Tônica da Semana: As Sardinhas, os Tubarões, a Baleia e o Canarinho no Mercado

Publicado 08.09.2020, 08:49
Atualizado 09.07.2023, 07:32
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Bora lá: o assunto do momento é o tal Short Gamma, que chacoalhou as estruturas do mercado norte-americano e colocou em cheque a recente valorização das empresas tech… não tá ligado? Deixe-me tentar explicar.

DO QUE ESTOU FALANDO?

Pra situa o leitor, falo da queda do Nasdaq essa semana e, em especial, de grandes empresas de tecnologia. Muitos no mercado esquecem que a renda variável varia! Para cima… mas também para baixo. Basicamente, em dois dias o Nasdaq caiu o que havia subido em um mês inteiro, com quedas que fogem daquilo que conhecemos como normal.

Nasdaq

Fora isso, a volatilidade do índice Nasdaq Composite disparou de uma hora para outra.

Volatilidade Nasdaq 100

O QUE HOUVE?

Perguntas normais:

  • Trump tuitou algo?
  • China anunciou algum embargo?
  • Algum dado macro que justifique?
  • Algum resultado ruim?

NADA! Simplesmente, o clima azedou de uma hora para outra! Welcome! This is the market! A razão para queda é simples: mais vendedores do que compradores. Ok, mas porque há mais vendedores do que compradores? Bom, aí chegamos ao cerne da questão. Antes de entrar na ”parada dos derivativos” vale a ressalva que esses movimentos derivam não apenas de uma condicionante, mas de algumas somadas. Então, além da “parada dos derivativos”, somam-se os demais fatores:

  • PF vendendo, seja para embolsar os lucros, seja pelo desespero.
  • Institucional vendendo para botar no bolso lucro ou para apostar short contra as techs.
  • Rotação de setores com investidores saindo de techs e indo para outros setores.
  • Zeragem de quem está alavancado.

MAS E A “PARADA DOS DERIVATIVOS”

Chegamos ao cerne da tônica…deixe-me tentar explicar.

Vimos de julho para cá um aumento muito grande no volume de opções negociadas no mercado americano, em especial as call options (opções de compras de ações). O gráfico abaixo, do Goldman, chamando atenção para esse movimento. Já em julho as opções tiveram um volume financeiro de negociação maior do que o de ações (fonte)!

Fonte: Goldman Sachs Global Investment Research, OptionMetrics

Uma das explicações é que, além da massiva busca por retornos da PF e dos “tubarões” de mercado, tivemos um outro agente gigante operando: a chamada Baleia da Nasdaq. Segundo algumas estimativas e reportagens, o Softbak teria assumido posições de cerca de US$ 30 bi em opções de compra e teria lucrado US$ 4 bi nessa brincadeira! #Notbad!

Business Insider

Portanto, sardinhas unidas + a baleia Softbak levaram os volumes de negociações e de opções lançadas no mercado a um nível beeeeem elevado.... em especial em nomes bem conhecidos de todos – vide a tabela abaixo:

Fonte: Goldman Sachs Global Investment Research, OptionMetrics

Ou no gráfico abaixo que mostra como cresceu o volume de opções no mercado, em especial de algumas empresas tech (fonte).

Volumes de Opções

Estamos falando um mar de sardinhas (investidores de varejo tipo eu e você) e mais uma baleia insaciável comprando um caminhão opções de compra de vencimento de curto prazo em ações de algumas big techs, buscando lucrar com o momentum favorável dessas. Isso acaba por influenciar o desempenho dos grandes índices e da volatilidade agregada do mercado.

E O TAL DO “SHORT EM GAMMA”

Bom, a questão é que o vendedor de calls tem a obrigação de entregar as ações caso essas estejam dentro do dinheiro ou no dinheiro no vencimento. Ou seja, caso os compradores do direito os exerçam, os vendedores do direito têm que entregar ações.

Para se proteger desse risco, os dealers compram ações no mercado.

A quantidade de ações que eles tem que comprar é determinada pelo delta da opção – a velocidade de mudança do preço da opção devido à variação no preço da ação. A cada US$ 1 de movimento no preço da ação as opções se movem numa determinada velocidade. Dado que as opções têm vencimento, quanto mais curtas elas são maior é o risco delas estarem ou não dentro do dinheiro, serem ou não exercidas. Ou seja, o “tudo ou nada” - esse tudo ou nada se relaciona com a aceleração desse movimento, que nada mais é do que o gamma! O Gamma é a segunda derivada da opção e mede a aceleração dessa para um determinado lado… o quão rápido o preço da opção muda para cada alteração no preço do ativo base. Sei que esse lance está meio complexo, mas é assim mesmo…sorry! Explicação maior sobre as gregas aqui.

