Nos últimos meses, tenho ouvido aqui e ali alguns ex-alunos comentando sobre seus modelos de Valuation e o quanto a divulgação trimestral de resultados vem impactando as recomendações sobre alguns papéis de boa liquidez. Até aí, nada surpreendente. É natural que a divulgação de resultados, quando não alinhados às expectativas dos analistas, impactem suas recomendações, seja para o bem, seja para o mal (mais comumente para o mal).
Mas sabe quando algo não lhe soa muito bem? Pois é, por isso me motivei a escrever este artigo falando de algo tão batido como análise de demonstrações financeiras. Será que todo mundo se lembra para que ela (a análise) serve?
Então, talvez, este artigo não seja para você e não quero tomar seu tempo com algo que, além de soar enfadonho, pode agregar muito pouco ou quase nada ao que você já sabe. Porém, pensando na matriz de risco e você deixar passar uma leitura rápida que possa te ajudar a corrigir algum desvio no processo de Valuation a ponto de melhorar a sua performance...Bem, talvez valha a pena seguir mais um pouco...
Então vamos lá. Para que fazemos a análise dos demonstrativos de uma companhia? A resposta mais correta para esta pergunta é: para entender como, durante um determinado período de tempo, aquela companhia foi impactada pelas condições vigentes em seu(s) mercado(s) de atuação e como reagiu a elas.
Mas professor (talvez alguém esteja pensando nisso), nós não fazemos a análise para poder projetar o fluxo de caixa e calcular o valor da Cia.? Minha resposta é ambígua: sim e não. Vamos aos esclarecimentos: embora o objetivo seja realizar uma projeção bem embasada, a simples análise das demonstrações financeiras não nos permite fazer isso. Primeiro porque não seria sábio adotar a premissa de que o futuro repetirá o passado, ou seja, os fluxos de caixa futuros de uma companhia, na verdade, dependem muito mais dos próximos 3 meses do que de tudo o que aconteceu nos 5 últimos anos de sua história. Ou seja, a análise não serve como uma bola de cristal.
Os melhores alunos agora podem estar pensando em todas as técnicas de projeção que estudaram, decompondo as séries em ciclo, tendência, sazonalidade e erro como forma de construir projeções mais acuradas. Tenho que lembrar que tais técnicas são muito úteis quando se precisa projetar o próximo ponto, mas muito falhas quando o nosso interesse – como no caso de qualquer valuation – se estende até o longo prazo.
Na verdade, estudar os relatórios financeiros nos permite entender como uma determinada empresa vem reagindo aos estímulos do ambiente e quais resultados vem obtendo. A análise nos permite observar quais impactos as mudanças na competição estão tendo (caso estejam) no desempenho daquela Organização.
Assim, voltando ao meu ambíguo “sim e não”: não é como base para projetar os fluxos futuros que a análise financeira nos ajuda a construir o valuation de uma empresa, mas pelo aprendizado que adquirimos sobre como a organização reage às mudanças em seu mercado e como ela está se posicionando para os desafios que espera enfrentar no futuro.
E, agora, podemos falar um pouco mais sobre esses desafios que irão impactar a empresa no futuro e como esperamos que a cia em análise irá reagir a eles. O primeiro ponto é ninguém aqui – infelizmente – prevê o futuro. O máximo que a boa técnica nos permite é construir cenários. E esses cenários, além de probabilidades diferentes, trarão impactos distintos no posicionamento estratégico das empresas.
Agora, tendo acumulado conhecimento sobre como, no passado, a empresa reagiu aos estímulos do ambiente no qual se insere e, de posse dos cenários plausíveis sobre o futuro, podemos nos dedicar a projetar como aquela companhia, ao nosso ver, irá se portar diante dos futuros que imaginamos e qual o impacto disso em seu fluxo de caixa futuro.
Desculpe se expresso assim, em poucas linhas, o processo parece muito mais simples do que é de fato, mas neste texto não quero discutir o processo de construção de cenários e de sua utilização para projetar o fluxo de caixa futuro, mas, sim, explicar os motivos pelas quais aquilo que descrevi no primeiro parágrafo deste texto me parece suspeito.
Então, o valuation de uma empresa é função daquilo que esperamos que ela gerará de fluxo de caixa para seus acionistas de hoje até a perpetuidade e da taxa de desconto que se considerou adequado adotar.
É natural que quando os resultados de um período escapam de nossas expectativas, eles afetem também nossas expectativas futuras, ou seja, quando o ontem se mostra melhor do que pensávamos anteontem, passamos a ver o amanhã com maior otimismo.
Contudo, é pouco comum que a divulgação de resultados trimestrais altere os cenários de futuro com que se trabalha para determinado mercado. Sim, resultados trimestrais podem (e devem, quando fora de nossas expectativas) alterar nossas expectativas de curto prazo.
Mas, para que resultados de curto prazo afetem significativamente o resultado de uma avaliação, vejo duas possibilidades: ou se está trabalhando com a premissa que o futuro é apenas a repetição do passado mais recente, ou se está trabalhando com uma taxa de desconto muito alta.
Então, discretamente, sugiro que você reflita sobre o quão os resultados trimestrais têm impactado os seus modelos de valuation e por qual motivo. Fica a dica.
*Coordenador do MBA do COPPEAD/UFRJ