O gigante conhecido como Federal Reserve está acordado e preocupado. Seu receio é com a inflação gerada pela pandemia de Covid-19 e seus efeitos sobre os preços de energia e as cadeias globais de fornecimento. O índice de preços ao consumidor (IPC) foi de 7% em dezembro nos EUA, na comparação ano a ano.
Em 2022, portanto, os investidores devem ficar de olho no que o Fed faz, o que, pelo menos por enquanto, significa elevar as taxas de juros pela primeira vez em dois anos, depois que o banco central americano cortou sua taxa dos fundos federais para quase zero, a fim de ajudar a economia a sobreviver à pandemia.
Os investidores inteligentes continuarão atentos aos movimentos do banco central dos EUA no longo prazo, haja vista que o processo pode ter uma variedade de efeitos indiretos, alguns dos quais já começaram a ser sentidos antes mesmo de as elevações se concretizarem. Muitos investidores ficaram frustrados quando o presidente do Fed, Jerome Powell, disse, no dia 26 de janeiro, que a primeira alta de juros provavelmente ocorreria em março, além de tomar outras medidas para que os números de inflação caiam.
De fato, os mercados, de maneira geral, começaram a dar atenção à aceleração da inflação em novembro de 2021, logo após a divulgação de um relatório de empregos bastante inconsistente nos EUA. A partir de 8 de novembro, uma série de índices acionários atingiram o pico, inclusive o Russell 2000, o S&P Midcap 400 e o S&P 600 Small Cap. A maior criptomoeda por capitalização de mercado, o Bitcoin, atingiu o topo de US$68.925 em 10 de novembro.
Mesmo assim, a economia americana, de forma geral, parece ter resistido aos estresses da pandemia. Mas houve efeitos colaterais:
- Preços mais altos para os consumidores, principalmente alimentos, carros, materiais de construção e outros produtos básicos de consumo. Além disso, preços residenciais mais elevados.
- Barril de petróleo rumo a US$90 e preços da gasolina em algumas partes dos Estados Unidos flertando com US$4 por galão.
- Um frenético mercado acionário, especialmente em 2020 e 2021, graças aos juros abnormalmente baixos.
Mas, após um ano triunfante para as ações em 2021, os mercados finalmente fizeram uma pausa, com todos os principais índices americanos tombando em janeiro de 2022.
O Nasdaq Composite e o Nasdaq 100 sofreram suas piores perdas de janeiro desde 2008. O S&P 500 e o Dow Jones Industrial registraram suas piores perdas mensais desde fevereiro de 2009.
Mas, a partir da última sexta-feira, 28 de janeiro e continuando nesta semana, com o fechamento do mês, as ações registraram grandes ralis, revertendo as perdas vistas em janeiro. Fevereiro abriu com mais um forte rali, seguido de resultados robustos após o horário regular de pregão na terça-feira, de Alphabet (NASDAQ:GOOGL) (SA:GOGL34) e Advanced Micro Devices (NASDAQ:AMD), mas resultados menos impressionantes de PayPal (NASDAQ:PYPL) (SA:PYPL34), General Motors (NYSE:GM) (SA:GMCO34) e Starbucks (NASDAQ:SBUX) (SA:SBUB34).
A Alphabet também anunciou um desdobramento de ações de 20 para 1. Os papéis da empresa controladora do Google saltaram mais de 10% após o horário regular do pregão.
Evidentemente, ainda é muito cedo para saber se esses fortes resultados compensarão os próximos movimentos do Fed. Pode ser que os investidores estejam simplesmente aproveitando para comprar ações que ficaram sobrevendidas, como a fabricante de SUVs e caminhões elétricos Rivian Automotive (NASDAQ:RIVN).
Os papéis da montadora de Irvine, Califórnia, subiram 15,1% na segunda-feira e 5,9% na terça. Esses ganhos, no entanto, ocorreram após um tombo de 36,6% em janeiro.
Esses ralis também estão sendo impulsionados por bons balanços das maiores empresas do mercado, como Apple (NASDAQ:AAPL) e Microsoft (NASDAQ:MSFT) (SA:MSFT34), na semana passada.
E talvez Wall Street acredite que teremos um bom relatório de empregos na sexta-feira, com um crescimento descente dos postos de trabalho, porém com menos pressão dos salários.
Apesar de toda pressão de venda, também tivemos alguns vencedores em janeiro:
Ações de energia. Sua alta foi impulsionada por preços maiores do petróleo (alta de 15% em janeiro após uma queda de 34% em 2021). Tudo leva a crer que as ações continuarão em alta em fevereiro.
Isso pode acontecer mesmo que as tensões na Ucrânia se dissipem. A contagem de sondas nos EUA saltou 150% desde a mínima de 244 em agosto de 2020, para 610 na semana passada, de acordo com a Baker Hughes, embora ainda esteja muito distante do pico deste século de 2031.
Halliburton (NYSE:HAL) , Schlumberger (NYSE:SLB) e Occidental Petroleum (NYSE:OXY) ficaram no topo do S&P 500 em janeiro. A Exxon Mobil (NYSE:XOM) (SA:EXXO34) subiu 24% no mês depois de um avanço de 48,5% em 2021. A Chevron (NYSE:CVX) (SA:CHVX34), que subiu 11,9%, foi a ação com melhor desempenho do mês de janeiro.
