Em junho, logo depois do Ibovespa deixar o patamar dos 130.000 pontos, eu publiquei o artigo Repensando Inflação, Dólar, Fed e Investimentos. Ali eu encerrei aquela recomendação de posições que eu havia feito na primeira semana de março. Os quatro papéis citados ali eram minhas maiores posições em ações. Meu tom passava a ser de maior cautela nos investimentos. Eu questionava, sobretudo, aquela narrativa de inflação, que era quase um consenso. Muita gente importante nos EUA contava com uma escalada no índice de preços ao consumidor. Até a semana passada, essa ideia ainda predominava. Depois desta segunda-feira, talvez muita gente já esteja repensando as coisas e entendendo melhor o meu ponto de vista.
Procuro ser atento às opiniões alheias e também a vários recursos que auxiliam minha análise. Na busca por pistas, a interpretação dos dados da macroeconomia global são os mais interessantes. Demografia é algo que uso regularmente, há mais de uma década. Quanto à análise gráfica, acho irônico vê-la menosprezada por tantos economistas. Às vezes me parece presunção acadêmica ou puro preconceito, sem o devido conhecimento. Mesmo injustiçada, a análise técnica continua prestando um excelente serviço aos mais pragmáticos e menos preconceituosos.
O Russell 2000 é um índice de small caps dos EUA. Ele está exibindo uma situação gráfica que merece atenção. As linhas de tendência e suporte estão todas se cruzando nesta semana. Normalmente, isto indica um forte suporte. O Russel 2000 pode repicar aí e voltar a subir por um tempo, até tentar nova queda. No entanto, se estas small caps mostrarem maior aversão ao risco, rompendo para baixo das linhas, a coisa se complica.
Como escrevi no artigo Analisando Oportunidades Interessantes (ainda otimista, naquela ocasião, em 8/3/2021), as ações menos líquidas, de empresas menores, costumam se antecipar às ações mais negociadas, das grandes empresas. Quem prestar atenção, verá que as small caps dão sugestão do movimento, antes que as large caps sigam na mesma direção. Estas ações menores precisam ser compradas ou vendidas de forma mais sutil e paulatina, sem dar tanto na vista, para evitar grandes alterações nos preços. Já as ações de grande liquidez, com menor volatilidade, permitem maior agilidade e rapidez na sua acumulação ou distribuição pelos participantes do mercado. Estas large caps também têm maior peso nos principais índices da bolsa, aqueles observados mais atentamente pela maioria das pessoas.
Esta questão, das ações de menor capital anteciparem o movimento das mais capitalizadas, pode ser vista até na carteira do S&P500. Uma forma de enxergar isto mais facilmente é dividindo o RSP (ETF de S&P500 Equal-Weight) pelo próprio índice S&P500. Ambos são compostos pelas mesmas 500 ações. Só que, no RSP, todas as ações têm o mesmo peso, enquanto no S&P500 (SPX) cada empresa tem uma participação ponderada distinta, conforme sua capitalização e liquidez. Ou seja, no S&P500, um punhado de ações de enorme peso é capaz de mover o índice todo, sem contribuição semelhante das demais ações.
Ao dividirmos o RSP pelo SPX, fica óbvio que a alta do S&P500 vem acontecendo graças a um menor número de empresas mais fortes. A maioria das empresas já está na retaguarda, indicando cansaço e perda força.
O comportamento já era evidente antes da pandemia, como mostra o gráfico. Novos cortes de juros, um QE sem precedentes e cheques assistenciais de estímulo fiscal para a população americana (tudo em resposta ao COVID) deram um novo fôlego de alta para a bolsa americana e as demais pelo mundo todo. Mas a deterioração já está em curso novamente.
