Essa semana vi um texto novo do Felipe Miranda, da Empiricus, intitulado “Precisamos falar sobre day trade”. Embora discorde dele em muitos outros temas, concordo com tudo que ele disse ali e procuro estender, nessas linhas que seguem, uma possível ponte para esse debate que considero fundamental. Entretanto, buscarei avançar num sentido um pouco diferente, que é o de tentar reduzir os danos potenciais da modalidade ao repensar seu papel dentro do campo geral dos investimentos e da finança pessoal.
Antes disso, ressalto que é urgente conscientizar as pessoas, a maior parte delas recém-chegadas na bolsa de valores, sobre os riscos imensos ao qual se expõem quando ingressam no day trade. Infelizmente, isso é algo que as corretoras parecem fazer questão de ignorar. O ideal seria que a CVM tomasse logo uma atitude, ao menos no sentido de regulamentar as salas ao vivo – quem sabe algo parecido com os versos de maço de cigarro?
De certo, não me parece nem um pouco razoável se permitir que quem toca essas salas sugira 500 reais por minicontrato do Ibovespa ou mil reais para o dólar; muito menos que essas salas funcionem como uma narração esportiva do mercado: “índice subindo galera, vamos ver se vai sair um pivô de baixa, se sair a gente entra, vamos lá índice! Bora pro gain! Esse índice tá pegando fogo gente!”.
Ora, se isso não viola o dever fiduciário do/a analista, ou seja, a obrigação de orientar seus/as clientes de modo a defender seus interesses e não os de uma outra parte (corretora), sinceramente não sei o que viola. Só não digo que é criminoso sugerir quinhentos reais para começar no day trade porque não há lei contra isso. No entanto, é absolutamente predatório: pessoas perderão esse dinheiro na esmagadora maioria dos casos e essas pessoas sabem disso.
Antes que venham com o clássico “as pessoas é que decidem operar day trade, nós simplesmente ajudamos a tomar decisões usando as salas ao vivo”, poupem-me. Como se não houvesse uma indústria bem consolidada de “celebritraders” (neologismo composto de celebridades + traders). Pessoas que, mais do que cursos, vendem a promessa de ganhos rápidos, diários e consistentes. Mas não vejo ninguém anunciando o artigo de Giovanetti e Chague, da FGV, mostrando que 97% de quem entra nessa só perde dinheiro.
Compreendendo o risco
Com o perdão da digressão acima, vamos ao que interessa. Em qualquer investimento, o risco deve ser analisado em função de quatro fatores: a volatilidade, liquidez, maturação e retorno. Esses fatores são interdependentes, o que significa que eles se afetam mutualmente. Como sempre digo, em economia estamos sempre trocando uma coisa por outra, então é essencial entender o que são e como se relacionam esses quatro elementos.
A volatilidade diz respeito a distância média entre o maior ganho e maior perda, ou seja, o tamanho do espectro de resultados possíveis do investimento. A liquidez, como o nome sugere, remete ao quão líquido é o investimento, ou seja, quanto tempo demora para converter o ativo em dinheiro ou vice-versa. Maturação significa quanto tempo esse investimento demora para ficar “maduro”, no sentido de poder ser liquidado sem multas – pense numa banana comprada verde, que precisa amadurecer para ser consumida. O retorno é o quanto rendeu de lucro ou prejuízo num período determinado.
Bons investimentos jogam com esses parâmetros para atingir os objetivos a que se prestam. Tomemos o caso das ações, que são um excelente instrumento para uso a longo prazo – digamos, mais de dez anos. O rendimento é alto, assim como sua volatilidade; entretanto, como estendemos bastante a maturação e reduzimos a preocupação liquidez (caso de fundos), as coisas funcionam muito bem. Um fator compensa o outro até atingir o objetivo principal (ampliar o patrimônio ao longo da vida).
Da mesma maneira, fundos e ativos de renda fixa são ótimos para compor nossa reserva de emergência: têm alta liquidez, então podemos sacar o dinheiro rapidamente; não tem grandes oscilações (volatilidade) que podem complicar nossa vida a curto/médio prazo. Por isso mesmo, tem baixo rendimento e não requerem grandes períodos de maturação, a rigor apenas incidência do imposto de renda sobre os eventuais lucros durante os primeiros dois ou três anos. Mais uma vez, as coisas funcionam porque otimizamos o ativo e os fatores que regem seus resultados.
O que acontece então quando buscamos altos retornos, alta liquidez e baixa maturação? Bom, resta apenas a alta volatilidade dos resultados, que precisará compensar sozinha o desequilíbrio gerado pelos outros três fatores ou, caso desejemos ainda por cima, baixa volatilidade, aceitar que perderemos dinheiro em praticamente todas as operações pois o risco será o fator a compensar essa relação. Ironicamente, é exatamente isso que a maior parte de quem se aventura no day trade, inclusive sob a tutela de analistas, acaba buscando. Encontram o que Giovanetti e Chague mostraram: prejuízos em 97% dos casos.
Entretanto, a maior parte das pessoas e mesmo analistas parecem sequer ponderar sobre o que estão buscando no day trade, tampouco o que poderiam buscar, se tratarmos as coisas nos termos desses quatro fatores. A começar pelos retornos, que mantidos liquidez, maturação e volatilidade, são proporcionais aos riscos. Significa então que se você opera day trade buscando ganhos altos, prepare-se para estancar muito dinheiro da sua conta.
