O Dr. Michael Burry ganhou destaque por sua previsão correta da crise imobiliária de 2008, retratada no filme "A Grande Aposta" (The Big Short). Como gestor de fundos de hedge, ele identificou a bolha imobiliária e lucrou com o colapso do mercado. Burry é conhecido por sua abordagem única e análise aprofundada e meticulosa antes de abrir posições no mercado.
De acordo com o arquivamento mais recente do Formulário 13F da Scion Asset Management (de propriedade de Michael Burry), datado de 14 de agosto, o Dr. Burry investiu pesadamente em opções de venda contra o mercado de ações dos EUA. Até o final do segundo trimestre de 2023, Burry possuía opções de venda em 2.000.000 de ações do SPDR S&P 500 ETF Trust (SPY), que acompanha o desempenho do S&P 500, bem como opções de venda em 2.000.000 de ações do Invesco QQQ ETF (QQQ), que espelha o desempenho do índice Nasdaq 100 focado em tecnologia. Vale ressaltar que o valor nominal dessas opções era de U$ 886,6 milhões para o SPY e U$ 738,8 milhões para o QQQ, somando um total de cerca de U$ 1,6 bilhão.
O Formulário 13F é um relatório arquivado trimestralmente por gestores de investimento com mais de U$ 100 milhões em ativos sob gestão nos EUA. Esse formulário oferece transparência sobre as posições de investimento, revelando as posições de long e short durante o trimestre. O formulário inclui informações sobre ações, opções e títulos conversíveis. Investidores e analistas usam os dados do Formulário 13F para acompanhar as atividades de investimento de gestores influentes, ganhar insights sobre tendências do mercado de ações e tomar decisões informadas.
Enquanto Burry aumentou consideravelmente sua aposta pessimista no cenário macroeconômico americano, realizando vendas a descoberto nos mercados de ações dos EUA, ele reduziu agressivamente a maior parte de sua exposição a bancos regionais.
No primeiro trimestre de 2023, Burry supostamente comprou mais de U$ 23 milhões em ações de bancos, incluindo Wells Fargo (NYSE:WFC), Capital One Financial Corporation (NYSE:COF), Huntington Bank (HBAN), Western Alliance Bancorporation (NYSE:WAL), Republic First Bancorp Inc (NASDAQ:FRBK), New York Community Bancorp Inc (NYSE:NYCB) ePacWest Bancorp (NASDAQ:PACW) Agora, no segundo trimestre, Burry zerou sua exposição em todos os bancos listados, exceto o New York Community Bancorp, que ele reduziu em 76%, para apenas U$ 2,2 milhões.
Não está claro se Burry obteve lucro com sua aposta em bancos regionais. Pois, embora as ações do New York Community Bancorp e do Western Alliance Bank tenham se recuperado bem ao longo do trimestre de junho, as ações do First Republic despencaram para zero e foram subsequentemente adquiridas pelo JPMorgan Chase (NYSE:JPM); enquanto o PacWest anunciou recentemente sua fusão com o Bank of California.
Cerca de 94% da exposição da carteira de Burry é classificada como "short" (ou bearish, investimentos que ganham com a queda do ativo subjacente) nos principais índices de ações, SPY e QQQ. No entanto, embora a posição macro geral de Burry seja indiscutivelmente pessimista, ele ainda vê valor em alguns nomes selecionados: no segundo trimestre, Burry adicionou alguma exposição à indústria de viagens, comprando ações da Expedia (EXPE) e da MGM Resorts (MGM), elevando suas participações para U$ 10,9 e U$ 6,6 milhões, respectivamente. Burry também aumentou a exposição a empresas de saúde, como a Cigna (CI, U$ 7,7 milhões) e a CVS Health (CVS, agora U$ 6,9 milhões). Em relação a posições relevantes, Burry comprou ações no valor de U$ 4,7 milhões na Warner Bros. Discovery (NASDAQ:WBD), e também abriu uma posição de U$ 5,7 milhões na Stellantis (NYSE:STLA).
O que isso significa para os investidores brasileiros? Burry é um investidor “contrarianista”, ou seja, que normalmente aposta contra o mercado e opera vendido a maior parte do tempo. Assim, não é incomum entrar em posições short e isso deve ser encarado com algum nível de ceticismo. Porém, tendo em vista que o IBOV teve uma queda de 4,7% entre os dias 26 de julho e 14 de agosto, não é difícil imaginar que Burry está certo em uma visão de queda de crescimento global, especialmente tendo em vista que os EUA devem continuar com juros altos nos curto e médio prazos. Assim, essa queda pode se espalhar para o mercado brasileiro e uma visão mais bearish do mercado local e global parece ser a mais firme, baseado em evidências empíricas e fundamentalistas.
Este artigo possui informações publicadas primeiramente pela Cavenagh Research.
* Professor Adjunto de Finanças e Controle Gerencial do COPPEAD/UFRJ, Doutor e Mestre em Administração pela EBAPE/FGV e Contador pela FAF/UERJ.