De um presidente “tuiteiro” a um jornalista assassinado, tudo contribuiu para influenciar os preços das commodities em 2018, inclusive bizarrices políticas e eventos realmente macabros. Do petróleo ao suco de laranja, não pararam de aparecer catalisadores de preços surpreendentes, e provavelmente outros surgirão até o encerramento do pregão de 31 de dezembro.
Dominick Chirichella, do Instituto de Gestão Energética de Nova York, que testemunhou praticamente tudo o que ocorreu no mercado de petróleo nas últimas quatro décadas, não poderia ter se expressado melhor quando escreveu, uma semana atrás, em sua última análise do ano: “o fim de 2018 não poderia ser mais diferente do que o fim de 2017”.
Somente a enorme divergência no desempenho das commodities nos últimos dois anos bastaria para apoiar essa tese.
Grandes perdas no petróleo e nos metais, enormes oscilações no gás
Em 2017, o petróleo bruto norte-americano subiu 13%, com a maior volatilidade diária ficando abaixo de 3%, apesar de o mercado ter se retraído em relação ao primeiro choque de oferta de petróleo provocado pelo shale. Neste ano, com um excesso de oferta do shale menos pronunciado, o mercado pode se desvalorizar 40% depois de testemunhar a pior pernada de baixa da sua história: um queda ininterrupta de 12 dias.
Mas a volatilidade do petróleo tem se intensificado com a chegada do fim do ano, com dias de queda de 7% e dias de alta de 9%, o que pode prender a atenção dos traders até o último pregão.
Por falar em volatilidade, nada se compara ao movimento de 18% intradiário do gás natural neste ano — três vezes mais do que seu pico de 2017. As oscilações tiraram do gás a coroa de commodity com melhor desempenho em 2018, deixando-o em terceiro lugar, atrás do cacau e do trigo no momento em que escrevo, apesar das baixas reservas de inverno para o combustível, o que reduziu seus ganhos anuais, que chegaram a 60% há um mês, para apenas 16%, aproximadamente.
O cenário nos metais é igualmente extraordinário. Em um raro fenômeno, os futuros de praticamente todos os metais de base comercializados em Londres e Nova York devem terminar o ano com perdas de dois dígitos, apesar de a China, maior compradora de commodities, interromper sua batalha tarifária com os Estados Unidos, em meio a expectativas de um iminente acordo entre as duas superpotências econômicas. O cobre, que lidera o complexo mundial de metais, caiu 17%, enquanto o zinco e o chumbo sofreram perdas de mais de 20%.
No mercado agrícola, a soja também está perto de sofrer perdas de dois dígitos, colocando em xeque o otimismo gerado pela mesma trégua comercial sino-americana, após a imposição de taxas proibitivas no início do ano, que restringiram as vendas da soja norte-americana à China.
(Usuários de desktop podem clicar aqui para ver o “desempenho” de todas as commodities em 2018).
Atores bizarros distorcem o roteiro
Mas o enredo das commodities em 2018 foi mais do que apenas a ação dos preços. Ele também envolveu atores bizarros que nunca deveriam ter participado do roteiro.
Todos sabem que o presidente dos EUA, Donald Trump, adora tuitar sobre imigração, comércio, mudanças climáticas e até mesmo saques à Casa Branca. Mas ninguém esperava que sua paixão pelos textos de 140 caracteres viraria pelo avesso o mercado de petróleo que havia acabado de sair de uma das suas piores crises de excesso de oferta já registradas.
A conta @realDonaldTrump no Twitter fez sua estreia no mercado de petróleo na primavera norte-americana, logo após o presidente cancelar um acordo nuclear da era Obama com o Irã e ameaçar impor sanções às exportações de petróleo de Teerã. Quando os preços do petróleo dispararam por causa dos temores de restrição de oferta provocada pelas sanções, Trump partiu para o ataque via Twitter (NYSE:TWTR), exigindo mais petróleo da Arábia Saudita e outros fornecedores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Estavam em jogo as eleições de meio de mandato nos EUA, realizadas em novembro, e possivelmente a fúria dos eleitores com Trump e seu partido republicano se os preços do petróleo permanecessem elevados.
Depois que o grupo ampliado da Opep+, incluindo a Rússia, começou a produzir a todo vapor, o presidente concedeu isenções inesperadas às exportações petrolíferas iranianas que, em conjunto com as exportações recordes dos EUA, assentaram as bases para mais um mercado sobreofertado, após o excesso de oferta de 2014-2017. Quando os preços do petróleo despencaram, a Opep resolveu reduzir a oferta, mas Trump novamente tuitou que o cartel não deveria fazer isso, pressionando mais uma vez o mercado.
Se Trump foi um participante intencional – apesar de estranho – no mercado de petróleo neste ano, mais estranha ainda foi a participação póstuma do jornalista saudita Jamal Khashoggi, que residia nos EUA e, por mais de dois meses após seu horrendo assassinato no início de outubro, continuou sendo um pesadelo para o príncipe herdeiro do trono saudita e os que apostavam na alta do petróleo ao redor do mundo. Morto no consulado da Arábia Saudita na Turquia, Khashoggi deu a Trump a munição de que o presidente precisava para continuar tuitando que o reino e a Opep não deveriam cortar a produção ou impulsionar os preços.
Atuais pontos de pressão: temor da recessão, fechamento do governo norte-americano
A batalha de Trump foi tão eficiente contra os altos preços do petróleo que o derradeiro anúncio da Opep de que reduziria a oferta mundial em 1,2 milhão de barris por dia até junho de 2019 mal conseguiu levantar o mercado.
Embora o frenético rali de 9% no pregão de quarta-feira sugere a possibilidade de uma violenta retomada de preços assim que se formar um fundo, temores de uma recessão mundial também podem amenizar a recuperação, segundo analistas. Por hora, o fechamento parcial do governo dos EUA – por causa das exigências de Trump para que seus rivais democratas no congresso aprovem US$ 5 bilhões em fundos para construir um muro que ele afirma que impedirá a entrada de criminosos mexicanos – pode manter a aflição do mercado.
Trump não foi o único político a ter um impacto incomum nos preços das commodities neste ano.
Ao travar uma batalha tarifária com Trump, o presidente chinês XI Jinping também contribuiu para a confusão nos preços do cobre e da soja, dois dos principais produtos importados pela China dos Estados Unidos.
Enquanto isso, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro foi responsável por dois meses de rali no início do ano no açúcar em bruto, café arábica e suco de laranja, principais exportações do país latino-americano que agora caem dois dígitos, na medida em que especuladores apostavam no sucesso das promessas reformistas de Bolsonaro durante as eleições. Ironicamente apelidado de “Trump Tropical”, Bolsonaro sobreviveu a uma facada durante o pleito, o que impulsionou brevemente sua popularidade e alimentou os ganhos nessas commodities.