Naquele mesmo texto (Analisando Oportunidades Interessantes), havia ficado uma amêndoa amarga por ser destilada. Passados mais de quatro meses, ela se tornou o licor da minha preocupação atual. Desde o dia 22 de setembro de 2020, eu passei a seguir e registrar a movimentação de dez corretoras estrangeiras em 77 ações brasileiras. Em março, eu apontei que a Vale havia ficado com 75% do saldo estrangeiro acumulado nas 77 ações. Como eu tinha VALE3 (SA:VALE3) na carteira, esse favoritismo não me incomodava.
Mas otimismo e parcialidade têm limites. O saldo acumulado vem ficando cada vez mais concentrado nesta única empresa. Uma esquisitice? Ou talvez uma estratégia conveniente? O grande volume estrangeiro entrando na mineradora poderia ser a fase derradeira da alta. A estratégia manteria o índice Ibovespa bonitão nas alturas, enquanto os estrangeiros debandam sorrateiramente das demais posições. No dia 15 deste mês, dentre as 77 empresas que eu sigo e registro, a concentração estrangeira acumulada na VALE3 já passara dos 75% para 98%! De cada R$ 100,00 de fluxo estrangeiro positivo nas 77 ações, só R$ 2,00 estavam fora da gigante brasileira. 2% é irrisório! Num revezamento perspicaz e metódico, os estrangeiros vêm saltando entre diferentes ações, as empurrando e sustentando o melhor que podem. Mas, pelo menos desde setembro passado, o único posicionamento consistente e vultuoso deles é na Vale. Justamente a empresa de maior participação no Ibovespa. Aquela que, individualmente, consegue melhor influenciar o rumo do principal índice do mercado brasileiro de ações.
O interesse pode ser completamente legítimo, pois a empresa é forte internacionalmente. Mas não deixa de ser preocupante quando uma só empresa mostra tamanha discrepância dentre as demais, e pode distorcer a visão do mercado todo.
Graças à Vale, o Ibovespa parece mais saudável e atraente do que realmente está. O rodízio dos estrangeiros na especulação de curto prazo nas demais ações é muito hábil. Lembra um malabarista que, com apenas duas mãos, é capaz de lançar e manter no ar vários objetos rodando ao mesmo tempo, sem deixá-los cair. O segredo está na ágil rotação das mãos, sem necessidade de segurar qualquer objeto (ou ação). Neste caso, seguram uma delas: a VALE3. A liquidez imbatível dela nos pregões da B3 (SA:B3SA3) também garante uma melhor saída de emergência para o capital estrangeiro, numa eventual dor de barriga local (da política brasileira, por exemplo) ou internacional (de ordem macroeconômica ou mesmo geopolítica).
Ao final do pregão desta segunda-feira, mesmo vendendo (no saldo do dia, pelos meus registros) cerca de R$ 90 milhões de Vale, o acumulado estrangeiro desde setembro/2020 na mineradora superou o saldo acumulado nas 77 ações juntas. Com exceção da VALE3, está escancarado um êxodo estrangeiro das ações brasileiras, apesar do fluxo estrangeiro positivo, divulgado pela B3 com dois dias de atraso. Esse fluxo está na nossa mineradora. Um alerta vermelho, temerário para a bolsa brasileira. Não exatamente um incentivo para iniciar ou aumentar posições na maior mineradora brasileira. Pelo menos não por enquanto, na minha opinião.
Estou esperando uma dor de barriga por aí...
Depois que tal fluxo intestinal mais intempestivo se manifeste financeiramente e a bolsa volte a se estabilizar, acredito que o Brasil estará entre os principais destinos dos investimentos estrangeiros. Mas agora não me parece o momento para montar posições. Para os mais pacientes, muita coisa deverá entrar em 'liquidação'.
Claro que esta é apenas a minha análise. Cada um faz a sua! Análise de investimentos é coisa particular. A gente não deve procurar pronta numa prateleira, enlatada para o consumo coletivo. Não quero convencer ninguém do meu ponto de vista. Só compartilho minhas observações e expectativas – que, mais à frente, poderão se mostrar corretas ou totalmente equivocadas. Cabe a cada um passar minha visão pela sua própria peneira racional.