Se você entra com mil reais por contrato de dólar buscando ganhar cinquenta reais, estamos falando de um retorno de 5% em alguns minutos; sendo conservadores/as, arriscaríamos entre 3.5% a 5% nessa operação. Uma solução, então, é limitar bastante o número de operações dessa natureza: uma por mês, talvez uma por semana. Dessa forma o retorno por tempo é reduzido, equilibrando a equação.
Só que, nesse caso, o day trade perde para todas as modalidades no que tange o risco/retorno (swing, position, buy and hold, alocação mensal...). Por isso mesmo, quem entra nessa modalidade acaba fazendo muito mais operações do que deveria e, apesar de dizerem que você não precisa operar todo dia, as salas de day trade estão lá todo dia, passando duas, três recomendações por dia – na prática, é o que a maioria das pessoas acaba fazendo.
Repensando o day trade
De modo a fazer o day trade algo funcional e atraente, precisamos primeiro definir como os quatro fatores de risco que mencionei acima (liquidez, maturação, volatilidade e retorno) se organizam nessa modalidade. Somente depois é que podemos organizá-los de uma forma que faça um pouco mais de sentido e que não seja tão avessa aos interesses de quem nela se aventura. Mais uma vez, vamos por partes.
Por definição, day trade envolve abrir e fechar uma posição no mesmo dia, o que implica que o tempo máximo de maturação será de nove horas (da abertura ao fechamento do pregão). Logo, necessariamente curta. Além disso, considerando que só se operam os ativos de maior movimentação (índice e dólar futuro, algumas ações), o grau de liquidez é bastante alto: podemos entrar e sair quando quisermos – obviamente, não no preço em que quisermos.
Portanto, pela própria estrutura da atividade, liquidez e maturação estão em larga medida longe do nosso controle. Nosso risco então oscilará em função dos retornos que buscamos e da volatilidade dos resultados. Em outras palavras, podemos ter resultados grandes, mas inconsistentes ou podemos ter resultados menores, mas mais consistentes (menos voláteis), considerando o mesmo risco admitido por operação e pelo resultado acumulado dessas operações em um período determinado.
Bom, vou tomar como base o princípio de que quem opera day trade está mais interessado em ganhos a curto prazo/médio do que a longo prazo, justamente para tirar proveito da alta liquidez e baixa maturação. Inclusive porque, como disse, se desconsiderarmos esses dois fatores, é muito mais interessante simplesmente investir em outras modalidades. Em bom português, quem entra no day trade, na esmagadora maioria dos casos, está procurando uma renda, dinheiro na mão quando chega o fim do mês.
Na medida em que a ideia é gerar renda a curto-médio prazo (tomemos o horizonte de um lucro mensal), é muito mais importante reduzir a volatilidade dos resultados do que buscar ganhos mais altos, mas imprevisíveis. Afinal, você toparia um aumento no trabalho se em troca não soubesse em quais meses ia ganhar mais, menos, nada ou quando ia pagar pelo que trabalhou?
Se queremos reduzir a volatilidade, precisamos diminuir drasticamente os ganhos buscados. Preferencialmente, reduzir ainda o tamanho do risco assumido por operação, no caso aqui ampliando o montante alocado. Eis então o momento em que se desfaz a mística do day trade: não se ganhará muito, em pouco tempo e com pouco dinheiro. Para ser atraente, é necessário deslocar o foco no lucro e colocá-lo quase inteiramente na redução da volatilidade.
Isso passa, obviamente, por uma série de fatores que envolvem tanto a gestão do risco quanto aspectos puramente operacionais, técnicos e metodológicos. Para não deixar esse texto excessivamente longo, deixarei para abordar esses temas no texto da semana que vem, mas uma coisa que pode ser adiantada é: como definir, por exemplo, uma meta de lucro ou rendimento mensal?
Minha sugestão pessoal é que se utilize como benchmark (referência) um instrumento que seja igualmente focado na produção de renda, que definitivamente não é o caso dos tradicionais CDI, Ibovespa, IMA-B ou IPCA. Talvez um pouco frustrante para quem nutre expectativa de grandes retornos, eu sugiro utilizar a taxa de dividendo dos principais fundos imobiliários ou, para que o trabalho envolvido no day trade logre frutos atraentes, um múltiplo desse valor. Algo em torno de 1% a 2.5% ao mês, na média, é extraordinário se considerarmos que os proventos estarão prontamente disponíveis.
Sim, é pouco perto do que prometem por aí, mas é melhor ter um ganho modesto do que uma perda constante intercalada por ganhos fora da curva. Não, você não vai começar a viver dessa atividade com mil, dez mil reais. No entanto, possibilita antecipar essa possibilidade de extrair renda com menos capital do que seria necessário para fazê-lo com dividendos ou fundos imobiliários. Obviamente, com uma exposição maior ao risco, mas não a ponto de ser um suicídio financeiro.
Durante um bom tempo, nem sequer vai operar porque o risco mínimo a ser assumido, como buscarei mostrar no próximo texto, será grande demais para o montante. Poderá, entretanto, focar no simulador ou migrar para uma plataforma de Forex, cujo lote mínimo (0.01) permite operar uma conta de 200 dólares (pouco mais de mil reais) correndo riscos proporcionalmente adequados.
Acontece que a ideia é justamente essa, para que ao invés de juntar um pouco, tentar ganhar muito e acabar perdendo tudo, você foque em juntar o suficiente para exercer essa atividade de uma forma tranquila e rentável dentro dos limites do que ela pode oferecer.