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Por Ana Carolina Siedschlag
Investing.com - É curioso pensar que, até pouco tempo atrás, a B3 (SA:B3SA3) não era a única responsável pelas negociações de valores mobiliários no Brasil. A operadora da bolsa como conhecemos hoje surgiu, bem precisamente, em 22 de março de 2017, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovaram a fusão da Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBOVESPA) com a Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (Cetip).
A BM&FBOVESPA, por sua vez, havia surgido em 8 de maio de 2008, quando aconteceu a fusão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) com a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F).
Sim, uma sopa de letrinhas que explica como a B3 foi remendando uma colcha de retalhos para agora deter o monopólio do mercado brasileiro.
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Foi assim que, desde a junção com a Cetip, há quatro anos, as ações acumularam uma alta de 200%, contra o avanço de 97% do Ibovespa, o principal índice negociado na própria B3. A ausência de concorrentes em um mercado que passa por uma profunda transformação e crescimento fez com que muitas casas de investimentos passassem a colocar as ações da empresa na carteira, citando a complexidade do negócio no Brasil e a extensão dos serviços, que seriam motivos para afastar os riscos de competição.
Pelo menos esse praticamente era o consenso do mercado até o início de junho, quando a fintech Mark2Market recebeu autorização da CVM para atuar como central depositária de CRAs, os Certificados de Recebíveis do Agronegócio, abrindo caminho para o mercado de custódia e liquidação de títulos, hoje centrado na B3.
A autorização da CVM levou três anos e meio para ser concedida e era o passo que faltava para a Mark2Market concluir uma captação, que chegou a R$ 10,8 milhões em uma rodada liderada pela gestora KPTL.
Segundo Rodrigo Amato, fundador e CEO da Mark2Market, em entrevista ao jornal O Globo logo após a autorização, a expectativa é poder ganhar a confiança da CVM ao longo do segundo semestre para, a partir do ano que vem, entrar em debêntures e CRIs, os Certificados de Recebíveis Imobiliários - ambos também de exclusividade da B3.
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Foi com isso que o monopólio até quase inquestionável da bolsa brasileira começou a mostrar alguma rachadura em relação à capacidade que a empresa teria de enfrentar um mercado nacional muito mais competitivo do que o de agora, o que levou as ações a acumularem queda de 3,52% desde o início de junho.
E não foi só a entrada da Mark2Market que fez isso com as ações. A boataria de mercado também ajudou a colocar a pulga atrás da orelha de alguns investidores.
Tudo começou porque o JPMorgan (NYSE:JPM) (SA:JPMC34), em 2 de junho, soltou um relatório mencionando que a saída de um representante da XP (NASDAQ:XP) do Conselho de Administração da B3 seria um sinal de que o grupo poderia estar querendo avançar sobre o monopólio da companhia.
Esse representante, citado pelo JPMorgan, é José Berenguer, CEO do Banco XP, que anunciou a saída antecipada do Conselho da bolsa logo após ter sido reconduzido ao cargo em abril deste ano. Ele deveria ficar no posto até 2023.
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Para os analistas do banco americano, a participação dominante da corretora no mercado, de cerca de 20%, faz com que o cenário para uma nova bolsa se torne facilmente alcançável. Isso lembrando que o Conselho da B3 tem membros do Santander Brasil (SA:SANB11), Credit Suisse (SIX:CSGN) (SA:C1SU34), Itaú (SA:ITUB4), Bradesco (SA:BBDC4) e agora, no lugar de Berenguer, um representante do Inter (SA:BIDI11).
Oficialmente, a XP não comenta o assunto, mas segundo vários analistas de bancos grandes que se reuniram com executivos da empresa ao longo do mês, como o BTG Pactual (SA:BPAC11) e o Citi (NYSE:C) (SA:CTGP34), a administração da casa não menciona nenhum plano de competir com a B3.
É nesse cenário que quatro analistas consultados pelo Investing.com colocam posições divergentes sobre as oportunidades dos investidores com as ações da bolsa brasileira e os riscos para uma potencial concorrência.
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Se por um lado a sofisticação do mercado e a regulamentação acabam tornando a entrada de um competidor mais difícil, mesmo enquanto o interesse por investimentos segue a crescer no Brasil, por outro, um mercado endereçável desse tamanho, com, por enquanto, quase quatro milhões de pessoas, pode atrair outros players.
