geral, indesejáveis. É o caso da diversificação de portfólio: ela é absolutamente essencial para garantir o sucesso no longo prazo. Entretanto, poucas pessoas parecem levar a sério o que a comunidade acadêmica tem a contribuir sobre esse ponto.

Há uma certa resistência quando tentamos abordar a questão de uma forma mais rigorosa e metódica. Ao que parece, diversificação é uma daquelas coisas que você simplesmente sabe fazer, e nesse sentido não existiria diversificação “errada”. Afinal, como é que ampliar minha exposição a várias classes de ativos poderia me prejudicar?

Pois bem, o problema começa justamente com a noção de “classes de ativos”. A ideia desse tipo de diversificação é que nossa exposição a ativos com baixa correlação entre si servirá para nos proteger de momentos de turbulência ou de baixos rendimentos em mercados específicos. Um fundo imobiliário, por exemplo, nos protegeria durante períodos de queda nos mercados de crédito ou ações.

Intuitivamente, isso faz sentido. Entretanto, na prática essa premissa não funciona tão bem, visto que justamente durante os momentos de crise, a correlação entre ativos tende a disparar, o que inutiliza a estratégia. A razão para esse fenômeno está na raiz da verdadeira diversificação.

Considerando a teoria financeira contemporânea, temos basicamente dois tipos de ativos: os de renda fixa e variável. Por sua vez, cada um desses traz em si fatores de risco específicos, que persistem ao longo do tempo e explicam, de forma generalizada, a maior parte dos retornos de um determinado ativo. Com isso em mente, a ideia é que a diversificação de fatores de risco, e não necessariamente de “classes de ativo”, é que irá trazer benefícios reais para nossa carteira.

Voltando ao exemplo do fundo imobiliário, que é amplamente citado como boa alternativa para diversificação de carteiras. Por sua estrutura específica, ele traz elementos da renda variável e da renda fixa, o que significa que seus retornos são explicados pelos mesmos fatores de risco que ações e títulos de crédito.

Portanto, ao aumentar o peso desses ativos na nossa carteira, não estamos diversificando nossa exposição, porque continuamos expostos aos mesmos fatores de risco que uma carteira formada por ações e títulos de renda fixa. Em artigo publicado em 2018, Peter Mladina demonstra como os retornos de REITs (fundos imobiliários dos EUA) se assemelham ao de uma carteira composta de 60% small caps e 40% títulos de renda fixa com maior risco de crédito (high yield bonds).

O autor mostra ainda, com base em dados de 1986 a 2015, que embora o retorno dos fundos imobiliários seja explicado pelos mesmos fatores de risco das rendas fixa e variável, sua estrutura específica embute na carteira uma série de riscos adicionais ou, em termos técnicos, idiossincráticos. Isto é, riscos que são específicos desse setor, que tendem a não possuir uma expectativa de retorno positiva e que não são diversificáveis.

Na prática, estamos diminuindo o retorno e aumentando o risco. Ainda que, porventura, ativos imobiliários possam reduzir a volatilidade total da carteira em termos de desvios padrão, tem-se que considerar o custo de oportunidade: ao investirmos neles, estamos deixando de alocar mais em ativos que produzem retornos melhores e mais confiáveis.

Uma das explicações fornecidas por Mladina, num outro artigo, é que os mercados imobiliários, quando comparados aos mercados de crédito e ações, são muito mais ineficientes do ponto de vista informacional. Ao passo que os dois primeiros precificam “automaticamente” novas informações, os preços de imóveis estão atrelados a avaliação que se faz deles. Ainda que rigorosa, essa avaliação será sempre subjetiva e incapaz de se autocorrigir tão rapidamente quanto ações e títulos de renda fixa.


Quantas ações tem uma carteira diversificada?

Outro grande engano sobre a diversificação é o total de ações necessárias para se ter uma carteira efetivamente diversificada. Não é incomum vermos carteiras supostamente “diversificadas” que contém uma dúzia de ações, às vezes menos ainda, sendo divulgadas por profissionais e instituições do mercado.

Vamos tomar como referência a B3 (SA:B3SA3). Uma carteira com 20 ações, num universo de cerca de 400 empresas, ou algo em torno de 5% do total de ações negociadas. Um índice como o Índice Brasil 100 lista em torno de 25% do total de ações disponíveis. Para mero efeito de comparação, o índice S&P 500 cobre em torno de 80% do mercado acionário dos Estados Unidos – efetivamente refletindo a média do mercado local.

Assim como no caso dos fundos imobiliários, o grande problema de carteiras com poucas ações é que os riscos específicos de cada empresa, que não podem ser diversificados, ocupam um espaço proporcionalmente muito maior na carteira. O problema piora quando ouvimos coisas como a “empresa X não vai quebrar” ou “essa é uma ação conservadora, tem risco bem menor”.

Isso revela um profundo desconhecimento sobre as chances reais de uma eventual falência, mas principalmente sobre como os retornos de cada ação estão aleatoriamente distribuídos. Não dá para sabermos quais empresas vão, por exemplo, passar por longuíssimos períodos de estagnação nos retornos, o que num portfólio pouco diversificado envolve uma perda bastante significativa a longo prazo.