O gráfico abaixo ajuda a entender... assim espero eu (rs). As curvas em forma de sino mostram o tamanho do gama de opções mais curtas. A grosso modo elas são muito mais “tudo ou nada” (fonte).

Gamma x Strike price

Quando a ação sobe, a opção tende a responder fortemente a isso, ou seja, subindo bastante… muito bom para quem está comprado. A questão é que o lançador da opção precisa “se cobrir”, ou seja, correr ao mercado e comprar mais ações para se proteger de ser exercido.

A questão é que, com muitas calls vendidas no mercado, aumenta-se a probabilidade desse cenário de “tudo ou nada”. Em outras palavras, aumenta a volatilidade do sistema como um todo. O vendido na call de certa forma está vendido nessa volatilidade (short em gamma). Se ela recua e o cenário de “tudo ou nada” se desfaz, ok. Mas se não se desfaz, os movimentos para zerar ou se cobrir se elevam sobremaneira e tem-se um aumento da volatilidade do sistema. Não por acaso, outra bizarrice que presenciamos foi o aumento da volatilidade com mercado em alta (vide gráfico abaixo), algo que não faz sentido, dado que historicamente eles são contrários.

Correlação S&P-VIX

Isso tudo é normal e faz parte do jogo. A questão é que, quando isso é feito com um caminhão de opções, o movimento de alta nos papéis se torna exacerbado. E foi exatamente isso que aconteceu!

VIRA, VIRA, VIROU?

E, para acabar, além da guerra típica de mercado, quando por acaso o mercado passa por uma realização normal de 1%, por exemplo, esses traders/agentes correm para o mercado para zerar posições, pois da mesma forma que quando o papel varia para cima as opções “entram mais no dinheiro” e os dealers têm que “se cobrir”, o contrário também é verdadeiro quando o mercado cai.

E qual o resultado prático de tudo isso?

Que no curto prazo o mercado é insano e que você vai,no mínimo, ganhar alguns cabelos brancos se tentar achar razão em tudo, ou entender tudo que se passa no mercado!

No frigir dos ovos, o Nasdaq teve queda de 3% na semana! Se isso é o fim do mundo para você, melhor sacar sua grana e deixar na poupança!

Mas é óbvio que eventos como esse mostram que a injeção massiva de liquidez e a presença cada vez maior da PF no mercado nos leva a uma realidade um pouco diferente e mais “arisca”, digamos assim.

E O CANARINHO PISTOLA?

INDEPENDÊNCIA BRASILEIRA…

Enquanto isso no Brasil seguimos vivendo nosso mundo a parte. Em 2014 visitei a Ucrânia. É interessante como o Brasil e Ucrânia muitas vezes se assemelham. Vivemos um mundo a parte, por vezes desconexo do resto que acontece no mundo … uma espécie de independência, mas, infelizmente, nem sempre no bom sentido! Seguimos desconectados e bem atrasados em termos de performance em relação aos demais mercados (S&P500 linha preta, EEM (NYSE:EEM) linha vermelha).

ETF iShares MSCI Emerging Markets

Enfim, devaneios a parte, a recente “realização do mercado” com a bolsa de lado serviu pra ajustar algumas coisas. A relação P/L já não está esticada como até pouco tempo atrás.

P/L Ibovespa em 12 meses

E, em termos de bolsa, seguimos vendo o investidor estrangeiro de fora, o institucional reticente e o varejo praticamente sustentando o mercado.

Fonte: Itaú BBA, Bloomberg, B3

Olhando para economia, os últimos dados têm surpreendido pela ponta positiva!

Essa semana tivemos o dado de Produção Industrial que mostrou uma contração de 3% enquanto o mercado esperava -6%, número que corroborou com aquilo que o PMI já tinha sinalizado – vide figura abaixo.

Fonte: IHS Markit

E as vendas de veículos mostrando recuperação:

Fonte: The Daily Shot

O setor de serviços ainda mostra contração, mas significativamente mais modesta que nos últimos meses, mostrando que há alguma recuperação na atividade do setor – fonte.

Fonte: IHS Markit

Em suma, essa letargia da bolsa contrasta com dados econômicos que têm mostrado que a economia brasileira segue reagindo melhor do que muitos esperavam. Não vou colocar aqui diversos gráficos…um só já mostra bem

PMI Industrial

Se você for na Markit “ler” o desempeho de México, Chile e outros Latinos (link), vai ver que o Brasil é o de melhor desempenho em termos de economia. Sinceramente, isso tudo me parece muito bom, porque está criando uma assimetria interessante. E acredito que cedo ou tarde as assimetrias do mercado são corrigidas. Interessante!

Era isso.
Aquele Abs

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