As visões de que a economia americana terá um “pouso suave” estão começando a predominar. Não, o cenário-base do mercado de títulos não é de uma recessão, é de desinflação. Uma previsão certa nesse sentido pode fazer toda a diferença no resultado da carteira em 2023.
Neste artigo, abordaremos:
- os diferentes ângulos dos mercados de ações e títulos, a fim de avaliar quais são as probabilidade implícitas de mercado para uma recessão ou um “pouso suave”;
- como deve ser a abordagem do investimento macro nesse ambiente binário.
O mercado de títulos
“O mercado de títulos está precificando 200 pontos-base de cortes e, portanto, considera que a probabilidade de uma recessão é de 100%!”.
Não, de forma alguma.
O cenário-base do mercado de títulos é de desinflação. Permita-me explicar por quê. A maior parte da confusão deriva de uma abordagem excessivamente simplista.
Em cenários de recessão, nos últimos 30 anos, o Fed cortou os juros, em média, em 350 pb ao longo de 18 meses.
O mercado de títulos está precificando um corte de 200 pb entre junho de 2023 e dezembro de 2024, fazendo com que seu cenário-base (60%) seja de recessão.
Essa análise simplista está gerando equívocos, na medida em que ignora o seguinte:
- O ponto de pouso final dos juros básicos (Fed Funds) e das taxas reais;
- O mercado de crédito;
- Os efeitos de cauda.
Vamos começar com um gráfico claro.
Os Fed Funds estão precificando um pico em cerca de 5% no verão, com expectativa de cortes de 200 pb posteriormente. Mesmo assim, não há sinais de que os Fed Funds ficaram abaixo de estimativas razoáveis de uma taxa neutra (2,25-2,75% em termos nominais) nos próximos 2-5 anos.
Essa seria a primeira vez em que os EUA entrariam em uma recessão e o Fed não levaria os juros abaixo da taxa neutra. Não faz muito sentido, certo?
De fato, o cenário-base do mercado de títulos não é uma recessão: é uma desinflação.
Isso também fica evidente na trajetória esperada das taxas reais, que compara as expectativas para os Fed Funds (ver acima) com as expectativas de inflação.
Em todos os episódios de recessão ou desaceleração do crescimento nos últimos 15 anos, os Fed Funds de 2 anos à frente estavam precificando cortes de 100 e 200 pb.
Esse era o mercado de títulos pedindo que o Fed adotasse uma postura bastante acomodatícia, em vista do baixo crescimento. Desta vez, as taxas reais implícitas de mercado dos EUA em 2025 registram precificação positiva!
Novamente, isso não se coaduna com o mantra: “o mercado de títulos está precificando uma recessão”.
A inflação está desacelerando para 2,5% rapidamente, e a previsão de cortes do Fed para a taxa neutra (e nunca abaixo dela) não indica a precificação de uma recessão.
É a precificação de uma desinflação. O mercado de crédito concorda com isso: a recessão não é o seu cenário-base.
Os spreads de crédito de alto rendimento nos EUA estão levemente acima de 400 pb, abaixo da média de 20 anos, e longe da mediana dos episódios recessivos (1000 pb).
Além disso, há uma precificação muito leve do ciclo de “default”, e a proteção de queda no mercado de crédito não está tão cara quanto estaria se uma recessão fosse o cenário-base.
Por fim, os efeitos de cauda. O seguro fica muito caro quando um imóvel já está pegando fogo em um incêndio. Portanto, contra quais riscos de cauda os mercados estão tentando se proteger com seguro em dezembro de 2024?
O mercado está vendo uma recessão com o Fed cortando os juros abaixo da taxa neutra (digamos, para 1.5% - linha laranja) ou segurando as taxas elevadas por mais tempo (digamos, Fed Funds acima de 4% - linha azul)?
Usando o horizonte temporal de 2 anos e as probabilidade implícitas das opções, o seguro contra a manutenção das taxas elevadas pelo Fed por mais tempo é mais caro do que o seguro contra cortes de juros pelo Fed em uma magnitude consistente com uma recessão.
O cenário-base do mercado de títulos não é uma recessão, é de desinflação.
