No meu artigo aqui publicado em 11/12/2020 (“Investir: “não saber” é arriscado; “achar que sabe” pode ser ainda mais perigoso”) eu dissertei sobre os aspectos gerais do componente “conhecimento”. Este, juntamente com “autoconhecimento”, “processo decisório” e “implementação”, é um dos quatro componentes primordiais da abordagem decisória que eu tenho recomendado em meus artigos no Investing.com. Hoje eu continuarei aqui o detalhamento, iniciado no meu artigo publicado em 06/05/2021, dos aspectos principais do “conhecimento”.
Um dos fenômenos mais instigantes e perigosos nesta matéria é o viés cognitivo denominado “efeito Dunning-Kruger”. Um dos seus desdobramentos é que pessoas com habilidade reduzida em uma atividade tendem a superestimar esta sua habilidade e, desta forma, este viés se relaciona com outro viés cognitivo: o da “superioridade ilusória”.
A MAIORIA DOS INVESTIDORES SABE MUITO MENOS DO QUE ACREDITA
“Um homem sábio nunca sabe tudo, apenas um idiota sabe tudo” (provérbio africano).
A “superioridade ilusória” é a tendência de um indivíduo, ao se comparar a outros, a superestimar as suas características desejáveis e a subestimar as suas características indesejáveis. Há numerosas pesquisas já publicadas e com resultados espantosos, como p.ex. cerca de 90% dos motoristas analisados acreditarem ser melhores do que a média.
E se fosse realizado um estudo análogo especificamente junto a investidores individuais (pessoas físicas), o que seria revelado? Não tenho a menor dúvida de que seria algo comparável. Por ser um viés já evidenciado cientificamente e também pelo fato de que o conhecimento de Finanças (“financial literacy”) ser relativamente complexo mesmo que apenas em um nível mínimo necessário para investir. E quanto mais complexa é uma habilidade ou atividade, mais difícil e falível é a avaliação das pessoas sobre a sua própria proficiência relativa, ou seja, comparativamente a de outras pessoas.
Já o “efeito Dunning-Kruger”, descrito como viés cognitivo pelos psicólogos sociais David Dunning e Justin Kruger em 1999, é mais amplo. Além da “superioridade ilusória”, também contempla o fenômeno oposto: a “inferioridade ilusória”, ou seja, a tendência dos indivíduos altamente qualificados a subestimarem as suas próprias habilidades. Esta é explicada pelo enfraquecimento da autoconfiança pela competência real, pois frequentemente os indivíduos competentes presumem equivocadamente que os outros têm um nível de entendimento equivalente ao seu.
Portanto, o “efeito Dunning-Kruger” descreve um paradoxo da natureza humana: muitas vezes a incompetência eleva a autoconfiança e a competência a reduz, ou seja, justamente o contrário do que seria lógico. Isto é desconcertante e surpreendente, mesmo ao se levar em conta que nenhum viés configura um padrão 100% determinístico de comportamento, mas sim uma tendência comportamental que atinge a maioria das pessoas na maioria das situações (que é justamente a essência do conceito de “erro sistemático” que caracteriza os vieses cognitivos, pioneiramente identificados por Amos Tversky e Daniel Kahneman).
Segundo David Dunning, a explicação para a primeira parte deste paradoxo (a “superioridade ilusória”) é a seguinte: se você é incompetente, não tem como saber que é porque as habilidades de que você necessita para produzir uma resposta correta são exatamente as mesmas habilidades de que você precisa para reconhecer o que é uma resposta correta. Já a segunda parte (a “inferioridade ilusória”) poderia ser explicada pelo fato de que quanto mais se domina uma habilidade complexa, mais consciência se adquire sobre o quanto ainda falta para se atingir um nível ainda maior de proficiência.
As consequências práticas mais relevantes e visíveis do “efeito Dunning-Kruger” no mercado financeiro são:
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Investidores com pouco conhecimento cometendo erros com assustadora frequência e tomando consciência das suas limitações somente após acumularem perdas expressivas.
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Investidores com muito conhecimento adotando estratégias de investimento excessivamente conservadoras e, como consequência, obtendo resultados inferiores ao seu potencial.
Em ambos os casos os investidores não estão atuando de forma “racional”, ou seja, consistente com os seus objetivos, perfil e necessidades.
A SOLUÇÃO: CONHECIMENTO + AUTOCONHECIMENTO
“O primeiro dever da inteligência é desconfiar dela mesma” (Albert Einstein).
O viés do “efeito Dunning-Kruger” não tem como ser completamente evitado, mas pode e deve ser minimizado pelos investidores por meio dos componentes primordiais “conhecimento” e “autoconhecimento”.
Conforme abordei no meu último artigo, o “conhecimento” financeiro mínimo necessário abrange disciplinas como Macroeconomia, Renda Fixa e Variável, Matemática Financeira, Mercado Financeiro, Gestão de Riscos e Finanças Comportamentais e deve ser obtido continuamente e de inúmeras formas. Sempre com especial atenção em relação à qualidade e à confiabilidade das fontes de aprendizado financeiro e aos seus possíveis conflitos com os interesses de cada investidor.
Por fim, o “autoconhecimento” também possui um papel fundamental e os seus conceitos serão aprofundados em futuros artigos meus aqui no Investing.com. Os investidores necessitam compreender quais são as suas reais necessidades a curto e a longo prazos e, consequentemente, quais devem ser os seus objetivos. Igualmente indispensável é identificar corretamente o seu perfil individual, em especial em termos de valores pessoais, de inteligência e de racionalidade.
* Ronaldo Deccax é Doutor em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais, Mestre em Administração com ênfase em Estratégia no COPPEAD/UFRJ e Professor, Consultor e Pesquisador em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos. Ele pode ser contactado através do e-mail ronaldo.deccax@coppead.ufrj.br e no LinkedIn em linkedin.com/in/ronaldo-deccax-phd-169217.