O mercado doméstico abre a sessão desta terça-feira tentando se recuperar do baque sofrido na reta final do pregão de ontem, quando relatos na imprensa antecipando medidas que estariam no texto da PEC Emergencial zeraram as perdas ao redor de 1% do dólar e atrapalharam a tentativa do Ibovespa de anular a queda acumulada no ano. O “furo” de reportagem resgatou temores quanto ao compromisso do governo com o “teto dos gastos”.
“Furaram foi o teto”, diziam fontes do mercado, criticando a nova tentativa do senador Márcio Bittar, relator do projeto, de criar um “puxadinho” para o Palácio do Planalto, com o Congresso abrindo caminho para incluir despesas fora do “teto”, desde que bancadas com recursos vindos de fundos públicos. “Gastança”, “pedalada” e “malabarismo” eram palavras que se ouviam das mesas de operação manifestando a rejeição dos investidores.
Diante disso, o Ministério da Economia negou que há qualquer proposta que fique de fora da regra que limita o avanço das despesas à inflação. O ministro Paulo Guedes veio a público para dizer que conversou com Bittar e com o presidente Jair Bolsonaro, afirmando que ambos garantiram que não há flexibilização do teto no texto final da PEC. Mas sabe-se desde setembro o desejo latente do Executivo em criar uma exceção à regra, com o governo ainda em busca de um programa de renda mínima.
Seja como for, os ruídos políticos voltaram e a disputa em aberto pela presidência nas Casas Legislativas em fevereiro aumenta esse barulho. E esse som desconfortável vindo de Brasília pode prejudicar a chegada do capital estrangeiro ao país.
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É fato que já houve um ingresso maciço de recursos externos recentemente no ativos locais, mas se o Brasil não fizer o dever de casa, seguindo a cartilha da austeridade fiscal e avançando com a agenda de reformas, pode perder a disputa por esses recursos com os demais países emergentes. Daí que o dinheiro que está vindo pode não ser muito confiável e do mesmo jeito que vem, vai - o chamado smart money.
E a cena política revela outros motivos para reduzir a exposição ao risco no Brasil, em tempos de liquidez reduzida, que marca a virada de ano. O país também está ficando atrás na corrida pela vacina contra covid-19, em meio à dicotomia ciência versus ideologia na aprovação de determinadas fabricantes, o que tende a retardar a melhora da atividade doméstica, sujeita a novas medidas restritivas, bem como torna indispensável a extensão do auxílio emergencial, com a inflação seguindo em processo de acumulação.
Isso sem falar em problemas na cadeia de suprimentos, que ainda trazem dúvidas quanto à produção em larga escala de vacinas no mundo. A distribuição de certas doses, como as da Pfizer/BioNTech que precisam ser armazenadas a 70º Celsius negativos - algo mais frio do que a Antártica no inverno - evidencia desafios logísticos complexos e caros. Tampouco se sabe se as vacinas que estão na linha de frente previnem a infecção e/ou a transmissão por coronavírus nem o tempo de duração de proteção à doença.
Em meio a um cenário mais repleto de dúvidas do que de respostas, é difícil entender o porquê de tanto entusiasmo dos investidores, que insistem na escalada do Ibovespa para perto da marca histórica, colada à faixa dos 120 mil pontos, antes do fim do ano e na derrubada do dólar para abaixo de R$ 5,00, em uma época típica de pressão de alta na moeda norte-americana. Só mesmo a liquidez global sem precedentes jorrada pelos principais bancos centrais para explicar tamanha euforia.
Otimismo diminui
Lá fora, o otimismo dos investidores também diminui, com o aumento de infecções por coronavírus nos Estados Unidos, onde o total de mortes por covid-19 atingiu o pico visto em abril em meio ao aumento de hospitalizações, reacendendo os temores de restrições à atividade. Republicanos e democratas ainda lutam para alcançar um acordo tanto sobre gastos do governo quanto sobre o combate à disseminação do vírus.
Em reação, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram no vermelho, contaminando a abertura do pregão europeu, que já vem sendo afetado pelas incertezas com o Brexit. A libra perde terreno para o dólar, que volta a medir forças em relação às moedas rivais, enfraquecendo o desempenho das commodities. Na Ásia, o aumento da pressão do governo Trump contra o Partido Comunista Chinês (PCCh) pesou nos negócios.
Portanto, são crescentes os sinais no exterior de que os investidores estão dispostos a reduzir o apetite por risco, com o foco na evolução da covid-19 nos EUA, nas tensões sino-americanas e nas negociações do Brexit sugerindo uma acomodação dos negócios até que algum evento (negativo) aparentemente inevitável e totalmente esperado ocorra. Enquanto aguardam, os players apenas adiam a ação até que tudo seja resolvido.
Inflação em destaque
Dados de inflação recheiam a agenda econômica desta terça-feira. No Brasil, sai o índice oficial de preços ao consumidor (IPCA) em novembro. A expectativa é de desaceleração para 0,8%, o que, mesmo assim, será a maior taxa para o mês desde 2015. Com isso, o indicador deve acumular alta de 4,2% em 12 meses, ficando acima do centro da meta perseguida pelo Banco Central para este ano, de 4%.
O resultado efetivo será divulgado às 9h. No fim do dia, a China informa os índices de preços no atacado (PPI) e no varejo (CPI), também referente ao mês passado. Logo cedo, às 7h, a zona do euro anuncia o índice ZEW de sentimento econômico, a taxa de desemprego e a leitura final do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre. Já nos EUA, saem os dados revisados sobre o custo da mão de obra e da produtividade (10h30).
*Aviso: a partir de 14/12/2020, A Bula do Mercado será semanal, publicada apenas às segundas-feiras. Em 11/01/2021, os textos voltam a ser diários.