Duas visões diferentes!
Essa semana vamos fazer diferente! William recebeu um descanso para aproveitar o dia dos pais nos EUA e deixou para mim (Breno Bonani) e para o Eliseu Mânica tocarmos a tônica da semana. Eliseu vai comentar uma visão mais voltada para o macro e algumas distorções que está vendo nos mercados globais, assim como o valuation do S&P500. Eu vou comentar mais sobre o cenário interno e o que eu estou vendo da nossa bolsa neste atual patamar, bem como algumas “trade ideas” que ainda vejo como atraentes.
Então bora lá!
Eliseu Mânica Junior:
No último artigo comentei sobre a grande quantidade de investidores pessoa física surgindo e sobre o atual momento em que muitos estão com ganhos altíssimos de curto prazo, acima até de muitos gestores, e que isso pode ser uma armadilha, pois pode trazer a sensação de que estão investindo de maneira correta e que, continuando dessa maneira, lograrão êxito no mercado de ações. Outro fato que cabe salientar é que o número de investidores vem crescendo tanto no Brasil quanto nos EUA, com o surgimento inclusive de “gurus” que entraram recentemente nesse mercado de recuperação e que vêm, cada vez mais, “apostando” em ações.
Tais retornos para quem ingressou agora no mercado podem ser ilusórios e levar o investidor para o caminho incorreto ao investir pois, no mercado de ações, nem tudo o que sobe é bom e nem tudo o que cai momentaneamente na cotação é ruim.
Um estudo realizado nos EUA mostrou que, se um investidor tivesse criado um portfólio com ações apenas com empresas de varejo de prejuízos gigantescos, empresas de aluguel de carros em recuperação, empresas de aviação com recorde de prejuízo e empresas em recuperação judicial, assim como empresas com um CDS (Credit Default Swap – um seguro para empresas, em que quanto maior for o basis point, maior a probabilidade de default ou não pagamento), essas empresas teriam possuído um retorno maior que o investimento em empresas com um débito menor e com melhor qualidade, como podemos ver abaixo:
Algo similar poderia ter sido feito no Brasil. Se pegássemos ações de Gol Linhas Aéreas (SA:GOLL4), Azul (SA:AZUL4), Instituto Ressegurador (SA:IRBR3) e CVC (SA:CVCB3), teríamos retornos de 52,78%, 52,66%, 37,77% e 25,18%, o que nos daria um retorno médio com todos os ativos com mesmo peso dentro de uma carteira, de 42,09% apenas nas três semanas de junho. Para os amantes de IRBR, lembro que a empresa teve prejuízo em janeiro e fevereiro, que pode ser acompanhado mensalmente no Site da Susepe, e, por isso, ela também foi colocada aqui no exemplo.
Movimentos especulativos como esses nos mostram sinais de picos na recuperação de ativos. São sinais que, somados, nos ajudam a tomar decisão do caminho que deve seguir o investidor. Existem certos movimentos nos preços que são totalmente desconexos dos fundamentos e cabe ao investidor que preza pelo seu capital principal ter a ciência e diferenciar esses tipos de movimentos do mercado: o especulativo e o de investimento!
Já dizia um grande amigo meu, professor de tênis e ex-campeão brasileiro, treinador da Seleção Gaúcha de Tênis: “Eliseu, a primeira coisa que pergunto para um futuro aluno meu é se ele já jogou tênis antes e qual o tempo que ele vem jogando sozinho, sem professor. Quanto maior o período sozinho, sem as técnicas adequadas, maior o trabalho sei que terei para tirar os “vícios” dos movimentos errados que ele incorporou ao seu comportamento!” Assim também é no investimento em ações, quando um investidor confunde especular e investir e acredita que está fazendo o correto apenas porque as ações que comprou subiram.
Copo vazio ou copo cheio?
Começando pelo copo vazio…
Nos últimos dias, Warren Buffett e outros grandes investidores vêm comentando sobre o quão alto estão os indicadores dos mercados mundiais, principalmente dos EUA. Um dos indicadores comuns no mercado é Preço-Lucro, e há um indicador criado por Robert Shiller, que coloca a inflação nesse indicador. Se olharmos por essa ótica, o mercado de ações americano estaria negociando a 29,05x lucros, contra uma média histórica de 16,72x, como podemos ver abaixo, levando em conta o S&P500:
Um outro indicador, preferido pelos profissionais do mercado financeiro e considerado por alguns como a maneira mais simples para verificar a geração de caixa de uma empresa (não sou dessa opinião, acho que a geração de caixa envolve estudos mais profundos) e o valor geral das empresas do S&P500, mostra o patamar de 14x Ebitda, um dos mais altos da história e comparável apenas com o momento da “Bolha.com”, dos anos 2000:
Muitos justificam a elevação nos múltiplos pela questão dos baixos juros mundiais que estamos vivendo, a de juros baixos mundiais e grande quantidade de capital disponível de graça, gerando o TINA (There Is No Alternative – Não há outra alternativa), gerando uma alta no preço das ações e o FOMO (Fear Of Missing Out – Medo de Ficar de Fora). O fato é que há no mundo um cenário de cortes de juros pelos bancos centrais, diminuindo o retorno de investimentos em renda fixa, bonds, debêntures etc.