Meu otimismo nas três análises publicadas em março deste ano se baseava na apreciação das commodities e desvalorização do dólar. Muito disto em razão da renda básica distribuída pelo governo aos americanos, gerando inflação. Aquele contexto beneficiava a balança comercial brasileira, já que exportamos muitas commodities. A moeda americana se desvalorizou perante o real brasileiro e tivemos bons resultados. Mas a coisa já mudou.
O gráfico a seguir mostra a razão do índice do dólar sobre o índice das principais commodities no mundo, evidenciando o rompimento daquela tendência que nos favorecia.
Esta situação diminui os dólares depositados nos bancos comerciais, diminuindo também a capacidade de financiamento do setor privado. Empréstimos que, diga-se de passagem, os bancos nem querem mesmo fazer, diante de tanto crédito já saturando a economia, além do temor de potenciais calotes no futuro. No artigo O Fed Não Cria Mais Dólares, eu expliquei que Quantitative Easing não lança dólares na economia real. Quem cria o dinheiro circulante nas ruas e nos bolsos da população são os bancos comerciais. Ora, se instituições envolvidas nas operações reversas compromissadas estão passando dinheiro que tinham em bancos comerciais para uma conta diretamente no Fed, o potencial para financiamento e criação de dinheiro circulante diminui. Isto tende a gerar menos dólares circulantes na economia. Quando a oferta de dólares diminui, o valor do dólar aumenta.
Tudo aquilo que é precificado em dólares tende a custar menos dólares quando o dólar se valoriza. Menos dólares serão necessários para comprar cobre, alimentos, petróleo e outras commodities.
O preço do petróleo negociado nos EUA (OIL_CRUDE, West Texas Intermediate), recuando mais de 6% na segunda-feira, endossou a minha análise. Cedeu seu ritmo de alta para uma potencial reapreciação do dólar, conforme minhas expectativas.
O fato mais importante que eu abordei no meu último artigo foi a demanda das instituições por títulos do Tesouro americano (o tal colateral nas operações reversas compromissadas- RRP do Fed). A mesma demanda por dívida soberana pode ser vista em vários países importantes. Isto é preocupante para a economia global.
A busca por títulos públicos de 30 anos vem baixando os juros de longo prazo em diversos países, sugerindo uma grande aversão ao risco e um maior temor de desinflação (ou mesmo deflação). Ou seja, situação diametralmente oposta ao discurso tão popular de 'escalada inflacionária'.
O comitê de política monetária do Fed (FOMC) delibera apenas os limites de banda para os juros básicos, ou seja, de curtíssimo prazo. Já os juros longos são determinados pela dinâmica entre a oferta e a procura no mercado. São as instituições que determinam os juros de longo prazo, conforme suas próprias ansiedades e prioridades. Ao empurrarem os juros longos para baixo, elas manifestam sua falta de confiança na economia. Estão desmentindo a hipótese inflacionária do índice de preços ao consumidor (CPI). Isto é um mal sinal para o mercado de ações. Talvez a atitude mais prudente seja realizar lucros (ou mesmo prejuízos, antes que eles aumentem) e tomar certa distância das ações. O mercado vem dando vários sinais sutis de aversão ao risco.
Talvez uma deterioração venha só lá por setembro, no fechamento do ano fiscal do governo americano. Mas há o risco de não chegarmos tão longe assim...
Deixo aqui uma estória que resume muitas palavras:
Entre vários morceguinhos dormindo, pendurados no alto da árvore, dois conversavam acordados. Um deles perguntou "Qual a pior coisa que já aconteceu enquanto você dormia tranquilamente, aqui nas alturas?" Depois de puxar pela memória, o outro respondeu "Uma súbita epidemia de diarreia!"
Assim na natureza, como nos mercados!
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