Por Ana Julia Mezzadri
Investing.com - O ano de 2020 foi histórico para a bolsa de valores brasileira. Em outubro, a B3 (SA:B3SA3) superou o marco de 3 milhões de investidores pessoa física, contra 1.681.033 no fechamento de 2019: alta de 82,37%.
De imediato, o motivo parece ser simples: a taxa Selic, que fechou 2019 em 4,5%, foi sucessivamente reduzida pelo Banco Central até chegar em 2% em agosto, patamar que foi mantido desde então. Isso significa, na prática, que os investimentos em renda fixa, especialmente as aplicações cujo rendimento segue a Selic, ficaram cada vez menos rentáveis. A solução, então, parece ter sido a fuga para a renda variável.
Mas isso não é tudo.
Outro movimento que impulsionou a migração de investidores para a bolsa foi a adição de novas opções de investimento. Maurício Lima, gerente de produtos da Westen Asset cita, por exemplo, as BDRs, que em 2020 passaram a ser abertas para todos os investidores.
Rodrigo Leite, professor de finanças da Coppead, concorda: “Esse aumento na diversidade de produtos, aliado com um aumento na demanda, acabou criando essa conjuntura para que a bolsa tivesse tanta entrada de pessoas físicas”, explica. “Há dez anos você entrava na bolsa para comprar ações brasileiras, ponto. Hoje você pode comprar também ETF, FII, BDR… A gama de produtos é muito maior.”
Essa tese é confirmada por dados da própria B3, em estudo divulgado neste mês. Segundo o documento, em 2016, 78% das pessoas físicas na bolsa detinham somente ações. Em 2020, esse número é de 54%.
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Outro ponto que pode ter influenciado a decisão do investidor, na visão de Leite, foi a rápida recuperação dos mercados no cenário de crise da Covid-19. “As pessoas estão vendo que o Ibovespa está subindo, o dólar caindo... Estão acreditando que, economicamente, a recuperação está sendo mais rápida do que o esperado.” Isso, segundo ele, dá aos investidores confiança.
Murilo Breder, analista da Easynvest, menciona ainda as medidas de isolamento social como tendo contribuído para a migração. “Todo mundo em casa, com acesso à internet… Todo mundo foi para a bolsa”, afirma.
Há ainda uma mudança de comportamento desse investidor que entra em bolsa. “Tanto é que o mês com maior entrada de investidores foi justamente março. O maior fluxo de entrada de novos investidores veio justamente em um mês em que a bolsa caiu 30%. Como isso não é mudança no comportamento?”, completa Breder.
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Nesse sentido, Rossano Oltramari, estrategista da 051 Capital, aponta que hoje o investidor brasileiro é muito mais jovem: “Hoje os jovens têm acesso muito fácil ao mercado de capitais. Com pouco dinheiro é possível começar a comprar ações. E isso é extremamente positivo”, completa.
Segundo o estudo da B3, a média de idade da nova safra de investidores é de 32 anos. Outros dados do perfil do investidor é que 60% não tem filhos; 56% têm renda mensal de até R$ 5 mil; 62% trabalham em tempo integral; e apenas 26% são mulheres.
Para Murilo Breder, a disseminação de corretoras e casas de análise voltadas à pessoa física também favoreceu esse movimento, pois dá informação e conhecimento fácil aos investidores. “De repente as pessoas passaram a investir por plataformas, que têm em seu DNA incentivar as pessoas a investir em bolsa, diferentemente dos bancos”, acrescenta Oltramari.
O analista Breder menciona ainda os influenciadores digitais. “Eles têm a habilidade de falar a parte mais técnica de um jeito que o investidor comum entende”, explica. Oltramari concorda: “Hoje temos uma proliferação de educadores financeiros, de pessoas que disseminam as finanças pessoais e a educação financeira de forma bastante produtiva. Tudo isso contribui para que as pessoas tenham mais coragem e mais acesso ao mercado de capitais.”
De fato, de acordo com a B3, 73% dos investidores obtêm informações sobre investimentos na internet e 60% por meio de influenciadores digitais.
Mudança estrutural
A visão dos analistas para 2021 é unânime: a mudança é estrutural e deve se manter, mesmo que a taxa Selic volte a subir.
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“Acho que esse é um movimento de diversificação de investimentos que realmente veio para ficar e deve passar por um processo de consolidação nos próximos anos”, diz Maurício Lima. Breder vai mais longe: “Mantendo esse ritmo de crescimento, devemos chegar a 5 milhões em 2022”, aposta Murilo. “E estou tranquilo que até 2022 esse movimento de entrada de investidores vai se manter”.
“A forma em que vai crescer vai depender das condições econômicas do país, do ambiente de negócios, da política econômica... Mas é uma tendência que veio para ficar”, completa Rossano Oltramari.
Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes-pessoa física da B3, compartilha da mesma opinião: “A educação e a busca por mais informações sobre os produtos leva à diversificação, o conhecimento do investidor sobre o perfil dele e do seu apetite para o risco. Esse dado de manutenção das posições e contas mesmo nos períodos mais críticos de volatilidade comprova que não é uma questão pontual. É uma mudança de mentalidade que está se consolidando entre os jovens brasileiros e, por isso, uma mudança geracional na forma de investir no país.”
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Além da continuação da entrada de investidores, Maurício Lima vê um cenário em que o investidor que já está na bolsa de valores deverá refinar seus investimentos. “Acho que o investidor vai passar a ter uma alocação mais estrutural em bolsa, em exterior, coisas que ele não tinha anteriormente”, explica.
O que falta
Agora, os investidores vão ter de partir para um próximo passo, que é o aprendizado. Outro movimento que ainda deve vir é a diversificação de ativos na carteira do investidor. “Acho que o ciclo vai estar completo quando os investidores tiverem, além de exposição ao mercado acionário, também exposição a outras classes de ativo”, diz Maurício Lima.
Além do amadurecimento do investidor, também o mercado brasileiro precisa amadurecer, na visão de Lima. “Uma coisa vai puxando a outra. Conforme você vai tendo mais demanda por renda variável, por exterior, por renda fixa ativa, por crédito etc., você vai tendo o desenvolvimento dos mercados nessa direção também. É um ciclo virtuoso”.
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Rodrigo Leite menciona também a questão tributária A dificuldade na aplicação de impostos, cujas regras são diferentes para cada classe de ativos, faz com que muitos investidores optem pelos fundos de investimento no lugar de uma aplicação direta na bolsa. “Se quisermos manter e aumentar os investidores em bolsa, temos que criar uma legislação tributária que incentive o pequeno investidor a colocar seu capital em bolsa e dê a ele uma forma simplificada de fazer essa declaração.”