Outro ponto de vista levando em conta o “copo menos cheio” é a desconexão entre a atividade econômica e a impressão de dinheiro. Venho comentando que isso favorece ativos reais, como imóveis, ouro e áreas de terra.
Já a curva de títulos públicos americanos de 10 anos e 2 anos que é usada como um indicador para recessões cruzou a média móvel de 200 dias, sendo que isso aconteceu em 20 anos, apenas quatro vezes anteriormente, sendo que apenas em 2013 ocorreu um alarme falso. Obviamente, a crise atual é sem precedentes, mesmo tendo uma recuperação no curto prazo, mas esse é outro sinal importante que problemas a frente podem acontecer.
Olhando o copo cheio…
É notório o movimento que vem acontecendo de desconexão entre fundamentos da economia e a recuperação no mercado de ações. O fato é que o mercado financeiro tenta antecipar com o uso de certos indicadores o que pode acontecer daqui 6-8 meses na “economia real”. Outro fator importante é sobre o fluxo e escrevi na semana passada sobre e que pode conferir aqui.
Sobre a economia notamos nos EUA uma quantidade de grana absurda, uma dose de remédio talvez acima do que a doença exigia, com o Governo Americano distribuindo uma quantidade grande para empresas e cidadãos (um residente nos EUA ganhou US$ 1.200 de graça para gastar e há empresas de amigos que receberam US$ 30 mil apenas para não demitir nenhum empregado), porém, tais pessoas ficaram em casa, tiveram facilidade para prorrogar despesas como eletricidade, água e dívidas como as de cartão de crédito, tendo o seguinte efeito, em que a transferência de dinheiro do Governo aumentou e os gastos foram menores que essa transferência de recursos:
Esse efeito trouxe um aumento de renda para o cidadão americano e parte desses valores foram para o mercado de ações, já que o mercado americano é mais maduro que o brasileiro, em que cerca de 50% da população investe:
Na parte da economia real, alguns indicadores mostrando que a velocidade de recuperação da economia pode ser em V, como o Índice de Atividade Industrial do FED da Filadélfia, de junho, apenas como um exemplo:
Já na China, algo similar vem acontecendo, como podemos ver na correlação que há entre a Produção Industrial Chinesa (que já mostrou sinais de recuperação em abril) e que pode trazer melhorias para o PIB Chinês:
Já o Purchasing Manager Index (PMI), que é um dos indicadores de grande relevância e que mostra a força da economia Chinesa, está acima de 50, o que mostra uma elevação da economia Chinesa:
E, no Brasil…
Na China, o coronavírus iniciou em janeiro e terminou no final de abril-maio, aparentemente. Dados de melhoria econômica começaram a surgir em maio-junho. O PMI Chinês já está acima de 50, o que indica recuperação e, como vimos, há sinais iniciais de recuperação na economia americana, como no caso do Fed da Filadélfia dessa semana. Por analogia, se o Brasil seguir caminho similar ao Chinês e americano, começaremos a ver dados em breve dessa melhoria. Um dos fatos que ajudou recentemente foi a disparada do dólar e a desvalorização da moeda brasileira, o que acho exagerado pela força do movimento. Tivemos a maior desvalorização mundial. Essa desvalorização fez com que o Banco Central Brasileiro vendesse o dólar gerando lucro, algo positivo e que melhora a situação fiscal brasileira.
Atualmente as reservas atuais brasileiras líquidas estão em US$ 291 bilhões e é importante para defesa do real contra especuladores.
Era isso!!
Um grande abraço,
Eliseu Manica Júnior
Breno Bonani:
Gostaria de chamar a atenção para alguns dados que saíram no Brasil, além do recente corte na taxa de juros e o que eu estou vendo em relação à bolsa.
Not so bad at all?
Na semana passada teve-se queda de 30% nas vendas do varejo segundo a Cielo (SA:CIEL3) e os dados de serviços continuaram com queda de 11% em comparação ao ano anterior. Tanto em confiança da indústria quanto em comércio e serviços houve melhora em relação à queda que começou ali no final de março para abril.
