Na semana passada, fizemos a seguinte indagação: será tudo já está precificado?
Na segunda-feira, o mercado percebeu que não terá mais ajuda diante da clara piora no cenário político.
Entretanto, precisamos voltar um pouco para discutir como chegamos até aqui. Em meados de agosto, escrevemos “Quase, mas quase não vale”, que falou sobre a possibilidade de uma correção do mercado em razão dos posicionamentos extremos nos mercados. Dissemos o seguinte:
“Com os mercados sobrecomprados em diversos indicadores, existe o risco de queda até o fim do mês. Esses riscos vêm de diversas frentes que discutiremos oportunamente. Entretanto, do ponto de vista técnico, o risco de queda é de cerca de 5,6% para a MMD 50 e de 9,4% para a MMD 200. (Exibido acima)
Um declínio de 5-10% em qualquer ano não está fora do padrão. Mas, como os investidores praticamente se esqueceram do que significa uma queda, uma derrapada de 5-10% parecerá pior do que realmente é”.
Naquele momento, parecia haver poucas coisas com que se preocupar. O Federal Reserve prosseguia com sua política acomodatícia nos mercados, e as expectativas de um suporte monetário adicional eram altas, assim como as expectativas de que o congresso americano não tardaria em aprovar mais medidas fiscais para apoiar a economia em recessão.
Mais dinheiro significava mercados em alta, daí o viés especulativo.
Como declarei naquela oportunidade, o mercado estava sobrecomprado em diversos indicadores, o que geralmente coincide com correções e picos de mercado. Essa condição sobrecomprada, combinada com o intenso posicionamento especulativo dos investidores, era o combustível necessário para uma correção.
Só era necessário um catalisador para desencadear a venda.
Relembrando 2016
Gostei da nota escrita por David Rosenberg ontem sobre a atual correção: XLB
“O mercado acionário passou por uma mudança de caráter, entrando em uma fase corretiva muito maior do que a ocorrida em junho, quando os valuations, momentum, alavancagem e sentimento eram menos extremados do que no período atual.”
Na semana passada, fiz uma lista de preocupações relativas ao mercado, com claro potencial de pressionar a queda. Uma delas, em particular, foi a falta de um estímulo fiscal maior por parte do congresso.
No fim de semana, conforme o vídeo abaixo, um conjunto de eventos revigorou essas preocupações.
A morte da juíza Ruth Bader Ginsberg, da Suprema Corte, ensejou um replay do falecimento da juíza Scalia, em 2016. Naquela oportunidade, o presidente Obama queria indicar uma substituta para Scalia, mesmo faltando apenas alguns meses para as eleições presidenciais. O congresso iniciou um debate acalorado sobre se um juiz deveria ser selecionado tão perto de uma eleição. Esse debate voltou à balia, agora com o presidente Trump querendo indicar um substituto para Ginsberg o mais rápido possível. Mas o congresso controlado pelos democratas está resistindo e tentando adiar a indicação até o fim da eleição.
Politicamente, trata-se de uma indicação extremamente relevante. Como o cargo de juiz da Suprema Corte é vitalício, se o presidente Trump colocar mais um ministro “conservador” no tribunal mais importante do país, as decisões referentes a causas mais liberais poderiam sofrer obstáculos por uma ou várias décadas.
Colisão de eventos
Por que isso é importante para o mercado? Porque o congresso está enfrentando três diferentes eventos que lhe tiraram o foco do apoio financeiro adicional à economia.
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Com a rápida aproximação da eleição, o congresso não quer aprovar um apoio fiscal para ajudar outro candidato presidencial. É por isso a Câmara e o Senado estão travando um duelo legislativo.
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O mês de setembro encerra o ano fiscal de 2020 do congresso. Esse auxílio dependeria de orçamento ou outra resolução de continuidade para financiar o governo e evitar outro “shutdown”.
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Por fim, a morte da juíza RBG fará com que todo o Partido Democrata, que controla a Câmara, se concentre em impedir que o presidente Trump indique um substituto antes da eleição. Tudo o que Trump precisa é de uma maioria simples no Senado para confirmar um juiz de sua preferência.
A percepção de que não haveria mais um suporte financeiro afetou as operações que apostavam na reflação econômica ontem.
“Um tema comum hoje foi a saída das operações de reflação. Os mercados esperavam um suporte fiscal adicional do congresso. Mas, com a eleição se aproximando, a necessidade de negociar um orçamento para evitar um ‘shutdown’ e agora a batalha em torno de uma juíza da Suprema Corte, as chances de haver um acordo fiscal são minúsculas.
Observando o XLB, a liquidação de ontem reflete a saída das operações que apostavam na reflação. Veremos o mesmo nos setores Industrial e de Transporte, que devem cair mais de 3%.”
Em suma, tudo isso representa um problema que os mercados descobriram na segunda-feira pela manhã: o suporte fiscal já era.