Hank Bassembinder, num artigo de 2017, demonstrou que algo em torno de 4% das ações listadas no mercado americano, desde 1926, explicam o retorno obtido pelo mercado como um todo. O retorno do “buy and hold vitalício” – isto é, comprar uma ação quando ela é listada e guardando ela até sua remoção do mercado, caso ocorra – de ações individuais, em quatro de cada sete casos, foi menor do que o rendimento do tesouro americano durante o período.

Esse fenômeno se dá em função de uma propriedade estatística chamada skewness, que nada mais é do que o fato de uma porção muito, muito pequena de ações é que gera a maior parte dos retornos do mercado como um todo. Logo, na medida em que ninguém sabe quais serão essas empresas, e que elas têm um peso gigantesco no retorno total da carteira, é muito mais racional possuir a maior parte das ações disponíveis do que assumir o risco de não as possuir.

Claro, alguém dirá para você que bons/as analistas conseguem detectar essas ações antes do mercado como um todo, e que com isso você consegue ampliar seus retornos ao mesmo tempo que remove da carteira aquelas ações com tendem a ter performances piores. Sobre isso, me limito a dizer que as evidências acadêmicas mostram, categoricamente e exaustivamente, que esse não é o caso e nem chega perto de ser – em linha com o que escrevi acima.



Diversificação por índices: uma carteira simples e poderosa


A essa altura, você deve estar se perguntando, então, o que diabos seria um portfólio diversificado e como conseguir um. A resposta é bastante simples e clara: ele é formado por índices amplos que captam o prêmio médio de um determinado mercado, seja ele da renda fixa ou variável. De resto, a maior parte do retorno obtido será em função do peso que cada um terá na carteira – estudos como o de Ibbotson e Kaplan (2000) mostram que praticamente 100% da performance é explicada com base nesse critério, com carteiras ativas perdendo sistematicamente para índices passivos.

Comecemos pelo mais simples, que é a renda fixa. No caso do Brasil, não possuímos um índice comercial que acompanhe os rendimentos do mercado de crédito privado, mas há vários fundos pós-fixados desse tipo que nos fornecem uma ideia desse retorno. Basta selecionar um que tenha um histórico mais longo, não cobre taxa de performance e ofereça taxas de administração mais baixas, que em geral não precisam passar de 0.5% a.a.

Para renda variável, você pode simplesmente comprar um ETF que reproduz o S&P500, como o IVVB11 (SA:IVVB11) ou BIVB39 (SA:BIVB39), este segundo um BDR do ETF iShares Core S&P 500, o maior fundo do planeta. A Western Asset oferece um fundo que replica o mesmo índice através da compra de contratos futuros, alocando uma pequena parte em títulos atrelados à Selic – como a liquidez de fundos é um pouco menor, pode ser uma boa opção para quem fica tenso/a com oscilações em tempo real, como no caso dos ETFs.

Com um fundo de crédito privado e um fundo que replique o rendimento do S&P500, esse segundo beneficiado pela tendência do dólar de se valorizar contra moedas fracas, como o real, no longo prazo, basta para uma carteira altamente eficiente e diversificada. Particularmente, não vejo razão para introduzir ações brasileiras, especialmente sob o eterno argumento do “dólar pode estar caro” – confira meu último artigo aqui no Investing.com para entender melhor.

LEIA MAIS: Oportunidade: O Verdadeiro Custo de Investir na Bolsa Brasileira



Diversificação em Fatores de Risco

Dando um passo adiante no grau de complexidade, podemos falar sobre os fatores de risco mencionados acima, que possuem uma expectativa de retorno comprovada, e geram uma diversificação adicional em relação a uma carteira apenas com renda fixa e um ativo indexado ao S&P 500. O foco aqui será nos ativos de renda variável, que tendem a oferecer o melhor prêmio de longo prazo (acima dos 10 anos).

O primeiro fator de risco-retorno que precisamos discutir é o próprio mercado, que no caso se refere ao quanto carteira específica obtém de retorno considerando um mesmo grau de volatilidade (imprevisibilidade de retornos, ou risco de variância) do que o mercado como um todo. Popularmente, essa medida é chamada de beta. Foi o primeiro fator comprovado pela comunidade acadêmica e é amplamente conhecido como Capital Asset Pricing Model (CAPM), criado por Harry Markowitz na década de 1950.

A premissa é bastante simples e elegante: um portfólio que tenha um beta maior que o do mercado tende a possuir um desvio padrão mais alto, portanto incorre em mais riscos e deve, na teoria, oferecer um retorno mais alto no longo prazo. Isto porque o desvio padrão representa o quanto os resultados individuais da carteira (por exemplo, mês a mês, ano a ano...) estão dispersos em relação a média total, para cima ou para baixo.

