Primeiro o pânico
Entre os meses de fevereiro e março, auge do pessimismo instaurado na bolsa, o mercado entendeu que os negócios das locadoras de veículos estariam dentre os que mais iriam sofrer com a quarentena imposta para conter a disseminação da COVID-19 e castigou as ações do setor na bolsa.
MOVI3. Fonte: Economatica.
As quedas de MOVI3, Unidas (SA:LCAM3) e Localiza (SA:RENT3) chegaram a impressionantes -70 por cento. A MOVI, especificamente, caiu -65,7 por cento.
Da mínima até hoje, o papel subiu +117 por cento e negocia agora próximo dos 17 reais, ainda abaixo dos 22 reais alcançados no pré-crise.
Em um primeiro momento, o mercado desenhou um cenário extremamente pessimista, principalmente por conta do fechamento e redução de demanda das lojas nos aeroportos e da queda no movimento de aplicativos de transporte (Uber (NYSE:UBER) e afins), responsáveis por uma gorda parcela do faturamento no segmento de Aluguel de Veículos (RAC) destas empresas.
No artigo que publicamos em abril, com o título: "Como a crise afeta LCAM", mostramos que não era bem assim. As locadoras tem outros segmentos de atuação (Gestão e Terceirização de Frotas — GTF e Seminovos), e mesmo dentro do RAC existem contratos mensais (entre 1 mês e 1 ano de prazo) que são mais resilientes do que a demanda por locações eventuais, apesar de terem menor margem.
Além disso, visando segurança durante a pandemia, algumas pessoas optaram por substituir o transporte público por uma locação de veículo mensal durante a crise. Outras (principalmente empresas), resolveram por substituir viagens curtas, que normalmente seriam feitas de avião, pelo modo terrestre, utilizando veículos alugados.
Aos poucos o mercado foi entendendo que a queda havia sido exagerada e foi puxando as ações das empresas do setor de volta.
Prévias Operacionais. Fonte: Movida (SA:MOVI3).
Em julho, quando a MOVI divulgou ao mercado suas prévias operacionais para o segundo trimestre, o tamanho do exagero na queda das ações ficou evidente.
O impacto no RAC era, sim, significativo, de -34 por cento de receita em relação ao 2T19, mas bem menor do que o inicialmente esperado. No GTF, segmento mais resiliente, a companhia apresentou expectativa de crescimento de 15 por cento na receita.
E de maneira mais surpreendente ainda, a empresa mostrou que foi capaz de vender veículos usados mesmo durante a pandemia e que esperava um crescimento de 21 por cento na receita, mérito do avançado nível de desenvolvimento tecnológico que já estava em curto na empresa.
Como foi o 2T20 na prática
A estimativa do mercado era de queda de -35% no Ebitda e prejuízo de -35 milhões de reais para a companhia no 2T20.
Mas os resultados vieram melhores do que a expectativa, com crescimento de +6 por cento na receita líquida, Ebitda Ajustado praticamente estável (-0,1 por cento) e queda de -93,7 por cento no lucro líquido, que permaneceu no campo positivo.
Destaques Financeiros. Fonte: Movida.
A companhia fez um provisionamento (impartment) conservador no 1T20 para reduzir o valor de recuperação do seu estoque de veículos à venda durante a quarentena, e no 2T20 entendeu que a provisão foi adequada, não sendo necessário realizar novas provisões ou ajustes.
A receita líquida do RAC apresentou uma queda de -34 por cento, reflexo do menor volume de diárias e da redução de 4,6 mil carros operacionais — o que permitiu a manutenção da taxa de ocupação acima de 70 por cento e, juntamente com a redução nos custos, possibilitou uma queda de margem ebitda de 35 para 25 por cento, bem menor do que a das rivais.
Assim sendo, a queda no Ebitda da divisão foi de -51 por cento por conta do menor faturamento e da maior depreciação reconhecida.
No GTF, a receita líquida apresentou um aumento de +15 por cento devido ao incremento de 5 mil carros na frota operacional. Surpreendentemente a companhia foi capaz de renovar contratos e ganhar novos clientes mesmo durante a pandemia.
