No texto da semana passada, sugeri repensar o day trade, modalidade no qual uma posição é aberta e fechada dentro do mesmo pregão, enquanto uma forma de gerar renda ativa a curto/médio prazo, tomando como horizonte uma busca por lucros mensais. Para isso, seria necessário deslocar nosso foco, indo do tamanho dos retornos para o controle da volatilidade, isto é, para a construção de ganhos menores, mas mais garantidos.
Na ocasião, toquei apenas superficialmente em como fazer isso, principalmente do ponto de vista da gestão de risco: como a liquidez e a maturação das operações em day trade estão fora do nosso controle, para reduzir a volatilidade precisaríamos primeiro cortar a expectativa de ganhos, além de diminuir o montante colocado em risco por operação, de modo a ampliar a expectativa de retorno positivo, ainda que reduzido.
Entretanto, essa fundamentação era em larga medida teórica e bastante abstrata, razão pela qual agora buscarei apresentar uma série de apontamentos concretos para colocar isso em prática no dia-a-dia de quem decide trabalhar com essa modalidade.
Controlando os riscos
Comecemos pelo fator risco por operação. Sugiro se limitar a uma perda de 0,25% a no máximo 1% para cada operação realizada, algo que dificilmente é viável com menos de mil reais, em especial no caso dos dois instrumentos mais populares, os minicontratos futuros do índice Bovespa e do dólar.
No que diz respeito às ações mais líquidas, que são as únicas viáveis de serem operadas em day trade, o montante requerido também deve manter de fora quem tem pouco capital disponível. Isso é bom, pois não é uma barreira ao enriquecimento de quem tem pouco, mas uma proteção contra sua (muito) provável perda de capital.
Pessoalmente, sugiro começar com algo em torno de dez mil reais e uma meta de lucro em torno de 2% ao mês, o que dificilmente será o suficiente para se sustentar, mas que representa cerca de quatro vezes o retorno mensal de um fundo imobiliário, cujo risco é muitíssimo menor. Logo, trata-se de um objetivo realista em vista da maior exposição ao risco. Ao mesmo tempo, não requer acompanhamento contínuo nem diário do mercado, o que me leva ao próximo ponto.
Operar day trade não significa narrar o mercado ao vivo, como ocorre em algumas salas onde o/a analista está o tempo todo comentando o que o mercado está fazendo. O ideal é que você tenha uma estratégia 100% objetiva e sequer preste atenção no mercado quando ele não estiver próximo de gerar um sinal válido dentro do seu sistema – que, vale lembrar, deve ter sido testado exaustivamente no simulador.
A esse respeito, você pode inclusive monitorar pontualmente o mercado enquanto está no trabalho ou desenvolvendo outras atividades, desde que tenha tempo disponível para gerir uma eventual operação sem distrações – quanto mais rápida, mais ela demanda atenção durante sua duração. Lembre ainda que day trade é diferente de day trading every day, isto é, de operar todo dia. É muito mais fácil gerar lucro com algumas operações no mês do que tentando ganhar e arriscando perder a cada novo pregão.
Quando operar?
Ao contrário do que muitas pessoas pensam e pregam, o melhor horário para se posicionar no mercado não é durante a abertura. Não há qualquer necessidade de estar presente durante o início do pregão, inclusive porque você não tem uma posição aberta no dia anterior. Esse momento é, acima de tudo, aquele de maior movimentação (volatilidade) do dia, o que significa que grandes ganhos são possíveis, mas ao custo de grandes riscos a consistência (previsibilidade) dos resultados.
Quando falamos de mercados de altíssima liquidez, como os minicontratos futuros, as primeiras horas servem para delimitar, digamos, as margens do mercado (regiões de máxima e de mínima). O que está no meio é a região de negociação do dia, onde grandes agentes irão realizar balanços de posição, aquisições, vendas, transferências, enfim. Isso significa que oscilações que parecem enormes para quem está de fora, são pontuais para esses grupos. O ideal é aguardar esse momento inicial de briga para, então, começar a pensar em uma possível posição.
