Até o fim do mês de março, a empresa nos informou que não havia recebido nenhum pedido de cancelamento e poucos clientes entraram em contato com objetivo de reduzir a quantidade de carros utilizados ou solicitando prazo de pagamento.
Os contratos de GTF geralmente incluem uma multa de cancelamento equivalente a metade do valor residual do contrato e as empresas ainda costumam dar prioridade para pagar as locadoras (ficaria difícil alugar carro com o nome negativado em alguma delas).
Quase 70 por cento dos contratos são com empresas de grande porte (mais de 500 carros alugados), que também possuem saúde financeira para suportar esta crise.
Ou seja, o impacto aqui é limitado e provavelmente se resume a alguma inadimplência no curto prazo, mas que não deverá se manter por muito tempo.
Ainda vale citar que a crise pode acelerar a mudança cultural em curso. Menos de 10 por cento da frota corporativa no Brasil é terceirizada. Em países desenvolvidos, este número supera 50 por cento.
A crise pode expor o fato de que as empresas poderiam não ter boa parte de seus recursos imobilizados em veículos, sendo que esta não é sua atividade fim. Pode ser que o período de dificuldade sirva de catalisador para a quebra de paradigma.
Transformar esses ativos em caixa e ainda ter um serviço melhor, que no fim das contas ainda sai mais barato, é uma decisão que as melhores empresas já tomaram faz tempo.
Seminovos
Por fim, analisamos a operação de Seminovos, que representa 54 por cento da receita total da companhia, mas apenas 3 por cento do Ebitda.
As locadoras ganham dinheiro alugando os carros, comprar e vender não gera valor. O giro dos veículo é apenas algo inerente às suas operações.
Assim como no RAC, a operação depende das lojas abertas para vender carros. Nas capitais, as lojas estão fechadas, mas ainda existem algumas no interior dos estados em operação.
Mas se durante a crise as vendas naturalmente cairão, o pós-crise pode significar uma oportunidade.
Em 2015~16, foi exatamente isto que aconteceu — enquanto a venda de veículos novos caiu -30 e -19 por cento no Brasil, a venda de usados cresceu +33 e +24 por cento.
Por conta da dificuldade financeira, o percentual de compradores que adquirem um veículo por necessidade e não por “ego” aumenta. Este cliente tende a fazer uma compra mais racional e acaba encontrando boas oportunidades nos Seminovos das locadoras.
Esta possibilidade é ainda maior dado que desta vez as montadoras estão com suas operações paralisadas e terão a maioria dos seus estoques consumidos pelas locadoras nos próximos 2~3 meses.
Elas vão demorar um tempo para reabastecer o mercado quando a demanda começar a voltar. Já as locadoras, terão carros com uma quilometragem menor do que o padrão (RAC com 2~3 meses a menos de rodagem) e isso pode se traduzir em ótimos números para o segmento no 2º semestre de 2020.
Conclusão: -70 por cento foi demais
Sim, o cenário mudou, a realidade para o futuro agora é outra. Mas, apesar das incertezas que ainda permeiam o ambiente, uma análise mais detalhada nos mostra que a queda nas ações de Unidas foi exagerada em relação ao tamanho do potencial impacto negativo desta crise nos resultados da empresa.
As receitas de Unidas cairão, sim. Mas, hoje, Unidas continua operando normalmente no GTF e com 50 por cento do RAC funcionando — ainda gerando, aproximadamente, 75 por cento das receitas totais.
Estamos de olho para uma possível piora na crise ou impacto maior nos negócios de LCAM.
Numa situação ainda mais extrema, a Unidas poderia pausar o processo de aquisição de novos veículos. Sem investir em crescimento (comprando carros suficientes apenas para repor a frota) a empresa gera uma tonelada de caixa.
Mas isto dificilmente será necessário. A empresa tem um caixa superior a 2 bilhões atualmente, suficiente para não precisar demitir nem deixar de pagar fornecedores.
E a empresa ainda pode vender seus carros para gerar, ainda mais, caixa.
Apenas 3 por cento da sua dívida vence no curto prazo (em 2020) e seu endividamento líquido está em apenas 3,5x Ebitda, com folga de mais de 1x Ebitda em relação aos seus covenants, para captar mais dívidas, caso necessário.
Honrar seus compromissos durante a paralisação da economia não será um problema, muito pelo contrário, esta crise ainda pode abrir oportunidades de aquisição de concorrentes menores, principalmente no GTF.
A Unidas entrega hoje um ROIC spread (retorno sobre o capital investido menos o custo da dívida) de 6,3 por cento e não mudou em nada seus planos de entregar um spread entre 6 e 6,5 por cento.
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