Embora o trabalho de Markowitz tenha sido crucial para o surgimento da gestão de portfólio como disciplina acadêmica, estima-se que o beta de mercado explique apenas dois terços das diferenças entre portfólios com o mesmo nível de risco. Esse retorno adicional, que não era explicado pelo beta, acabava sendo associado à capacidade de gestores/as de selecionar as melhores ações de acordo com o momento do mercado para “ganhar” mais que a média – justificando, assim, as altas taxas que cobravam e, ainda hoje, seguem cobrando.

Ao longo das décadas seguintes, essas distorções no modelo de Markowitz foram progressivamente estudadas e convertidas em novos fatores de risco-retorno que explicavam uma porção cada vez maior dos retornos obtidos por portfólios com mesmo nível de risco. Ao mesmo tempo, o percentual de retornos associados à habilidade ou capacidade de gestores de produzirem um retorno adicional livre de risco se aproximava de zero.

Com base numa vasta gama de estudos, Eugene Fama e Ken French criaram, inicialmente, um modelo de três fatores que, estima-se, explica em torno de 90% dos retornos entre dois portfólios com o mesmo nível de risco, medido em termos de desvio padrão. Além do beta de mercado, o modelo considera o risco-retorno de uma maior concentração em empresas de pequeno porte (small caps) e de valor (medido pelo múltiplo book-to-market ou price-to-book).

Mais recentemente, dois fatores foram incluídos no modelo: lucratividade, medida pelo lucro operacional mais alto, e o fator investimento, que distingue empresas que investem seus lucros de forma agressiva ou conservadora (com prêmio maior para as últimas), dando origem ao Fama-French Five Factor Model ou FF5F, iteração mais atual e amplamente aceita na comunidade acadêmica.


Um modelo de portfólio diversificado em fatores

Com todos esses pontos em mente, podemos falar em um portfólio diversificado em relação a esses diferentes fatores, em especial tamanho e valor, mais simples de serem integrados a carteiras comuns. Mas, antes de tudo, é preciso entender que tratam-se de prêmios complementares, e o que quero dizer com isso são duas coisas.

Primeiro, que a maior parte da carteira deve refletir o prêmio principal, que é a média do mercado. Segundo, não crie expectativas absurdas em relação ao quanto você vai ganhar além da média do mercado e desconfie de quem disser que consegue fazer isso, visto que só será possível assumindo um risco significativamente maior e alta chance de fracasso – que pode ir de uma performance abaixo da média até grandes perdas no longo prazo.

Com isto em mente, uma carteira de renda variável irá se dividir basicamente em um índice amplo, que traz em si todos os fatores citados, e uma exposição adicional a fatores conhecidos, através de índices amplos que captem esses prêmios. A tarefa é mais complexa do que parece, visto que a composição do índice e a maneira como um ETF ou fundo passivo é gerido tem impacto direto no retorno final em vista de taxas, custos, rotação de portfólio, etc.

Para small caps, a opção mais viável para quem investe usando corretoras brasileiras é o BDR do ETF iShares Core S&P Small-Cap ETF (NYSE:IJR), código BIJR39, que replica o índice S&P Small-Caps. Para quem faz questão de aplicar em ações brasileiras, temos os ETFs SMAL11 (SA:SMAL11) e SMAC11, que replicam o Índice de Small Caps da B3.

Uma observação nesse caso, que vale para todos os índices acionários brasileiros, é que sua precariedade faz com que boa parte dos fundos de gestão ativa os superem com folga no longo prazo, visto que seus benchmarks sequer chegam a refletir a média do mercado nacional. Por isso, considero mais interessante pagar por um fundo com bom histórico, tanto para ações (geral), quanto para exposição a small caps nacionais. Mais uma vez: isso se aplica apenas para quem faz questão de ter ações de empresas brasileiras.

Para quem investe com corretora estrangeira, replico a sugestão feita pelos gestores canadenses Ben Felix e Cameron Passmore, do podcast Rational Reminder, do ETF Avantis® U.S. Small Cap Value ETF (NYSE:AVUV) que foca em small caps que figuram bem no quesito valor, melhorando a qualidade dos retornos. O Avantis International Small Cap Value ETF, nesse caso, é também importante para capturar o prêmio internacional excluindo os EUA.

Para exposição a empresas de valor, quem está investindo com uma corretora nacional. Temos o BDR iShares S&P500 Value ETF, código IVE; além dele, o BDR do iShares MSCI USA Value Factor ETF BDR (SA:BVLU39), ambos disponíveis também para quem investe diretamente no exterior, onde existem outras opções. É bom lembrar que, apesar de empresas de crescimento (e não de valor) terem obtido performance muito superior na última década, a tendência histórica continua enviesada para o fator valor.

Espero que esse texto o/a tenha ajudado a entender melhor as nuances da diversificação e como existe um risco muito alto de uma diversificação errada, inútil ou prejudicial através da compra excessiva de ativos que não trazem benefícios reais – para sua carteira, claro, pois muita gente lucra com essa venda indiscriminada de ativos. Lembre-se: quando se trata de diversificar, mais produtos não significam mais proteção, muito menos mais retornos.

Esse texto tem cunho meramente educativo e não deve ser considerado uma sugestão de investimento. Qualquer investimento, especialmente em renda variável, deve

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