Veja o que eles dizem:
Bull case: a tese de alta
Para Larissa Quaresma, analista da Empiricus, a quebra do monopólio da B3 não será algo tão fácil de acontecer. Ela cita que, além de organizar o ambiente de negociação de ativos, como ações, derivativos e futuros, a companhia atua como contraparte central no mercado brasileiro.
“Se eu der calote na minha corretora e a corretora der calote na bolsa, mesmo assim a B3 tem que arcar com o pagamento de quem vendeu ações de Petrobras (SA:PETR4), por exemplo. Então, em um cenário bem exagerado, de pânico de mercado, é preciso ter uma capacidade tecnológica e operacional enorme para lidar com isso, sem falar na parte de capital regulatório para bancar”, explica.
Para ela, esses seriam fatores cruciais para ter uma aprovação do Banco Central e da CVM para a entrada de um concorrente, o que tende a arrastar um possível processo por um bom tempo.
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Assim, eliminado o risco de concorrência, Leo Monteiro, analista da Ativa Investimentos, aponta que a diversificação de receitas da companhia a torna um caso interessante para continuar aproveitando o boom do mercado financeiro, que segue com uma tendência secular de crescimento, além de ser um negócio “asset light”, sem a necessidade de muitos gastos para continuar gerando receitas.
“Ela atua tanto no segmento de bolsa, como no de derivativos, provém tecnologia para home broker, para passar dados, realiza leilões, tem receitas de várias frentes”, cita.
É isso, ele menciona, que faz da B3 uma boa pagadora de dividendos. Até este mês, a companhia tinha um dividend yield próximo de 4,6% ao ano. Segundo um levantamento do E-Investidor, do jornal O Estado de S. Paulo, entre oito corretoras consultadas no mês de junho, cinco recomendavam as ações da bolsa brasileira nas respectivas carteiras de melhores pagadores de dividendos.
Já Lucas Carvalho, analista da Toro Investimentos, aponta que o esperado crescimento contínuo do mercado faz da ação um ativo interessante para a carteira, considerando que o Brasil ainda tem um contingente relativamente pequeno de investidores em relação ao tamanho da população nacional.
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Ele, no entanto, levanta alguns riscos para a tese, como o aumento acima do esperado da taxa de juros e o ano eleitoral.
“Isso pode impactar o direcionamento de portfólios. Há um certo receio com anúncio de chapas e debates, que traz sensibilidade para o mercado financeiro e pode prejudicar o investimento em ativos variáveis”, alerta.
Bear case: a tese de queda
Puxando mais pelos riscos, o sócio-fundador da Nord Research, Bruce Barbosa, diz não estar tão confiante com as ações da B3 e que não apostaria na companhia diante do risco da entrada de um competidor no mercado.
Ele cita casos de outras empresas que concentravam o monopólio ou grandes fatias em seus respectivos segmentos e que, com a chegada dos concorrentes, não conseguiram segurar a vantagem que possuíam antes.
Um dos exemplos, segundo ele, são os grandes bancos tradicionais brasileiros, que têm perdido espaço muito relevante para fintechs como o Nubank. Barbosa também cita o caso da Cielo (SA:CIEL3), líder no mercado de maquininhas de pagamento até meados de 2018, quando a entrada de novos players fez com que o negócio, fruto da parceria entre Bradesco e Banco do Brasil (SA:BBAS3), perdesse quase dois terços do valor de mercado.
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“Eu acho que é risco demais para um monopólio que vai cair já, já. O Brasil é um mercado muito grande para ter uma só bolsa, e inclusive a chegada de novas bolsas seria uma maneira de desenvolvê-lo ainda mais”, diz.
Para ele, ainda, o que agrava a situação é o fato de que os múltiplos da B3 são altos, o que tira o atrativo de enfrentar o risco de uma potencial concorrência.
“A B3 está negociando a 13 vezes o EBITDA, e apesar de ter caído, ainda está cara. Tem várias empresas que negociam a 11 vezes o EBITDA e crescem 30% ao ano, com solidez muito maior e com competição sob controle”, defende.