Com a redução nas despesas administrativas e os ganhos de escala, o Ebitda da divisão cresceu 29 por cento, com a margem saltando de 63 para 73 por cento. Um não recorrente tributário também contribui em 3,7 milhões de reais para o Ebitda de 91,5 milhões de reais alcançado no GTF.
Já no setor de Seminovos, a receita líquida (+ 21 por cento) alcançou o maior patamar já entregue pela Movida em um trimestre, devido ao crescimento de 15 por cento no volume e de 5,6 por cento no preço médio de venda (graças a frota mais nova), mesmo com descontos concedidos e maior participação do atacado no mix.
O Ebitda alcançado em Seminovos foi de 15,4 milhões (vs -11,1 milhões no 2T19) graças a maior diluição dos custos e ao impairment realizado no 1T20. É o 3º trimestre consecutivo de Ebitda positivo para o segmento que foi a pedra no sapato da companhia desde seu IPO, consolidando a maturação da estrutura instalada e mostrando que o nível avançado de tecnologia aplicado ao negócio fez a diferença.
Ebitda e margem Ebitda por segmento. Fonte: Movida
Movida manteve uma rentabilidade elevada de 9 por cento e um ROIC Spread (retorno sobre o capital investido menos o custo da dívida) de 4,6 p.p., reflexo de uma estratégia consolidada capaz de mitigar os impactos da crise.
Rentabilidade 2T20. Fonte: Movida.
O que esperar daqui para frente
Mas o que animou bastante o mercado foi a divulgação das prévias operacionais de julho, mostrando recuperação relevante do segmento mais afetado na crise: o RAC.
O aumento de +40 por cento na receita líquida de RAC em julho é decorrente do aumento de 11,5 por cento na frota operacional, com taxa de ocupação 8,2 p.p. maior e 21 por cento de incremento no número de diárias, acompanhado de +8,6 por cento no ticket médio.
Prévias Operacionais de Julho. Fonte: Movida.
A companhia acredita que seu Ebitda atingiu o menor patamar no 2T20 e que no 3T20 sua rentabilidade já volta a se recuperar. Seus indicadores financeiros estão melhores (possui caixa de 1,7 bilhão), o momento é de retomada do crescimento, e sua posição de caixa permite isto.
As compras de veículos para o RAC já retornaram aos patamares normais em agosto e o crescimento já enseja a necessidade de liberar veículos para locações eventuais (que são mais rentáveis), os níveis de preço devem retomar ao patamar pré-crise entre o fim deste mês e setembro. No seminovos, o crescimento de volume e ticket também continua.
A crise veio, afetou pontualmente os resultados da companhia, mas ao que tudo indica, já está ficando para trás. A Movida negocia a apenas 12x Ebitda e ainda tem uma enorme avenida de crescimento pela frente (foco no longo prazo, sempre).
Market share por segmento (em número de carros). Fonte: Companhias e ABLA.
Os dados do segmento em 2019 mostram que ainda há mercado para ser roubado das pequenas locadoras, e este tem sido o principal driver de crescimento do RAC nos últimos anos.
Em mercados maduros como o americano, as grandes empresas ocupam uma fatia de 95 por cento do segmento. No Brasil, as 3 grandes ainda possuem apenas 80 por cento do mercado.
E a crise pode acabar impulsionando o movimento de consolidação. Concorrentes menores não têm a mesma saúde financeira e o acesso a recursos baratos que as 3 grandes de capital aberto, e certamente enfrentarão maiores dificuldades com a crise.
Se por um lado as pessoas podem viajar menos por conta do aprendizado com a crise (viagens podem ser substituídas por reuniões virtuais), por outro, existe uma forte tendência de que no futuro as pessoas enxerguem um veículo pessoal como serviço e não como um bem para sustentar o crescimento do serviço no longo prazo.
Assim como a recente pressão nos caixas das empresas pode acelerar o processo de mudança cultural dentro delas, o crescimento no GTF (que é extremamente subpenetrado no Brasil) pode ser acelerado no pós-crise.
Sempre com foco nos resultados das empresas e não nas manchetes dos jornais ou nos boatos, estudando os possíveis impactos positivos ou negativos de qualquer mudança de fundamentos no longo prazo das empresa, escolhemos as empresas que recomenda e atualmente tem a MOVI3 como uma de suas principais posições.
Um abraço.