No último texto discuti como possivelmente as preferências por atributos de privacidade se estruturam. De maneira geral, argumento que se maximiza antes o referente a outros atributos, e só por fim se baseia em questões de privacidade para decisões de qual moeda será usada para transferências. Por exemplo, num uso simples de meio de pagamento, o tempo de confirmação e as taxas de transação são considerados antes da privacidade, a menos que se trate do pagamento de algo que realmente não há outra opção (mercado negro, por exemplo).
Entretanto, há Dapps que funcionariam melhor sob privacidade. A demanda por aplicações relacionadas a tabus de âmbito privado existe e, sob certa perspectiva, pode ser uma das principais razões para Dapps existirem. Uma rede como a Ethereum se justifica claramente quando consideramos duas funções: resistência a censura e capacidade de prover serviços sem precisar de uma entidade central. Muitos pensam que isso possibilitaria um Twitter sem banimentos, por exemplo. Entretanto, uma blockchain pode trazer também uma plataforma para whistleblowers – funcionários capazes de denunciar e documentar problemas em organizações – e isso funciona melhor sob privacidade.
Os ganhos não se resumem a organizações sociais e/ou a indivíduos. Uma aplicação como a anterior seria ainda insuficiente para motivar demanda e investimentos em uma privacy coin. Porém há aplicações comerciais voltadas para segredos industriais. Ao se possibilitar alguma privacidade, uma empresa pode usar a característica da blockchain ser uma base de dados imutável e independente para arquivar suas informações, porém sem alguém conseguir associá-la aos dados diretamente. Aprimorar tecnologias de privacidade pode vir a ser fundamental para aplicações logísticas de blockchain, portanto, porém não a privacidade que compreendemos quando discutimos os atuais ativos.
A má notícia mesmo para os partidários das privacy coins é que essas aplicações logísticas dependem, usualmente, de smart contracts, sistemas de informação e similares. A proposta de um meio de pagamento anônimo ainda possui essas características a princípio. Creio que essas características sejam mais compatíveis com um projeto de plataforma de Dapps que adicione características de privacidade a seu desenvolvimento. Naturalmente, as atuais privacy coins podem se mover para essa dimensão, porém não vejo esse esforço mais que discursivo nos atuais roadmaps, enquanto o Ethereum já parece realmente estar desenvolvendo sua fronteira privativa.
No que diz respeito ao Ethereum, a aposta é na direção de maior interoperabilidade com o próprio ZCash, algo que aumenta a valuation dessa moeda no curto prazo; contudo, Vitalik Buterin já anunciou que com a tecnologia “Plasma” talvez haja “sub-blockchains” privativas intrínsecas a Ethereum. Há também a ideia de usar isso para privacidade on-chain. Isso é experimental e conta com desconfianças dentro da própria equipe, porém sugere planos de, talvez, entrar no mercado como player isolado. Há outros grandes players com planos similares, aparentemente. Craig Wright, associado ao Bitcoin Cash, sugeriu que o fork do Bitcoin terá características de privacidade eventualmente. O prazo dado por ele passou, porém vale ainda ficar atento.
Por fim, creio que essa minha argumentação encerra um bear case contra privacy coins. Vale notar que ainda há outros fatores determinantes como regulação e placas ASIC que terminam por centralizar a entrada no mercado de mineração. Se houver demanda nos comentários, posso expandir esse argumento também. Isso termina por prejudicar ainda mais essas moedas. Creio que valha reduzir a exposição a esses ativos a longo prazo. Isso não impede ganhos de curto e médio prazo, porém para um investidor que procura criar portfólios sou um tanto quanto cético ao sucesso dessas tecnologias no que tange maiores retornos.