Os mercados globalmente buscam construir um sentimento positivo para 2021, mas realidades presentes pontificam a absoluta necessidade de haver serenidade nas reações, visto que existem muitos fatores incertos no cenário, com ênfase à própria desenvoltura do repique da pandemia do coronavírus, a despeito da disponibilização em grande parte do mundo das vacinas.
Os Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia apresentam dados que evidenciam a intensificação da pandemia do coronavírus, com aumento expressivo das infecções e mortalidade, e isto pode ter impactos regressivos nas perspectivas de retomada da atividade econômica nestas áreas, mesmo com a intensificação da vacinação.
No Brasil este fato é uma triste realidade, embora o negacionismo governamental continue ousando em menosprezar o grave problema sanitário, que já retoma clima e números outra vez preocupantes dado ao descaso da população, e que tende a maior agravamento a partir da segunda quinzena deste mês como reflexo dos intensos abusos da população ao final do ano e que encontrará campo fértil para sua expansão face à total desorganização e abuso na atitude de prevenção aliado ao expressivo retardamento das ações com vacinação.
O anseio do governo e da população é voltar à normalidade, porém todas as ações comportamentais ensejam o menosprezo ao risco e o retorno imediato ao agravamento da pandemia, predominando o negacionismo e a burocratização das medidas emergenciais necessárias, o que enseja o contraditório.
Pela dinâmica da repropagação do vírus é quase inevitável que vá impactar na retomada das atividades econômicas no Brasil, onde já há fatores adversos fortes presentes que devem repercutir na intensidade da demanda de bens na economia, pois foram encerrados os programas assistenciais do governo prevalecentes ao longo dos últimos 10 meses pandemia e que injetaram na economia volumosos recursos que deram sustentação ao PIB evitando assim uma queda mais expressiva.
Na realidade ainda não se tem aferição precisa de quão relevante foram exatamente os benefícios para evitar uma derrocada mais intensa da atividade econômica os programas assistenciais, especula-se modestamente, mas, certamente, agora impactará na retração das expectativas sobre o PIB 2021, no nosso ponto de vista ainda não devidamente considerada.
Certo é que haverá um retorno expressivo de parte da população à linha abaixo da pobreza e que as estatísticas de desemprego serão infladas por este publico adicional.
Por isso, entendemos que as projeções econômicas para este ano de 2021 devam ser observadas com extrema sensatez, expurgando das mesmas os fortes anseios que podem distorcer a realidade, e assim agindo há um enorme leque de incertezas no panorama prospectivo do Brasil.
Quando observamos 2020 vemos uma queda não tão expressiva do PIB da ordem de 4,5%, mas sabemos o que deu sustentação, mas também verificamos o “dano fiscal” consequente que elevou o déficit a estimados R$ 730,0 Bi, e agravou demasiadamente a crise fiscal do país, exaurindo os recursos governamentais em sua quase totalidade e pontificando como relevante risco fiscal do país.
As projeções iniciais do Boletim FOCUS tradicionalmente, ano após ano, resultam erráticas, portanto devem ser observados de forma bastante relativa ao início do ano. Projeção de IPCA para 2021 de 3,34% naturalmente não está precificando adequadamente o impacto nos preços dos serviços, que representam 70% do PIB, do IGP-M de 25% do ano de 2020.
O governo poderá ser fortemente pressionado nas taxas de juro para a rolagem dos R$ 1,3 trilhão vincendo da Dívida Pública este ano, e este fato não pode estar fora do radar.
No Brasil há enorme expectativa quanto ao fluxo de recursos externos para a Bovespa, porém alertamos para o fato de que não deve ser perdido de vista o comportamento do dólar, quando se fizer análises prospectivas em torno da evolução ou tendência de evolução do índice da B3 (SA:B3SA3).
No ano de 2020 o índice apresentou prejuízo de 20% em dólares para os investidores, em linha naturalmente podendo ter excedido para alguns e ter sido reduzido para outros dependendo do momento do ingresso, mas a mediana foi este percentual e foi expressivo.
O ganho de 3% em real pode refletir preços inflados e acima dos parâmetros de razoabilidade num ambiente de PIB negativo de 4,5%, pressionados por demanda num ambiente de exiguidade de oportunidades. Este fato merece melhor observação.
Desta forma, é fundamental que ao se analisar prospectivamente as tendências do índice da B3 se correlacionem necessariamente com o comportamento da moeda americana, já que a impulsão doravante tenderá a decorrer muito mais do ingresso de investidores estrangeiros, visto que os nacionais, inclusive pessoas físicas, já estão posicionados.
