“A bolsa vai seguir subindo, buscando novos e novos recordes?” Não faço a mínima ideia.
“Há espaço para seguir se valorizando?” Sem dúvidas.
Inicio o texto com essas duas perguntas e respostas para não frustrar ninguém que entrou no artigo buscando uma resposta definitiva. O número mágico não existe e muito menos a empresa do momento. Se eu falar que a bolsa irá a tantos mil pontos e que a empresa ABCD será o destaque, e por um acaso acertar em cheio, será mais sorte do que técnica. E isso não só comigo, mas com qualquer participante do mercado. Não se iluda.
Dito isso, semana passada escrevi sobre o quanto devemos focar nossa energia nas empresas, fundos de investimentos, em que alocamos nosso dinheiro. Tratei sobre o quanto o Ibovespa bater recordes, na realidade, não faz diferença na nossa vida.
Com a sequência de altas observadas na semana, o recorde da outra semana foi dia a dia sendo superado. Mudou alguma coisa? Nada.
“Então se a pontuação não faz diferença, por quê você faz um artigo falando sobre novos recordes?”
A realidade é que quando vemos o principal índice de ações brasileiro chegando em patamares cada vez maiores, é natural ficarmos com aquele receio de que estamos entrando no fim da festa ou termos aquela sensação de que estamos perdendo oportunidades. A intenção desse texto é mostrar que ainda temos empresas ou setores descontados e que, caso resolvam andar, novos recordes podem ser batidos.
Obviamente que entrar na bolsa aos 130 mil pontos não é a mesma coisa do que se posicionar aos 100 mil. Como já mencionado, com a bolsa em patamares maiores, a margem de risco está mais apertada e, portanto, a seletividade deve ser maior. Como a ideia aqui é pensar nos segmentos que ainda apresentam oportunidades quero apresentar alguns dados sobre composição e concentração do principal índice da bolsa brasileira. O gráfico abaixo mostra a composição do Ibovespa por setores, conforme classificação da bolsa:
A partir dele conseguimos imaginar o quanto algumas empresas ou segmentos podem impactar na variação do índice. Os setores financeiro, de materiais básicos e de petróleo e combustíveis representam 60% da variação do índice. São 31 das 84 ações do Ibovespa (36%) que “explicam” a maior parte da sua variação.
Quando pensamos na alta da bolsa no ano, o setor de materiais básicos sozinho explica metade da alta. Quando olhamos os 3 maiores, são 73% da elevação no ano.
Olhando pelo lado da concentração, a tabela abaixo mostra o quanto as 10 maiores ações (que representam 9 empresas), possuem de participação no índice e o quanto impactaram na sua valorização em 2021:
Os números são estimativas, mas ajudam a ilustrar o ponto que quero mostrar. As 10 maiores ações possuem mais de 48% de participação, ou seja, a oscilação de 12% dos papéis do índice impacta em metade da sua variação. Afunilando ainda mais, dos pouco mais de 9% que a “bolsa” está subindo no ano, 4% vêm só de Vale!
Olhando somente esse top 10, existem ações caras, mas na minha opinião a maioria ainda apresenta oportunidades. Somente o crescimento de lucros que está sendo apresentado por algumas delas já justificaria valorizações futuras e, portanto, Ibovespa em alta. Não estou dizendo se A, B ou C são as boas ou ruins porque não é este o propósito do artigo. Tenho habilitação para fazer recomendações de investimentos, mas a ideia é pontuar muito mais um cenário macro.
Seguindo essa lógica, e retomando os gráficos acima, vemos que um setor em específico não só está não está ajudando, como ainda prejudica em uma alta mais robusta do Ibovespa. As empresas classificadas de consumo cíclico ainda estão deixando a desejar.
Por quê isso?
Como consumo cíclico temos empresas ligadas ao consumo (Magazine Luiza (SA:MGLU3), Via (SA:VVAR3), B2W (SA:BTOW3), Lojas Americanas (SA:LAME4), Lojas Renner (SA:LREN3), CVC (SA:CVCB3) e Hering (SA:HGTX3)), construtoras (Cyrela (SA:CYRE3), MRV (SA:MRVE3), Eztec (SA:EZTC3) e JHSF (SA:JHSF3)), locadoras de veículos (Localiza (SA:RENT3) e Unidas (SA:LCAM3)), além do setor de educação (Yduqs (SA:YDUQ3) e Cogna (SA:COGN3)). Olhando essa classificação, fica fácil perceber que se tratam de empresas extremamente ligadas ao mercado interno e dependentes de um desempenho robusto do Brasil.
As empresas citadas são apenas aquelas que fazem parte do Ibovespa. O universo de oportunidades, se bem explorado, é ainda maior.
Semana passada tivemos a divulgação do PIB brasileiro. Os dados superaram positivamente as estimativas do mercado, levando várias casas a reverem suas projeções para o ano. Com um PIB forte, empresas ligadas ao mercado interno são favorecidas.
O processo de vacinação no país, por mais que não seja perfeito, corrobora também com essas revisões. Diversos estados brasileiros divulgaram calendários que preveem a população inteira vacinada até o final do ano. Se voltarmos alguns meses, vamos lembrar que o esperado era que esse cenário se concretizasse somente em 2022. Novamente, poderia ser melhor, mas não deixa de ser um cenário positivo.
Com a população amplamente vacinada, podemos imaginar uma volta à vida normal, vide o que já acontece em nações cujo processo de vacinação está mais avançado. A volta da ampla circulação das pessoas tende a favorecer o mercado interno. Com o consumo em alta, temos lucros crescendo e, se o resultado melhora, a valorização da empresa fica mais fácil de acontecer.
“Então está tudo certo? Posso comprar qualquer empresa ligada ao mercado interno?”
Lógico que não.
O fato dessas empresas ainda estarem devendo não é garantia nenhuma de valorização. É aquela história, nada está tão caro que não possa ficar mais, nem tão barato que o preço deixe de cair. Além de cada empresa possuir a própria história, não podemos descartar efeitos mais fortes que prejudiquem todo mundo.
Um deles não deixa de ser uma potencial terceira onda de contaminação no país. Alguns indicadores mostram aumentos nas taxas de transmissão, bem como elevação na ocupação dos leitos de UTI. Como já temos uma parcela importante da população vacinada, uma eventual terceira onda poderia ter efeitos menores do que as anteriores, ainda assim haveria algum impacto na economia.
Outro aspecto que deve ser monitorado é a crise hídrica que o país enfrenta. A maior parte da energia gerada/consumida no Brasil vem de usinas hidrelétricas. Por mais que hajam outras fontes, a matriz brasileira de geração é muito concentrada, elevando o risco de potenciais apagões ou, na melhor das hipóteses, elevação dos custos de energia. Qualquer um dos cenários prejudicaria o desempenho do nosso PIB.
Enfim, as oportunidades existem, bem como os desafios. Fazendo bem o dever de casa, as possibilidades de acerto aumentam. Investimento não é ciência de foguete, mas também não é jogo jogado. Se alguém disser que é fácil, que sabe a fórmula mágica, fique atento. Abraço e até o próximo!