Hoje dividirei com vocês algo que julgo bem interessante: uma estratégia de investimento em ações da bolsa que vem se mostrando robusta ao longo dos anos (analisei até 2007). A estratégia é bastante simples e conhecida por 1/n (leia-se: estratégia um sobre ene). Isto pois você pegará o montante destinado a investimentos em ações e dividirá este montante por cem, investindo, portanto, quantias iguais em cada um dos cem papéis constituintes do IBrX 100 (índice com as cem ações e units mais líquidos da B3 (SA:B3SA3)).
Tal estratégia é atrativa por sua simplicidade pois automatiza as duas decisões importantes na hora de formar a carteira: que ativos comporão a carteira e em quais proporções? Respostas: simplesmente todos os cem papéis do IBrX 100 entrarão na sua carteira e com a mesmíssima proporção financeira. E então você simplesmente esqueceria da sua carteira por um mês, quando então você voltaria para rebalanceá-la, ou seja, para comprar papéis que eventualmente tenham entrado no índice (e vender aqueles que saíram), bem como reajustar os montantes financeiros investidos em cada um deles para que tornassem a ser iguais. Por esse motivo, a chamarei de estratégia 1/n mensal.
Vamos ver como esta carteira estaria performando em 2020, se comparada aos dois principais índices amplos da bolsa? Pois bem, enquanto o Ibovespa e o IBrX 100 estão perdendo, respectivamente, 18,1% e 17,9% neste ano, nossa carteira estaria perdendo menos: 15,0%. E em junho, que tem se mostrado um mês de franca recuperação do mercado de ações? Ibovespa e IBrX 100 subiram 8,3% enquanto nosso índice já acumula 11,0% de ganhos. Quer ir mais para trás? A tabela abaixo indica quanto um investidor teria hoje ao se investir R$ 10.000,00 em cada um dos índices e em nossa estratégia caso tivesse iniciado tal investimento no início de cada ano:
Note que você teria sempre mais dinheiro com a estratégia proposta, não importa o momento inicial de seu investimento. E poderíamos ter ido além para 2014, 2013, 2012 etc.: o resultado seria o mesmo. Para reforçar a análise, calculei os retornos mensais históricos da carteira 1/n mensal, comparando-os com os retornos mensais do Ibovespa: nossa estratégia bate o Ibovespa em 66,7% das vezes, ou seja, batemos o Ibovespa em 2 a cada 3 meses! E note que essa performance vem acompanhada de volatilidade apenas ligeiramente superior – Ibovespa: 25,3% ao ano; IBrX 100: 24,9%; e 1/n: 27,7%. Para analisar se esta maior volatilidade compensa, calculei os índices Campani1 dessas estratégias com a série desde 2016 – Ibovespa: 1,79; IBrX 100: 1,82; e 1/n: 2,48. Chega a impressionar como a performance da estratégia 1/n mensal superou as dos índices, mesmo após o ajuste a risco. Mas será que essa performance foi robusta? Parece que sim. pois a carteira 1/n mensal vem batendo o Ibovespa (e o IBrX100) ao longo dos anos:
Interessante, não? Mas como uma carteira tão ingênua consegue bater o mercado da forma apresentada acima? Explico: tanto o Ibovespa quanto o IBrX 100 são índices ponderados por valor, ou seja, os seus constituintes são comprados nas proporções de seus valores de mercado do “free float” (isto é, em circulação). Isso faz com que tais índices estejam deveras concentrados em algumas poucas ações que, para piorar a história, concentram riscos específicos (setor financeiro e commodities principalmente). Para ilustrar isso, lembro que apenas Itaú (SA:ITUB4), Bradesco (SA:BBDC4) e Banco do Brasil (SA:BBAS3) respondem atualmente por 20% do Ibovespa. Se somarmos apenas duas empresas (Vale (SA:VALE3) e Petrobras (SA:PETR4)) a essa conta, temos aí mais de 40% do Ibovespa (sim, esse número está correto). Ao simplesmente se ponderar igualmente cem papéis, esse efeito é completamente desfeito, aumentando a diversificação (assunto desta coluna semana passada). Além disso, a estratégia 1/n dá mais importância a empresas menores e tais empresas têm maior potencial de retorno no longo prazo (esse fenômeno é bem conhecido pela literatura acadêmica internacional). Entretanto, a boa performance da nossa carteira não pode ser apenas explicada por esse efeito, pois note abaixo que, nos últimos 5 anos, a carteira 1/n mensal venceu o índice de pequenas empresas (SMLL) da B3 em 4 oportunidades (e o índice SMLL perdeu para o Ibovespa em 3 dos 5 anos):
