Como já tive a oportunidade de escrever aqui, valuation sempre foi objeto do meu fascínio. Em especial, quando o objeto de avaliação é novo o suficiente para não permitir a aplicação dos modelos tradicionalmente empregados, uma vez que não existe passado que sirva de base para se estimar os comportamentos futuros.
Este é o caso da grande maioria das startups e, mais precisamente, na minha experiência profissional mais recente a frente do Parque Tecnológico da UFRJ, de novas tecnologias. Qual a diferença? Não necessariamente uma nova tecnologia, especialmente quando desenvolvida em uma Instituição de Pesquisa, chega ao mercado por meio de uma nova empresa, em determinadas situações é mais produtivo transferi-la para uma empresa já estabelecida.
Os fatores mais importantes para que um caminho ou outro seja adotado são: 1- as sinergias que a nova tecnologia pode gerar quando inserida em uma empresa já estabelecida; 2- a diferença na avaliação dos riscos envolvidos no desenvolvimento entre os agentes envolvidos (empresa e Universidade, neste caso) e 3- a disponibilidade de empreendedores capazes e dispostos a se dedicar ao árduo processo de desenvolvimento tecnológico.
Para contextualizar o leitor, aqui na UFRJ, trabalhamos com um modelo que convencionamos chamar de “Esteira de Inovação”. A ideia é que os diversos mecanismos de apoio à inovação da Universidade – e o Parque Tecnológico é um deles - atuem de forma integrada para que as tecnologias que nascem nos nossos mais de 1.400 laboratórios gerem o melhor impacto possível para a Sociedade.
Por conta da diversidade de áreas nas quais a Universidade atua, as tecnologias aqui desenvolvidas cobrem um amplo espectro. Mas, naturalmente, algumas características delas são mais relevantes, como o fato de envolverem conhecimentos científicos de ponta em áreas como Engenharia, Biofísica, Química, Física, Farmácia, Matemática, Medicina etc., ou seja, falamos aqui de novos materiais, terapias genéticas, energia limpa, fármacos e coisas assim.
Outro aspecto importante é que, comumente, os laboratórios conseguem avançar até os TRLs 4 ou 5. Passado este nível de maturidade tecnológica, outras estruturas são necessárias para que o desenvolvimento prossiga. É nesta hora que surge a necessidade de escolher qual dos caminhos seguir: transferir a tecnologia para uma empresa estabelecida ou fomentar o nascimento de uma deep tech.
Aliás, acho importante fazer aqui uma separação entre a forma como se emprega o termo startup hoje, que pode se referir a qualquer tipo de empresa nascente, normalmente com um único produto ou serviço inovador, daquele que utilizávamos antigamente “empresa nascente de base tecnológica” que melhor se traduz por deep tech.
E, finalmente, podemos falar de valuation. Qual o valor de uma tecnologia ainda em desenvolvimento? Como modelar as incertezas deste processo? Como garantir a geração de valor para a Sociedade?
Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), estamos ultimando o desenvolvimento de uma ferramenta de suporte à decisão que nos permitirá responder às perguntas que coloquei acima. O que passo a compartilhar agora são os principais aprendizados deste processo de desenvolvimento que vem sendo realizado por Kelyane Silva, Diretora do Inova UFRJ; pelos consultores Carlos Heitor Campani e Marcelo Lewin e por mim.
O primeiro ponto é que não deve existir dúvida sobre o conceito de que qualquer ativo vale a expectativa do valor presente líquido dos fluxos de caixa que se espera que ele gere ao longo de sua vida útil, descontados à uma taxa que reflita, adequadamente, os riscos da atividade empresarial na qual está inserido. Mas quando se trata de uma tecnologia em desenvolvimento, outras variáveis interessantes de se trabalhar aparecem.
De uma forma que caiba no tamanho deste artigo, podemos resumir tais variáveis assim: (i)Quais as etapas de desenvolvimento restantes? (ii)Quais os resultados podem ser encontrados nessas etapas? (iii)Quais os custos esperados? (iv)Quais as opções de abandono? (v)Como esses gastos podem ser financiados? (vi)Quais os eventuais benefícios fiscais podem ser obtidos?
Então, trabalhando na linha temporal que se inicia no momento atual e finda no momento da introdução da nova tecnologia no mercado, ao final, o ativo tecnológico valerá, como qualquer outro ativo, o VPL. Mas como o ativo ainda se encontra em desenvolvimento, precisamos dar tratamento às incertezas listadas acima.
Para tanto, trabalhando em uma árvore de decisão, o primeiro passo é modelar as etapas futuras de desenvolvimento(i), orçar os gastos associados a cada uma delas(iii) e definir as probabilidades dos resultados de cada etapa(ii). Em princípio, ao menos 3 resultados são possíveis: sucesso, sucesso parcial e fracasso.
O fracasso acontece quando os resultados da etapa evidenciam que a tecnologia não é viável. Neste caso, a opção dominante será o abandono(iv). O sucesso parcial será quanto nem todas as expectativas iniciais sobre o desempenho da tecnologia são comprovadas naquela etapa de testes, mas as expectativas de desempenho ainda não desmentidas indicam a existência de um potencial valor de mercado (p.ex. uma nova terapia pode não se mostrar viável para uso em humanos, mas ter potencial para uso veterinário). E o sucesso da etapa será caracterizado pelos testes não conseguirem desmentir as expectativas sobre as potencialidades da tecnologia.
Uma observação interessante é que concluída uma etapa, os gastos a ela associados se tornarão afundados, ou seja, não afetarão a decisão do nó seguinte.
Então, a realização de cada etapa do desenvolvimento da nova tecnologia trará, em função dos resultados obtidos, a decisão de prosseguir ou não com o projeto. Note que o desenvolvimento de cada tecnologia dependerá sempre de 3 grandezas: a) a probabilidade acumulada de sucesso do seu desenvolvimento; b) dos custos associados ao desenvolvimento e c) do impacto que a tecnologia terá na qualidade de vida das pessoas (gosto de entender o VPL como uma aproximação disto).
A ação das políticas públicas, além da adequada formação do Capital Humano, está também em financiar o desenvolvimento de tecnologias cujo impacto esperado na Sociedade seja relevante e compense os riscos e custos envolvidos. Tal financiamento(v) tanto acontece por meio do aporte de recursos não reembolsáveis, quanto pelo empréstimo com taxas de juros subsidiadas, quanto pela compensação dos créditos fiscais(vi).
Quando se trata do desenvolvimento de tecnologia por uma deep tech, raramente benefícios fiscais ou financiamentos subsidiados terão muito efeito, seja pelo time-to-market que este tipo de tecnologia apresenta, seja pela virtual incapacidade de atender aos critérios de créditos das entidades financiadoras. Resta o aporte de recursos não reembolsáveis.
Por conta de suas características, a existência de critérios aprimorados para alocação desses recursos é essencial na busca por uma maior eficiência. Acreditamos que, na medida em que nossa ferramenta amadureça e uma base de conhecimentos seja gerada, teremos dado uma forte contribuição para a efetividade das políticas públicas de apoio à inovação, além de estabelecer um padrão que proporcione ao gestor o necessário conforto na alocação dos recursos públicos.
*Vicente Ferreira é coordenador do MBA do COPPEAD/UFRJ