Esta é a terceira análise da Série Especial: Juros neutros e próximos passos da política monetária do Copom
A inflação chegou! Não apenas no Brasil, mas no resto do mundo! Aqui, especificamente, ela é o resultado da tempestade perfeita. Os preços internacionais das commodities tem tido forte alta. Soma-se a isso, o efeito do nosso câmbio, que se desvalorizou e pressiona ainda mais os preços. Não fosse o bastante, o coronavírus causou um choque de oferta de insumos na cadeia produtiva.
Isso já seria o bastante para um choque inflacionário, mas tem mais. Enfrentamos uma seca que diminui a oferta de alimentos e uma crise hídrica que pressiona o preço da energia junto com o preço dos combustíveis. O resultado é um IPCA esperado de 8% em 2021.
No meio desse desafio e desse caos, o Copom tem deixado claro que seu objetivo é cumprir a meta de inflação de 2022, de 3,5% a.a.
Após a recente piora dos índices de preços e a possível desancoragem das expectativas, o Banco Central (BC) indicou uma alta dos juros acima da taxa neutra, levando a Selic a um campo restritivo.
Ser duro, neste momento, é importante para não perder a credibilidade, melhorar as expectativas do mercado e reduzir a contaminação dos preços deste para o próximo ano. Mas há um custo por frear a economia.
Um elemento que vemos constantemente nas análises de política monetária é o termo juro neutro. Afinal, o que é o juro neutro e qual seu papel no cenário atual?
De grosso modo, a taxa de juros neutra é a que permite o crescimento do país sem, no entanto, resultar em aumento da inflação. Um dos primeiros economistas a falar sobre isso foi o sueco Knut Wicksell (1851-1926). Mais detalhadamente, o juro neutro equilibra as taxas de poupança e de investimentos na economia, mantendo o nível de inflação estável ao longo do tempo.
Em seu cálculo, desconsideramos fatores cíclicos – coronavírus e crises financeiras – e levamos em conta fatores estruturais da economia, como sistema tributário, previdenciário, jurídico, a qualidade da infraestrutura e das instituições do país.
Assim, devido à importância dessa taxa, o Banco Central busca se aproximar dela no longo prazo. Mas há momentos em que a taxa de curto prazo pode estar acima ou abaixo dela.
Caso o BC queira estimular a economia, a autoridade monetária reduz a Selic para uma posição abaixo da taxa de juros neutra – incentivando investimentos e consumo. Por outro lado, se o BC deseje conter a demanda para desacelerar a inflação, ele estabelece a Selic acima do juro neutro.
Atualmente, diversos economistas consideram que a taxa de juros real neutra no Brasil é algo em torno de 3,0% a.a. Somado à meta de inflação de 2022, temos juros neutro de 6,5% a.a.
Ao anunciar uma política monetária contracionista, o BC visa controlar a persistência inflacionária e diversos riscos que assombram a nossa economia.
A materialização dos riscos – fiscal, político e internacional – levará a uma saída de capital do país, e o prêmio de risco requirido pelos investidores para se manterem ou entrarem aqui será maior.
Pelo lado fiscal, a recente melhora dos índices de dívida do governo é conjuntural. A arrecadação maior e o crescimento do PIB levaram a uma melhora da situação dos cofres públicos. Porém, estruturalmente, não houve mudanças. Caso haja uma piora da conjuntura, os índices de endividamento voltarão a crescer.
Para piorar, caso a economia não decole, as eleições serão marcadas pela abertura dos cofres públicos na tentativa de agradar o eleitorado. A dívida pública, que já está elevada, vai crescer exponencialmente. Se o teto de gastos estourar, o risco de default aumenta – investidores exigirão juros (retornos) ainda maiores para investir no Brasil.
Internacionalmente, a perspectiva da volta da inflação e a retirada dos estímulos monetários nos Estados Unidos – como o tapering – podem levar os investidores a migrar dos países emergentes em direção aos ativos norte-americanos.
Para conter uma desvalorização cambial e, portanto, uma pressão sobre os preços domésticos, o BC terá de elevar a taxa de juros, aumentando o diferencial das taxas domésticas e externas.
Percebe-se que todos os possíveis problemas serão contrabalanceados com o aumento maior da Selic. O BC terá um trabalho árduo pela frente, mas está ciente dos riscos – vide o último comunicado – e, caso haja uma piora das expectativas e na balança de riscos, a autoridade já disse que pode ter uma atitude mais tempestiva com relação a política monetária.
E de fato, é necessário controlar a inflação para não descarrilhar a economia brasileira.
Porém, acredito que um aumento demasiado pode afetar a recuperação da economia no ano que vem. Caso a taxa de juros atinja um patamar fortemente contracionista, podemos ter uma inflação abaixo da meta e uma queda drástica da atividade econômica.
Com mais três reuniões até o fim do ano e com a tendência de alta dos juros, o comportamento da inflação e os dados de atividade dos próximos meses serão fatores importantes para determinar qual será o nível da Selic em 2021-2022.
Confira os outros textos da série:
Texto 1: Mudança de Planos no Copom, por Marília Fontes
Texto 2: Taxa Selic em Território Contracionista; O Que Isso Significa?, por Gabriel Fongaro Pereira