Na verdade, o que está por detrás da performance da carteira 1/n, além da melhor diversificação e da maior exposição a small caps, é a frieza da estratégia e o ditado popular mais conhecido para se fazer bons negócios: “compre na baixa e venda na alta”. A estratégia proposta compra, a cada mês, as ações que perderam valor (isto é, que estão na baixa) e vende as ações que mais aumentaram seus preços (ou seja, que estão em alta). Quanto mais um papel cair, mais a estratégia mandará você comprar deste papel. Ao comprar mais e mais ações perdedoras, tais preços médios diminuem e a chance de você retomar o que perdeu aumenta (estatisticamente). Por outro lado, quando um papel aumenta seu preço relativamente mais do que os demais, parte das ações desse papel é vendida no próximo rebalanceamento: garante-se realização de lucro, mas mantendo exposição ao papel (em proporção igual a todos os demais). O fato desta estratégia ser facilmente robotizável e não sujeita a emoções pessoais do investidor também é ponto benéfico, diga-se de passagem.
Qual a desvantagem desta estratégia? Para o pequeno investidor, ela pode se mostrar muito trabalhosa e (principalmente) cara, pois uma vez por mês ele terá que rever a posição de cem papéis, o que pode inviabilizar a estratégia por um alto custo transacional. Mas é nesse momento que o mercado precisa entrar em cena e oferecer tais produtos empacotados. Como alguns sabem, defendo e trabalho para que o mercado financeiro brasileiro se desenvolva e isso passa obrigatoriamente por produtos mais eficientes para o investidor. Por que os ETFs mais líquidos são todos ETFs de Ibovespa? O fato de o Ibovespa ser o índice mais conhecido não o torna, por consequência, um bom veículo de investimento (e, de fato, não é). Por que não há ETFs de ações baseados em estratégias igualmente ponderadas? Se a estratégia for implementada por um gestor profissional em um ETF (por exemplo), os custos transacionais se diluem e seriam perfeitamente admissíveis (e ainda lembro que o gestor precisaria, grosso modo, trabalhar apenas um dia por mês: no rebalanceamento).
Ressalto que nos EUA já existe o índice S&P 500 EWI, que trata da estratégia 1/n para os 500 papéis constituintes do famoso índice S&P 500. E diversos ETFs igualmente ponderados são disponibilizados aos investidores. Há espaço para tais produtos aqui no Brasil? Definitivamente, sim.
1 O índice Campani é uma métrica de performance conceitualmente correta e sem as deficiências que os índices Sharpe e Sortino apresentam. Ele mantém a ideia por detrás desses índices, nos quais busca-se o benefício do maior retorno com o menor risco possível, mas com métricas melhoradas. Sua definição conceitual pode ser encontrada na sequência de textos abaixo:
- Arcabouço Teórico: Uma Discussão sobre Risco e Performance
- Downside Risk e Upside Risk: o Risco Ruim Mal Calculado e o Risco Bom Ignorado
- O Índice Campani e o Sobe-e-Desce da Bolsa em 2020
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, professor do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência privada e pública e finanças pessoais e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais @carlosheitorcampani