Este é o sexto e último texto da Série Especial "Inflação nos EUA: a Batalha entre Fed e Mercado"
A recente alta da inflação americana traz de volta ao debate o risco de um cenário de inflação acelerando nos próximos meses nos EUA. E esse risco vem levantando questionamentos sobre a atual política monetária do Federal Reserve de manutenção da expansão monetária via compra de títulos e juros nominais próximos 0% por um longo prazo.
A inflação nos mercados desenvolvidos, incluindo nos EUA, experimentou um longo período de queda desde os anos 90. Entre 2008-2019, a inflação americana, medida pelo IPC, ficou em 1,6% ao ano na média, abaixo da meta do Federal Reserve de 2%. A crise causada pela pandemia em 2020 teve um impacto bastante deflacionário no primeiro momento, resultado da queda drástica do consumo das famílias com a paralisação de grande parte da economia e chegamos a ter variações negativas de preços nos meses de abril e maio.
O processo de recuperação da economia, que se iniciou ainda no segundo semestre de 2020, ganhou mais força com a redução dos números da pandemia, graças ao avanço da rápida vacinação nos EUA. Além disso, os pacotes de estímulos fiscais e monetários vem contribuindo para essa aceleração da retomada. A reflação foi rápida e o IPC saiu de 0,1% em maio de 2020 para 4,2% em abril de 2021, no acumulado de 12 meses.
O debate sobre os riscos de uma inflação mais alta de maneira persistente vem crescendo entre os economistas e preocupando os investidores. O principal motivo para uma inflação maior no longo prazo seria uma mudança na política fiscal americana associada a uma política monetária também expansionista por um longo período, segundo atual expectativa do Fed. Os gastos fiscais crescentes em uma economia que já está em processo de recuperação, com expectativa de crescimento do PIB de 6,5% em 2021 e 3,5% em 2022, podem resultar em um superaquecimento e gerar elevações de preços maiores do que o esperado. E ao mesmo tempo, o Fed vem mantendo a postura dovish, ou seja, também expansionista, defendendo que a economia ainda precisa de estímulos para uma retomada mais sustentável, principalmente do mercado de trabalho, e a inflação maior nesse momento é apenas temporária.
A favor da visão dos dirigentes do Fed, podemos apontar que ainda estamos em um período de transição na economia e convivemos com vários choques resultantes dos fortes impactos da pandemia. Boa parte da inflação vem sendo causada pelas altas de bens, especialmente das cotações internacionais das commodities. Ofertas restritas de insumos em algumas cadeias produtivas globais e a retomada da produção e da logística ainda pode levar um tempo para a normalização. A maior pressão inflacionária nesse momento também conta com uma maior demanda do consumidor por bens, que tem também características temporárias, uma vez que é redirecionada de vários serviços que ainda não normalizaram as atividades, além de ser alimentada pelo recebimento dos auxílios do governo, incluindo os cheques de US$ 1.400 dólares por família com renda até US$ 75 mil em 2021. Uma vez que a economia retome a normalidade, a volta do equilíbrio da demanda das famílias entre bens e serviços deve resultar em menores reajustes nos preços observados nesse período.
Apesar da maior preocupação do mercado com o risco de elevação da inflação, os títulos de 10 anos do tesouro americano ainda são negociados a taxas historicamente baixas, cerca de 1,6% ao ano e o juro real, medido pelas TIPS, os papeis indexados ao IPC, está em -0,9%, mostrando uma inflação implícita próxima de 2,5% ao ano. Ou seja, o mercado de renda fixa precifica uma expectativa de inflação um pouco acima da meta nos próximos anos, mas sem considerar uma mudança na política monetária que eleve os juros nominais para controlar a inflação, considerando juros reais negativos ainda por um longo período.
O cenário de incerteza para o investidor ressalta a importância da diversificação dos investimentos. Um receio de uma maior inflação que possa afetar o poder de compra das famílias já está refletido na busca por investimentos em ativos reais, como ações, imóveis e commodities, o que pode resultar em “inflação dos ativos”. Por outro lado, também é importante estar atento para as consequências do risco de uma subida dos juros mais cedo do que o esperado, caso a maior inflação não seja transitória, como espera o Fed. Mesmo considerando apenas uma alta temporária, o cenário de incertezas que convivemos desde a chegada da pandemia nos mostra que ter investimentos diversificados em ativos com fontes de geração de valor descorrelacionadas é a melhor opção para navegar as incertezas do cenário.
Confira os textos anteriores da série:
Texto 1: O Debate Global Sobre Inflação, por Roberto Padovani
Texto 2: Reflação e Taxas de Juros Americanas, por Julia Braga
Texto 4: Inflação Americana e Estímulos Monetários e Fiscais, por Jason Vieira
Texto 5: A Batalha Pelo Longo Prazo: Juros dos EUA e Pacote de Estímulos, por André Perfeito
Rafaela Vitória é Economista-Chefe do Banco Inter (SA:BIDI4), MBA pela Wharton Business School, Doutoranda pela UFMG e professora dá pós-graduação na Fundação Dom Cabral e Puc Minas.