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Se a moeda americana fortalecer o viés de depreciação no mercado global como tem sido especulado pelos “players” nos posicionamentos em relação á moeda, com correspondência direta do movimento no nosso mercado local, sem que haja grande incremento sustentável dos preços das ações brasileiras, em especial as “blue chips”, pode tornar caros os preços dos papéis em dólares e estimular a realização do ganho cambial por parte dos investidores estrangeiros já presentes no nosso mercado, ante a inviabilidade do ganho da rentabilidade no preço dos papéis.
Por outro lado, a depreciação do dólar tenderia a reduzir a continuidade da atratividade dos papéis brasileiros por parte de novos investidores estrangeiros que poderiam passar a ser considerados “caros”.
Contudo, para continuar sendo atrativa ou em alta a B3 precisa alargar o leque de oportunidades em ações de setores relevantes da economia e esta evidenciar revitalização, visto que o comércio varejista poderá sofrer mais diretamente os efeitos da queda de consumo decorrente do encerramento dos programas assistenciais, e as “blue chips” nacionais continuam as mesmas há anos.
Ainda paira na visão prospectiva o temor de na reforma tributária ser introduzida a tributação sobre dividendos, o que seria altamente negativo para o mercado acionário.
O dólar tende a repercutir no nosso mercado o comportamento como da tendência no mercado externo, que se insinua ser de depreciação, porém existem fatores de contenção internos pontuais de natureza política, fiscal, monetária e alterações de preços nas commodities, que podem provocar desalinhamentos.
A política de “câmbio alto” implementada e estimulada pelo Ministério da Economia promoveu forte enriquecimento do agronegócio brasileiro que, afora a alta do preço da moeda em torno de 25% na média, ainda usufruiu da expressiva alta dos preços das commodities, como a soja que subiu 38,2% e que desta forma obteve benefício em torno de incremento de 70 a 75% nos preços finais/receitas. Mas, por outro lado, o câmbio alto provocou efeitos colaterais danosos à economia brasileira ao trazer de volta inflação pesada, da ordem de 13% nos alimentos da cesta básica, e fomentar o IGP-M em nível de 25% que reajusta os serviços, que depreciam o rendimento dos assalariados em face de um IPCA de tão somente 4,38%.
É muito provável que neste ano, com relações mais tênues com os Estados Unidos, a China busque incrementar suas compras de soja americana e outras commodities e até de outros países, numa discreta retaliação ao Brasil face aos agravos no relacionamento ocorridos recentemente envolvendo picuinhas desnecessárias na tecnologia da 5G e mesmo na questão das vacinas, e também tudo indica que o preço do dólar sofrerá depreciação em relação ao ano passado no nosso mercado, o que impacta na nossa competitividade.
Poderemos ter um desempenho de balança comercial menos expressivo, mas acreditamos que o mundo continuará demandando commodities, porém pode diversificar os fornecedores na medida em que as economias vão se recompondo.
Não podemos perder de vista que os Estados Unidos são nossos concorrentes em inúmeros itens de exportação e o dólar fragilizado potencializa sua competitividade, que resultará saudável para sua retomada da atividade econômica. O FED americano já salientou que a despeito da vacina continuará com sua política monetária estimulante.
Os entraves brasileiros perduram os mesmos e centrados na necessidade de reformas estruturais e viabilização de adequação da severa crise fiscal que imobiliza as ações de governo, e que ofuscam em parte a atratividade que o país deveria despertar neste momento em que há incremento de liquidez no mercado internacional.
Embora os sinais iniciais sejam de que Brasil procura manter um ambiente positivo é inevitável que haja sensatez e muita avaliação prospectiva embasada na realidade e não nos anseios para que não se criem expectativas distorcidas.
Os “medos” globais ainda são intensos e no Brasil, enormes e o comportamento do dólar ontem, volátil e excessivamente desproporcional em relação ao real, deixou evidente esta realidade e a postura defensiva evidenciou a nossa vulnerabilidade.
E, relevante, não pode ser relegado a plano secundário os efeitos negativos imediatos que a pandemia do coronavírus ainda pode causar às atividades econômicas, mesmo com a disseminação da vacinação e no Brasil pior porque estamos atrasados na vacinação e o governo não tem recursos para estimular a atividade econômica.
Fundamentalmente, o Brasil precisa descomplicar-se! Mas este sabidamente é um desafio enorme, e disto mais do que tudo depende o nosso desempenho neste ano!