Ação do Fed é limitada
Na reunião do Fomc de setembro, Jerome Powell fez uma declaração crítica que passou por alto pela maior parte da mídia mainstream.
O presidente do conselho do Federal Reserve, Jerome Powell, alertou na quarta-feira que a falta de suporte fiscal do congresso e do presidente Trump poderia prejudicar a economia norte-americana, abalada pela pandemia de coronavírus.
Se não houver um avanço no assunto, se não houver um suporte adicional e se não houver emprego para as pessoas de setores profundamente afetados pela crise sanitária, os danos começarão a aparecer na atividade econômica. Inclusive em ações de desapropriação e execução judicial de hipotecas, além de outros fatores que devem deixar sequelas na economia.” – The Hill
O Federal Reserve está tentando fechar o buraco que caberia à política fiscal preencher. Mas a capacidade do Fed de expandir os programas atuais é limitada à emissão adicional de dívida pelo departamento de tesouro americano. Sem outra medida de “alívio fiscal”, nenhuma emissão de dívida será suficiente para dar suporte a outra rodada de intervenções do Fed.
Atualmente, o Federal Reserve está dando continuidade à flexibilização quantitativa ao ritmo de US$ 120 bilhões ao mês, mas grande parte desse montante se refere apenas à substituição de títulos que estão vencendo. Como mostramos abaixo, o balanço do Fed está estagnado desde junho, assim como os diversos programas de estímulo.
Tendência de baixa no curto prazo
A percepção de que o Federal Reserve não contará com qualquer suporte fiscal de Washington no curto prazo é problemática para os mercados. Sem esse suporte fiscal, o banco central americano fica de mãos atadas em sua resposta monetária. Os juros já estão em zero e os dados econômicos estão começando a mostrar sinais de fraqueza diante do fim dos cheques diretos e da extensão dos benefícios de seguro-desemprego.
A subsequente venda no mercado deu início a uma tendência de baixa de curto prazo. Como mostramos abaixo, os mercados estão extremamente sobrevendidos segundo diversos indicadores imediatos. Além disso, o repique no suporte ontem sugere que podemos ver um rali de correção até a MMD 50, que atuará como resistência superior crucial no curto prazo.
Vale lembrar ainda que, além da condição sobrevendida, há uma enorme quantidade líquida de posições de venda a descoberto na Nasdaq, como vimos em 2008.
Essa tendência de baixa de curto prazo é um bom pano de fundo para um rápido rali nos próximos dias. Tenha cuidado para não “vender em pânico” no mercado. Use os repiques contra a tendência para reduzir o risco, evidentemente.
Risco de queda
Como salientamos anteriormente:
“A razão para sugerirmos venda após qualquer alta é porque, até que o padrão mude, o mercado está apresentando todos os traços de formação de topo.
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Fraca participação
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Falha na resistência de longo prazo
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Extrema especulação altista
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Divergências negativas na força relativa
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Podemos mostrar isso em um gráfico mensal de longo prazo.”
Observe que, desde 2009, sempre que o “sinal de compra” no MACD era tão elevado, geralmente se formava um pico de mercado de curto ou médio prazo.
Isso também tem a ver com a divulgação de dados econômicos mais fracos. Essa fraqueza se traduz em menores perspectivas de resultados corporativos.Nos últimos 30 dias, as estimativas de 2021 para o S&P 500 vêm caindo mais US$ 5/ação. Além disso, houve uma revisão de quase US$ 30 para baixo nessas estimativas, em comparação com a previsão feita em janeiro de 2020. Mesmo assim, os mercados continuam perto das máximas históricas.
Subiu, vendeu
Como observei no artigo do último fim de semana, ainda esperamos um “rali reflexivo” em razão da condição sobrevendida do mercado no curto prazo. Mas nossa expectativa ainda é de uma queda maior no médio prazo.
A atual correção é a quarta de 10% ou mais nos últimos 3 anos. Não ignore esse fato como o Sentiment Trader observou na segunda-feira.
Discutimos anteriormente que o aumento da volatilidade nos últimos anos está mais ligado ao processo de formação de topo nos mercados. Os resultados disso não foram nada excepcionais.
Mas, em vista do tom mais baixista do mercado e da enorme posição de vendas líquidas a descoberto na Nasdaq, não é preciso muito para perceber que veremos uma rali de realização. Para que isso aconteça, bastam algumas palavras de incentivo da Casa Branca prometendo suporte fiscal ou um pronunciamento do Fed sugerindo atuação monetária.
Embora ambos os cenários possam provocar uma alta de curto prazo, sugerimos usar os ralis para reduzir o risco por enquanto.
Suspeitamos que, em vista das numerosas adversidades que os mercados estão enfrentando, desde o Fed até a eleição, uma falha no rompimento de máximas inferiores não seria uma surpresa.