Via de regra, minha sugestão é que as pessoas só tentem se arriscar nesse ambiente após o horário de almoço, que é quando a volatilidade cai drasticamente e permite ganhos muito mais seguros, embora bem menores (em linha com o risco igualmente menor). A essa altura, os mercados terão estabelecido níveis relevantes para o dia, que podem servir de referência para abertura de uma posição de compra ou venda.
Inclusive, é interessante notar que quando falamos em day trade de ações, cuja movimentação ao longo do dia é muito mais lenta que nos minicontratos futuros, a média de pessoas que fecham o mês com lucro é quase o dobro. Isto, tomando como referência a tabela de risco das pessoas físicas que utilizam recurso RLP (retail liquidity provider) em suas corretoras, que permite a realização desse levantamento estatístico.
Como disse, menos volatilidade significa mais segurança e mais consistência, o que a curto/médio é bem mais interessante do que longas séries de perdas intercaladas por ganhos excepcionais. Tudo que atua no sentido de uma redução da volatilidade deve ser levado em conta por quem operar day trade, se a meta for produzir resultados consistentes.
Análise técnica e volatilidade
O primeiro passo para garantir uma sequência consistente de resultados ao longo do tempo é, como mencionei acima, o uso de um sistema operacional que seja 100% objetivo. Isso significa apenas que você segue um conjunto pré-determinado de etapas que ditam a entrada e saída de uma posição de forma clara. Não importa se são simples ou complexos, nem as ferramentas que utilizam, desde que a decisão não fique subordinada a um julgamento puramente subjetivo.
O que quero dizer com isso? Bom, num exemplo simples, a identificação de um suporte ou resistência é quase sempre subjetivo porque cada pessoa irá fazê-lo de uma forma, mas uma média móvel simples de 20 dias é a mesma para qualquer pessoa que usá-la. Ela não dá margem para discussão e é isso que seu sistema deve te proporcionar, afinal é isso que irá garantir a consistência dos resultados obtidos.
O mercado irá mudar, mas as variáveis do sistema não. Portanto, com dados suficientes, será possível estimar quantas operações erradas ou certas podemos esperar, qual a distribuição de lucros e prejuízos numa série determinada (digamos, 100 operações), qual nossa média de ganho e perda, para citar alguns exemplos. Sem isso, será extremamente difícil confiar na capacidade da estratégia de gerar lucros, o que pode corroer seu psicológico e tornar o impossível o que já era difícil.
Indicadores de volatilidade
O que falta em muitos sistemas, contudo, é uma forma de definir e administrar a volatilidade do ativo que está sendo monitorado. Isso é fundamental não só para determinar o quanto o mercado está imprevisível em relação ao passado mais ou menos recente, como para determinar o quanto precisamos arriscar numa operação. Destaco a palavra “precisamos” porque se queremos nos proteger a imprevisibilidade do mercado, é necessário dar uma margem de erro maior do que a volatilidade atual.
Muitas pessoas fazem isso olhando uma mínima ou máxima de um candle recente e dizendo que você deve posicionar sua perda máxima (stop) um pouco acima dela. Embora correto na concepção, na prática ela deixa muito a desejar. Está correta ao definir um ponto de referência e uma margem de erro da operação (quanto estamos dispostos/as a perder se o mercado for contra nossa posição). O problema é que, a depender do grau de volatilidade e do ponto de entrada, uma mínima ou máxima pode ter pouca relevância.
Por isso sugiro fortemente o uso de um indicador técnico que te dê um valor médio concreto para o quanto seu stop deve estar distante do ponto de referência utilizado. O que considero de longe o melhor, para qualquer tempo gráfico, ativo e metodologia operacional (incluindo leitura de fluxo de ordens sem gráfico temporal) é o Average True Range (ATR). Foi desenvolvido nos anos 70 por J. Welles Wilder, uma das figuras mais relevantes da análise técnica contemporânea.