Um mercado de crédito tranquilo, a inflação caindo rapidamente para 2%, o Fed cortando as taxas de volta o nível neutro, expectativa de as taxas reais futuras ficarem em território positivo e a falta de uma oferta de seguros agressiva para cortes recessivos apontam nessa direção.
- Recessão: probabilidade de 20-25%
- Desinflação: probabilidade de 45-50%
- Regime de crescimento/taxas maiores por mais tempo: probabilidade de 30%
O mercado acionário - “Pouso suave”
O cenário-base do mercado acionário rapidamente mudou para um “pouso suave”. Os três principais ângulos de abordagem são:
- Expectativas de resultados;
- Aspectos internos dos mercados acionários;
- Os efeitos de cauda.
Primeiro, o viés mais recessivo. Os analistas estão percebendo que as estimativas de LPA para 2023 podem ter sido muito otimistas.
O ritmo e a amplitude das revisões negativas se alinham com outros episódios de recessão.
Além disso, setores altamente cíclicos, como o de semicondutores, estão registrando cortes de LPA ao redor de 30%, que são quase consistentes com uma recessão.
Mesmo assim, o consenso para o LPA de 2023 de US$ 225 implica um crescimento de quase 4% nos resultados para este ano.
Em episódios recessivos, o declínio médio do LPA é de 30%.
A reabertura chinesa está obviamente tendo um papel importante em melhorar as expectativas de crescimento cíclico global.
Países com estreitas relações comerciais com a China, com Alemanha ou Austrália, tiveram melhor desempenho em termos ajustados para o risco.
No âmbito setorial, as ações de semicondutores nos EUA e de beta elevado foram as “queridinhas” do mercado, enquanto os setores defensivos, como consumo básico e utilidade pública, estão ficando para trás.
E o que dizer dos efeitos de cauda?
Se os mercados estivessem realmente preocupados com uma recessão nos resultados e juros elevados por mais tempo, seria sensato esperar uma demanda maior por opções de put fora do dinheiro.
Mas, dada a ausência de riscos de salto em 2022, da forte memória de “put do Fed” e das expectativas de resultados fracos, porém não em território recessivo, a proteção contra a queda do S&P 500 encontra-se em seu menor patamar em dois anos.
A volatilidade implícita de 20% para as puts do SPX fora do dinheiro e com vencimento em três meses encontra-se em seu menor 15º percentil em um histórico de dois anos (gráfico abaixo) e no menor 40º percentil em um histórico de cinco anos.
O cenário-base do mercado acionário é que uma recessão ampla será evitada, já que a queda das ações de crescimento está formando fundo (inclusive por conta da China) e dado o fato de que já passamos pelo pico do aperto do Fed.
Está havendo uma revisão para baixo nos resultados, mas o LPA deve crescer, o que é inconsistente com uma recessão.
A precificação de um impulso do crescimento cíclico está crescendo, e o desempenho de setores e países cíclicos está superando os setores defensivos.
Por fim, o mercado de opções mostra que os investidores não estão demonstrando muito apetite para a compra de proteção em caso de queda.
- Recessão: probabilidade de 15-20%
- Pouso suave: probabilidade de 60-70%
- Regime de crescimento: probabilidade de 15-20%
Conclusão
Nem o mercado de títulos nem o mercado acionário estão precificando uma recessão como o cenário mais provável.
O cenário-base é de desinflação, levando a um período de crescimento abaixo da tendência.
Como os investidores devem navegar esse cenário macro binário, com uma força de atração gravitacional (desaceleração do crescimento nominal) em oposição à força de impulso cíclico (reabertura chinesa)?
As três práticas mais recomendadas são:
- Confiar no processo macro baseado em dados e não ficar preso em uma narrativa, se os dados não a validarem;
- Usar episódios de extrema convicção do mercado na prevalência da dinâmica de atração e repulsão, a fim de tirar vantagem das oportunidades macro;
- Realizar alocações em investimentos com expectativa de valor positivo em ambos os resultados ou exposição a classes de ativos idiossincráticas, cujo perfil de retorno não depende unicamente desse cenário macro binário.