Da mesma forma, o fundo Energy Select Sector SPDR® (NYSE:XLE) registrou alta de 19% em janeiro e 46% em 2021. A Exxon representa cerca de 24% do patrimônio do ETF.
Embora as ações financeiras tenham permanecido estáveis em janeiro, o desempenho do grupo foi melhor do que quase todos os outros do S&P 500. Muitos analistas acreditam que as instituições financeiras vencem com juros mais altos, pois elas ganham maior poder de precificação e obtêm melhores resultados.
Pagadoras de dividendos. Desde setembro de 2021, as empresas do S&P 500 que pagam dividendos superaram as que não o fazem. Em janeiro, as pagadoras derraparam 2,9%. As que não pagam caíram 9,5%. A diferença de 6,58% entre as pagadoras e não pagadoras foi a maior desde 2004, de acordo com Howard Silverblatt, analista sênior de índices da Standard & Poor’s.
As ações que tiveram os piores desempenhos foram:
- Ações focadas na pandemia. Papéis que dispararam em resposta à pandemia, como Moderna (NASDAQ:MRNA) (SA:M1RN34), que desenvolve vacinas contra a Covid. A Moderna recuou, em parte porque muitas outras empresas já estão desenvolvendo imunizantes anti-Covid. Outra perdedora foi a gigante do streaming de vídeo Netflix (NASDAQ:NFLX) (SA:NFLX34), que registrou queda de quase 30% por temores de desaceleração na sua base de clientes.
- Ações que fizeram IPOs recentemente. As ações de empresas que abriram seu capital nos últimos dois anos, principalmente de tecnologia e saúde, em 2021, registram pouco ou nenhum lucro. Ultimamente, passaram a cair porque não registram lucro ou pelo menos não em nível suficiente. O Spotify (NYSE:SPOT) (SA:S1PO34 )caiu 16,1% em janeiro, depois de recuar 25,6% em 2021. A maior parte dos declínios do serviço de streaming de áudio ocorreu muito antes da atual controvérsia em que está metido. A Zoom Video Communications (NASDAQ:ZM) (SA:Z1OM34) recuou 16,1% em janeiro após um recuo de 45% em 2021. A empresa abriu seu capital em 2019.
- Pequenas ações de biotecnologia. Grande parte dessas empresas abriram seu capital para chamar atenção para as suas pesquisas e, quem sabe, atrair um parceiro com bolsos profundos para financiar seu trabalho. Muitas estão 50% ou mais abaixo das suas máximas de 52 semanas. O índice NASDAQ Biotechnology caiu 11,9% no mês.
Quantas altas?
Para os investidores, diante do fato de que os juros vão subir em breve, a questão-chave é saber: com que velocidade o Fed irá subir as taxas neste ano?
Até recentemente, o consenso era que haveria duas ou três altas. Rumores agora dizem que, por conta dos números de inflação, devem ocorrer quatro altas ou até mais neste ano. O gigante bancário Goldman Sachs (NYSE:GS) (SA:GSGI34)considera cinco altas de juros em 2022. Ethan Harris, diretor de pesquisa econômica do Bank of America (NYSE:BAC) (SA:BOAC34), já acha que serão sete.
Se Harris estiver certo – e assumindo que cada alta será de 25 pontos-base – a taxa básica de juros nos EUA pode atingir 2% no fim do ano. E pode ser que o Fed continue subindo os juros em 2023.
É possível que os aumentos iniciais de juros não afetem muito os gastos, as compras de imóveis e os preços ao consumidor. Leva tempo para que os juros cheguem na economia. As ações podem continuar subindo, ainda que com volatilidade, como preveem muitos analistas.
Porém, uma série de altas de juros aumentará o custo de hipotecas, financiamentos de automóveis e estoques das empresas. E se o Fed for muito agressivo e exceder seus objetivos, o resultado pode ser um estresse econômico.
Considere o que aconteceu em junho de 2003, quando a economia ganhou tração, ao se recuperar dos ataques terroristas de 11 de setembro e da bolha das empresas "ponto.com" de 2000-2001. O Fed elevou as taxas básicas de juros de 1% para 5,25% em junho de 2006.
Isso faria com que a taxa de hipoteca de 30 anos atingisse 8%, sem falar nas taxas de juros mais caras para empresas e consumidores.
Um ano depois, mesmo com o S&P 500 atingindo máximas recordes, ficou claro que juros de 5,25% estavam causando estresse em Wall Street e Main Street. Devido às elevações das taxas, houve uma disparada das execuções hipotecárias, colocando a descoberto as precárias condições financeiras de um conjunto de bancos e instituições financeiras nos EUA e no exterior.
Resultado: a maior crise financeira desde a Grande Depressão.
Mesmo diante da péssima ação do mercado em janeiro, pode ser que as compras de ações e fundos de investimento tenham continuidade. As grandes empresas, com grandes fluxos de caixa continuarão recompensando os investidores. Pode haver uma redução dos problemas com as cadeias de fornecimento. Há também esperanças de que as tensões globais se dissipem.
Mas, ao investir, fique de olho no Fed. Observe o ritmo dos aumentos de juros e mantenha a disciplina nos pontos de venda.