Em síntese, esse indicador calcula o tamanho da região de negociação (o chamado true range) de um período (candle ou barra) e plota uma linha com a média móvel desse valor nos últimos N períodos (a média, ou average, do true range). A configuração padrão é de 14 períodos, que podem ser dias, horas, semanas, barras de minutos, etc.
Se estamos monitorando uma ação e o valor do ATR tem variado entre 15 e 25, sabemos então que, partindo de um ponto qualquer do gráfico, o preço tem oscilado em média entre 15 e 25 centavos. Dessa forma, não faz sentido abrirmos uma posição nesse ativo se não pudermos arcar com uma perda de pelo menos 15 centavos a partir do ponto de referência que utilizamos – uma mínima, uma média móvel relevante, etc. – porque estaremos expostos/as ao ruído “normal” do mercado naquele momento.
Embora nada nos impeça de colocar um stop menor do que esse valor, nosso risco de perda aumenta porque não estamos sequer contando com o ruído do mercado, o que pode ocasionar uma saída precoce com prejuízo mesmo que nossa análise, de resto, se confirme. Contudo, nesse exemplo o ideal seria tomarmos como base uma oscilação de 25 centavos, por ser o valor mais alto no período de referência e que, portanto, nos garante uma margem de erro maior.
O aumento no preço real desse stop (digamos que ao invés de perdermos R$15, passamos a perder R$25) pode e deve ser compensado, quando for o caso, por uma redução no tamanho da posição (reduzir lotes, contratos, etc.). Além disso, pessoalmente recomendo operar com um múltiplo do ATR a partir do ponto de referência, algo entre 1.5 a 2 vezes esse valor. Mais uma vez, isso pode acabar mantendo muita gente de fora do mercado, mas a ideia é precisamente essa, justamente para que o aspecto técnico possa se sobrepor a uma região de imprevisibilidade.
Considerações finais
Lembro que tudo o que foi discutido aqui não significa que você ganhará dinheiro no day trade, mas são passos que irão contribuir muito para essa possibilidade. Os resultados médios, principalmente de quem opera futuros, são massacrantes e estão disponíveis no site da B3. Muito mais do que uma questão operacional, antes de tudo ela resulta de uma compreensão errada dos riscos envolvidos e dos retornos possíveis.
Insisto que, em grande parte, isso acontece porque a falta de regulação nessa modalidade faz dela uma espécie de faroeste. Nessa terra sem lei, corretoras e analistas muitas vezes desconsideram completamente o interesse de seus/as clientes ao omitirem suas chances de ganho, iludirem as pessoas com a promessa de que “basta estudar muito” e de que mesmo começando com muito pouco, você pode ter ganhos exponenciais – mas omitem que, com tão pouco dinheiro, será apenas em função da sorte.
O day trade pode ser interessante, mas para isso é preciso ir na contramão de quase tudo que se diz por aí. Simplesmente, pergunte-se: se alguém conseguisse realmente gerar ganhos de 100% ao ano – estou sendo muito conservador perto das promessas que vejo por aí, de 20% a 50% ao mês – por que diabos não estamos todos/as operando day trade? Por que essa pessoa está operando por conta própria e não administrando centenas de bilhões para fundos gringos?
Ora, se os fundos mais rentáveis do mundo não geram nem de perto algo dessa proporção – com equipes formadas pelos/as profissionais mais qualificados/as do planeta – por que você, caro amigo ou amiga, acha que vai render mais e melhor operando com um capital infinitamente menor, na modalidade mais arriscada dos ativos mais arriscados? Por que alguém que vende cursos te disse que sim? Tenha humildade, tenha disciplina e tenha paciência: esse sim é o caminho para a felicidade, inclusive financeira.