Esta é a segunda análise da Série Especial: Juros neutros e próximos passos da política monetária do Copom
Na última reunião do Copom, o Banco Central sinalizou que colocará a política monetária em patamar restritivo, ou seja, fixar a taxa Selic em patamar acima da taxa neutra de juros.
Na teoria econômica, a taxa neutra de juros é aquela consistente com a plena utilização dos recursos produtivos do país (produto potencial) e taxa de inflação estável.
Quando a taxa de juros efetiva está acima da neutra, o elevado custo relativo de se consumir hoje faz com que a economia opere aquém do seu potencial, produzindo uma desaceleração da inflação. Quando a taxa de juros efetiva está abaixo da neutra, a economia se aquece e a inflação acelera.
Portanto, para que o Banco Central cumpra seu mandato e promova a convergência da inflação para as metas, a definição da taxa Selic precisa levar sempre, em consideração o patamar neutro da taxa de juros.
O problema é que não basta uma boa observação cuidadosa do estado da economia para encontrar a taxa neutra. Ela é uma variável não observável e, portanto, precisa ser estimada.
Uma das abordagens para se chegar na taxa neutra consiste em estimar uma equação que estabelece a conexão entre o hiato do produto (desvio do PIB atual em relação ao PIB potencial) e algumas variáveis, dentre elas a taxa de juros.
Partindo do pressuposto que o regime de metas de inflação é crível, a taxa de juros que zera o hiato do produto (economia operando no potencial) é a taxa neutra. O trabalho consiste em encontrar as variáveis que entram nessa equação e influenciam o equilíbrio da economia, e a ampla literatura disponível sobre o tema nos permite dizer que um bom modelo terá, ao menos, variáveis que mensuram: (i) as condições econômicas e financeiras internacionais; (ii) o risco país; (iii) o estado da política fiscal.
Hoje, estimativas de participantes do mercado e do próprio Banco Central sugerem que a taxa de juros neutra em termos reais (descontando a inflação) está próxima de 3,00% a.a. Considerando a meta de inflação de 3,5% em 2022, a taxa nominal neutra é próxima a 6,50% a.a.
A aceleração da inflação tem se mostrado mais persistente que o esperado e o IPCA deve encerrar o ano acima do limite superior do intervalo contendo a meta de inflação.
Como vimos, para promover a desaceleração da inflação o Banco Central terá de elevar a taxa Selic acima de 6,50%. Uma vez que há grande incerteza sobre a estimativa de juro neutro e dado o significativo desvio da inflação em relação à meta, uma postura conservadora recomendaria fixar a taxa Selic em patamar confortavelmente acima dos 6,50%.
Ademais, não é possível descartar um cenário onde há forte elevação do risco país e deterioração das instituições fiscais, resultando na elevação da taxa neutra de juros.
Diante desses riscos e da atual conjuntura, o Banco Central deverá optar por fixar a taxa Selic, em patamar significativamente contracionista, digamos em 8,50%, com consequências para o crescimento econômico. A despeito da forte contribuição que a reabertura e normalização da economia ainda devem trazer para a atividade econômica, a política monetária puxará o PIB para baixo, e mais uma vez o crescimento ficará aquém do potencial do país.
(*) Gabriel Fongaro Pereira é economista do Julius Baer Family Office
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