O gráfico abaixo é um dos mais populares e também um dos mais enganosos, quando falamos em análise macro.
As pessoas gostam de narrativas simples, como a ideia de que o Federal Reserve, ou qualquer outro banco central, está "injetando dinheiro no sistema" e, por isso, as ações sobem.
No entanto, essa ideia simples NÃO corresponde à realidade, e vamos explicar por quê.
Para entender melhor, precisamos definir o que é exatamente o "dinheiro" e o que é o "sistema".
Começando pelo dinheiro, a expansão dos balanços dos Bancos Centrais geralmente ocorre por meio de várias operações, sendo a mais conhecida o Quantitative Easing (QE), ou flexibilização quantitativa, mas também existem outros instrumentos, como o recém-criado programa de financiamento bancário (BTFP) do Fed.
Quando o Banco Central expande seu balanço adquirindo ativos (por meio do QE) ou fornecendo financiamento em troca de garantias (como o BTFP), também expande o passivo - ou seja, imprime "dinheiro", ou reservas bancárias, mais precisamente.
As reservas bancárias são uma forma de dinheiro que só os bancos podem transacionar entre si e que nunca (repito, nunca) chega ao setor privado.
Portanto, os bancos não "multiplicam" as reservas quando concedem empréstimos.
O Banco da Inglaterra demonstrou que os bancos criam novo dinheiro ao conceder crédito ao setor privado, o que não significa “transformar” reservas existentes.
É importante ressaltar que os bancos não compram ações com as reservas bancárias recém-criadas!
A ideia por trás do gráfico enganoso é que, à medida que o Fed cria novas reservas bancárias ("liquidez"), os bancos poderiam usá-las para adquirir ativos financeiros, impulsionando, assim, os mercados.
Mas o fato é que os bancos não fazem isso.
E para que as reservas são usadas?
Principalmente para liquidar transações com outros bancos. Os bancos podem usá-las para pagar outros bancos se comprar esses ativos HQLA, mas não para comprar ações. As condições para tanto são extremamente restritas, e a posse desses papéis como porcentagem dos “buffers” de HQLA dos principais bancos europeus e americanos é insignificante.
Embora exista um efeito de rebalanceamento de carteira, no qual os bancos disputam títulos corporativos entre os buffers de HQLA, e isso pode levar a uma redução dos spreads de crédito e influenciar a postura dos investidores em ações, é importante entender que isso é um efeito de segunda ordem.
Além disso, depende dos fundamentos econômicos subjacentes. Os bancos não vão exagerar na alocação em títulos corporativos só porque dispõem de mais reservas, sobretudo se perceberem o risco de aumento de inadimplência.
Podemos observar isso olhando para a crise financeira de 2008, quando o Fed "imprimiu" quase US$ 1 trilhão rapidamente, mas os spreads de crédito corporativo continuaram crescendo, devido aos riscos de inadimplência em meio à crise.
Ou seja, as condições econômicas têm grande peso.
Isso me leva ao ponto principal do porquê o gráfico original apresentado neste artigo é enganoso.
Essas duas séries registraram uma tendência de alta nos últimos 15 anos por diferentes razões: os bancos centrais mantiveram a acomodação através do QE, entre outras medidas, a fim de fazer a inflação convergir para a meta.
E o mais importante é que o Nasdaq 100 subiu consideravelmente, porque os resultados cresceram a uma média de 10% ao ano.
Ainda não acredita em mim?
Vamos fazer algumas contas básicas juntos.
É realmente verdade que a "liquidez" tem uma correlação tão forte com os retornos do mercado acionário?
Realizamos uma análise simples de regressão linear entre a mudança na "liquidez" (reservas bancárias dos EUA) e os retornos do S&P 500 nos últimos 15 anos. Exploramos defasagens temporais, valores atípicos, janelas de retorno - todos os aspectos possíveis.
O fato de as reservas bancárias e as ações tenderem a subir ao longo do tempo faz com que pareçam "correlacionadas". No entanto, ao analisar a taxa de variação da liquidez e os retornos do S&P 500, podemos suavizar essa suposta relação.
O resultado foi consistentemente claro.
Um simples exercício de regressão linear nos mostra que a "liquidez" é pouco útil para prever os retornos do mercado de ações. Os dados do R2 mostram que, nos últimos 15 anos, a liquidez nos EUA explicou apenas 3-4% (!) da variação dos retornos do SPX.
Portanto, sim: ambas as séries aumentaram ao longo do tempo, e ao plotá-las em um gráfico de eixos duplos, pode parecer que há uma forte relação entre si.
No entanto, é importante entender que as ações sobem ao longo do tempo principalmente porque as empresas aumentam seus resultados, e não porque os Bancos Centrais estão "injetando dinheiro no sistema".
Quando mencionamos "dinheiro" aqui, estamos nos referindo às reservas bancárias. Os bancos não podem e não usarão essas reservas para comprar ações. Portanto, a relação direta e a narrativa simples sugerida por alguns comentaristas macroeconômicos não se sustentam quando analisamos os dados de forma mais detalhada. A ideia de que a "liquidez" é um fator determinante nos retornos do mercado de ações simplesmente não se confirma empiricamente.
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Este artigo foi originalmente publicado em The Macro Compass. Junte-se a essa vibrante comunidade de investidores macro, alocadores de ativos e fundos de hedge. Confira os planos de assinatura mais adequados para você neste link.