“A inteligência consiste não apenas no conhecimento, mas também na capacidade de aplicar o conhecimento na prática.” (Aristóteles).
A insuficiência de conhecimento adequado impede que o investidor atue de forma “racional”, ou seja, consistente com os seus objetivos, perfil e necessidades. Por esta razão é que “conhecimento”, juntamente com “autoconhecimento”, “processo decisório” e “implementação”, é um dos quatro componentes primordiais da abordagem decisória que eu tenho recomendado em meus artigos no Investing.com.
No meu artigo aqui publicado em 11/12/2020 eu tratei dos aspectos gerais do componente “conhecimento”. O artigo de hoje é o quarto e último seguido sobre este componente. Mas, diferentemente dos três anteriores, nos quais eu detalhei cada um dos seus aspectos relevantes, aqui neste artigo eu o explorarei na prática exemplificando com o “caso” de um investidor hipotético.
PEDRO: INVESTIDOR PREPARADO?
Pedro é um Engenheiro Civil de 32 anos, casado há cinco anos e com duas filhas pequenas. A sua esposa é empreendedora e a sua renda é extremamente variável, não raramente tendo que fazer aportes financeiros no seu negócio para manter o capital de giro, o que tem ocorrido com muito mais frequência desde o início da pandemia em 2020.
Tanto os pais quanto os sogros do Pedro não possuem condições de proverem qualquer ajuda financeira significativa, mas em compensação também não necessitam de ajuda por conseguirem viver com as suas modestas aposentadorias complementadas pelos aluguéis que cada casal recebe de imóveis além daquele no qual cada um reside. Isto é um alívio tanto para Pedro quanto para a sua esposa, pois ambos são filhos únicos e, portanto, teriam grande dificuldade para arcarem com o ônus de apoiar financeiramente os seus pais.
A empresa multinacional na qual Pedro trabalha como Engenheiro Sênior atua em um segmento econômico com perspectivas promissoras a longo prazo, porém historicamente muito vulnerável a crises econômicas no Brasil: a construção civil. Ele ingressou na empresa como estagiário durante o seu último ano de faculdade e ao longo de nove anos progrediu de forma relativamente lenta, porém consistente, mesmo durante as crises que se abateram sobre o país durante este período e que forçaram a empresa a demitir muitos colaboradores em alguns momentos mais críticos.
A sensação de relativa segurança na carreira decorrente do seu histórico profissional – sem jamais ter ficado desempregado ou ter trabalhado em outra empresa mais instável, cabe destacar –, conjugada com a sua formação em Engenharia com sólida base matemática, com a sua razoável experiência em investimentos financeiros e com alguns traços da sua personalidade levaram Pedro a apresentar um perfil de comportamento que os questionários de “suitability” (APIs, Análises de Perfil de Investidores) dos bancos e corretoras invariavelmente classificam como “moderado”.
Coerente com esta classificação, Pedro possui um histórico relativamente diversificado como investidor: fundos de investimento (sobretudo de renda fixa, mas também multimercados e até mesmo cambiais), CDBs, títulos públicos e outros. Sempre com uma concentração das suas reservas financeiras – que jamais foram substanciais, perfazendo atualmente um montante equivalente a pouco menos de um ano das suas despesas familiares – em renda fixa.
Apesar da sua reduzida experiência em renda variável, Pedro está cada vez mais inclinado a realocar parte substancial dos seus investimentos para ações de algumas empresas. A taxa SELIC em patamar ainda baixo para os padrões históricos do país, a influência de alguns amigos que passaram a investir recentemente na B3 (SA:B3SA3) e o assédio crescente da corretora que o atende há alguns anos reforçaram a sua insatisfação com os rendimentos que ele tem obtido há algum tempo com a sua carteira de investimentos.
O conhecimento de Finanças do Pedro é limitado, restrito basicamente a duas disciplinas introdutórias e eletivas (Macroeconomia e Matemática Financeira) que ele cursou há quase 10 anos durante a sua graduação e outras duas (Gerência Financeira e Gestão de Custos) do MBA que ele concluiu no ano retrasado, a leituras sobre Economia e Finanças na imprensa não especializada e nas redes sociais e a alguns vídeos e palestras sobre Mercado Financeiro que ele tem assistido com mais frequência desde que surgiu a sua insatisfação com a rentabilidade dos seus investimentos. Além de conversas eventuais com os amigos supracitados, os quais possuem níveis muito variáveis de conhecimento, mas apenas um deles com alguma formação em Finanças e nenhum com atuação profissional na área.
Não obstante, Pedro se considera apto a ousar mais em seus investimentos e planeja agendar muito em breve uma conversa com a sua corretora para escolher as ações nas quais pretende investir cerca de 40% das suas atuais reservas financeiras.
PEDRO: O QUE VOCÊ PRECISA SABER
Qualquer análise deve ter como ponto de partida os objetivos, perfil e necessidades do investidor. Como todo “caso” e, na maioria das vezes, também na vida real, há aqui uma certa escassez de informações relevantes.
É razoável supor que o objetivo maior do Pedro é – ou deveria ser – dispor de uma reserva financeira de segurança cada vez mais robusta para possíveis situações futuras de necessidade (desemprego, dificuldades no negócio da esposa etc.). O seu perfil é, aparentemente, de alguém com um certo nível de inteligência e de racionalidade e que está disposto a assumir mais riscos em prol de uma rentabilidade acima da mera preservação do capital.
Quanto às suas necessidades, Pedro possui uma situação profissional e pessoal que exige cautela em seus investimentos. A sua prioridade deveria ser a busca por segurança, já que ele e sua esposa possuem carreiras sujeitas a riscos consideráveis (a sua esposa, principalmente), as suas reservas financeiras não são expressivas e não há como eles contarem com o apoio financeiro de familiares próximos.
O atual nível de conhecimento de Finanças do Pedro não é adequado para quem deseja investir em um ativo complexo como ações, sobretudo uma parcela tão expressiva (cerca de 40%) das suas atuais reservas financeiras. Ele não possui conhecimentos consistentes e suficientes em Renda Variável, Mercado Financeiro, Gestão de Riscos e Finanças Comportamentais. O fato de o Pedro buscar o assessoramento de uma corretora torna imperativo que ele desenvolva um nível de conhecimento pessoal mínimo em Finanças que seja suficiente para analisar de forma crítica as informações e orientações obtidas, tanto dessa corretora quanto de outras fontes nas quais também há inerentes (ainda que nem sempre evidentes) conflitos de interesse.
Por fim, cabe destacar que o Pedro e qualquer outro investidor deve estar atento e buscar minimizar os riscos representados pelos seguintes aspectos que eu abordei nos meus três últimos artigos, todos eles relacionados ao componente primordial “conhecimento”: os vieses da confiança excessiva e da “superioridade ilusória”; o conhecimento limitado e o conhecimento equivocado; e as heurísticas da representatividade e da disponibilidade.
* Ronaldo Deccax é Professor, Consultor e Pesquisador em Julgamento & Tomada de Decisão, Economia/Finanças Comportamentais, Negociação e Compras/Suprimentos e Doutor em Administração com ênfase em Economia/Finanças Comportamentais e Mestre em Administração com ênfase em Estratégia no COPPEAD/UFRJ. Ele pode ser contactado através do e-mail deccax@gmail.com e no LinkedIn em linkedin.com/in/ronaldo-deccax-phd-169217.