Publicado originalmente em inglês em 31/08/2020
O Federal Reserve abandonou oficialmente a curva de Phillips e restringiu os anos 1980 aos livros de história na quinta-feira, ao abrir as comportas do dinheiro fácil e prometer liquidez a perder de vista.
Essa foi a mensagem do presidente do Fed, Jerome Powell, na semana passada, quando detalhou as conclusões dos integrantes do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) sobre a revisão estratégica da política monetária. Ele anunciou flexibilidade na meta de inflação e o fim das elevações preventivas de juros, explicando que as taxas só subiriam se a inflação de fato mostrar as caras.
Os mercados acionários vinham registrando máximas recordes em antecipação a essa mudança de política e dispararam depois que ela se tornou oficial. O S&P 500 subiu na quinta-feira e registrou seu quinto fechamento recorde consecutivo, repetindo o feito na sexta-feira, quando fechou a 3.508,01.
O Dow Jones também subiu na quinta e na sexta, fechando a 28.653.87. Essa alta apagou as perdas do índice no ano (apesar de estar 3,1% abaixo do fechamento recorde de 12 de fevereiro).
Economia evoluindo, política monetária mais frouxa
“Como a economia está sempre evoluindo, a estratégia do Fomc para alcançar seus objetivos – o marco da nossa política – deve se adaptar aos novos desafios que aparecerem", declarou Powell em seu pronunciamento durante o simpósio virtual de Jackson Hole.
Durante quarenta anos, segundo Powell, o maior problema da economia era a disparada da inflação. O então presidente do banco central americano, Paul Volcker, atacou o problema elevando os juros em dois dígitos. Depois disso, o Fed permaneceu com o dedo coçando no gatilho, sempre pronto para subir os juros, mesmo com a inflação atenuada, a fim de afastar qualquer possibilidade alta dos preços, como ocorreu recentemente na malfadada série de elevações ocorrida em 2018 e início de 2019 sob a presidência de Powell.
O Fed foi então forçado a recuar, e os membros do Fomc perceberam que precisavam repensar a coisa toda.
Foi o que ocorreu na semana passada, quando o Fed reconheceu o que já era óbvio aos participantes do mercado há mais de uma década: a curva de Phillips, que costumava correlacionar o baixo nível de desemprego à alta da inflação, se achatou, e não existe mais uma taxa natural fixa de desocupação que requeira uma ação preventiva de aperto monetário.
“Daqui para frente, o emprego pode permanecer ou inclusive superar as estimativas em tempo real do seu nível máximo sem gerar preocupação", afirmou Powell na quinta-feira para explicar a nova linguagem, ao pregar que “quedas de emprego a partir do seu nível máximo” em vez de “desvios” a partir desse patamar podem desencadear uma ação de política monetária.
Embora o Fed se declare a favor de um limiar de 2% para a inflação, finalmente admitiu, após uma década de tentativas infrutíferas de atingir esse nível, que pode basicamente esquecer a inflação por enquanto.
Oficialmente, o Fed não só irá tolerar, como também incentivar ativamente uma inflação acima do nível de 2%, a fim de evitar uma queda maior nas expectativas inflacionárias, o que deve reduzir o espaço de manobra do banco central sobre os juros.
Os mercados compreenderam corretamente que a política monetária permaneceria frouxa até a inflação mostrar algum sinal de vida, um objetivo que parece praticamente inatingível no momento.
Powell apontou como “outras grandes economias” aprenderam a duras penas que, quando a dinâmica das expectativas de baixa inflação infecta a economia, é difícil se livrar dela.
Powell também prometeu que o Fed continuaria usando seu “amplo conjunto de instrumentos” para estimular a economia. Apesar da felicidade dos investidores com os bilhões gastos pelo banco central para comprar títulos, essa prática ainda alimenta controvérsia quanto à sua eficácia como política monetária.
De qualquer forma, a despeito de todo o alarde, o Fed ainda não encontrou uma forma de fazer a inflação chegar perto de 2%, quanto menos ultrapassar esse limiar. Tampouco sua última mudança de postura deve contribuir para elevar as expectativas inflacionárias, que Powell descreve como “um importante vetor da inflação real”.
Quem sabe daqui a 10 anos uma nova revisão estratégia encontrará a resposta para esse quebra-cabeça.