Até o IBC-br, que serve como uma “proxy” para o PIB, veio ruim, mas não “tão ruim”. As projeções apontavam para uma queda de 11%.
Não estou dizendo que está tudo bem, não me entendam mal! Porém, eu achei que fosse ser pior. Acabou que no primeiro trimestre muitas companhias conseguiram se virar, adaptar-se e até entregar um resultado decente.
Agora no segundo trimestre teremos uma sensibilidade melhor sobre quais setores foram mais impactados. Mas mesmo os setores de construção, varejo e shoppings não chegaram a ser um completo desastre no primeiro trimestre. Entretanto, eu continuo acreditando que varejo, construção e aéreas irão sofrer mais do que a média no próximo trimestre.
Mas pensem bem (e agora entrando na queda da Selic): agora estamos com um juro a 2,25% ao ano. Dito isso, alguns benefícios começam a acontecer para empresas e pessoas. Empresas que possuem dívidas atreladas ao CDI são beneficiadas, bancos (com suas ressalvas) se sentem mais propícios a emprestar e é de se esperar um aumento de liquidez nos ativos, o mercado de renda variável começa a ficar mais atraente (uma vez que o juro já não é tão atraente para ficar somente no CDI).
Só na poupança temos cerca de R$ 800 bilhões rendendo juros negativos a taxas reais. A esperança é que com o aumento de atuação de alguns agentes como agentes autônomos, gestores de fundo e a própria mídia, chame cada vez mais a atenção para falta de atratividade que é deixar o seu dinheiro exclusivamente no CDI. Inclusive, a XP divulgou um gráfico interessante, no qual o Dividend Yield (rendimento dos dividendos) da bolsa já é maior que a própria Selic.
Outro gráfico que eu gosto de olhar nessas horas, é a relação entre a Selic e o Ibovespa:
Notem que o gráfico tem um certo comportamento. Quando as taxas estão altas, o Ibovespa fica na baixa. Quando as taxas caem, isso impulsiona o Ibovespa para cima. Lógico que isso acontece por vários motivos, como alguns citados anteriormente. Todavia, esse gráfico nos mostra que o Ibovespa ainda tem potencial para subir mais, uma vez que os juros estão alcançando mínimas históricas.
Mas agora, nos 96 mil pontos, é uma boa hora para comprar?
Algumas coisas sim e outras coisas não. Tendo em vista que o cenário ainda é muito complexo e incerto, estamos ainda na primeira onda e se discute possível segunda onda, dados da economia real começam a ficar mais claros só no segundo trimestre.
É prudente partir mais para seletividade nessas horas. A bolsa já andou bem desde o “fundo” nos 61.690 pontos até o fechamento dessa última sexta (19/06), alta de quase 57%. Nem tudo está mais uma pechincha como antes. Olhando para esse gráfico disponibilizado pela Eleven Financial, no dia 5 de junho (bolsa estava nos 94mil pontos) o P/L do Ibovespa Forward estava em 12,8x. Acima da média histórica e 1 desvio-padrão acima da média.
Lembrando que este gráfico já leva em conta uma queda de 20% dos “earnings” das companhias. Eu concordo que é um gráfico um tanto quanto difícil de ser usar em momentos como este, uma vez que ele não leva em consideração a possível recuperação em 2021 dessas mesmas empresas, o que jogaria o múltiplo um para baixo.
Diferentemente de outros eventos do passado, como política e problemas estruturais do país. Não vamos ficar nessa para sempre pessoal, uma hora isso passa e a vida segue, 2020 está sendo um ano atípico para se analisar várias empresas.
Sendo assim, eu ainda vejo algumas companhias negociando a um valuation atraente. Vou deixar algumas delas abaixo:
Resultado BR Properties (SA:BRPR3) 1T20 – O Fim dos Escritórios ou Oportunidade?
Resultado JBS (JBSS3 (SA:JBSS3)) 1T20 – Continua Melhorando
Resultado Cogna (COGN3) 1T20 – Um Teste de Paciência
Resultado Banco do Brasil (SA:BBAS3) 1T20 – Ainda Vejo Oportunidades!
Por fim, gostaria de frisar que eu ainda estou comprado e com 30% de caixa. Vale a pena ficar de olho nos próximos meses antes de mergulhar de cabeça na bolsa de valores, preze pela seletividade dos ativos que entraram na sua carteira e escolha boas companhias com bons fundamentos.
Visão de longo prazo e paciência não fazem mal a ninguém!
Era isso, valeu!
Breno Bonani