Este artigo foi escrito exclusivamente para o Investing.com
Por que o mercado acionário caiu com tanta violência na quinta-feira, após a forte disparada de quarta-feira?
A matemática dos títulos públicos pode ajudar a responder a essa pergunta.
Uma ação pode ser considerada como um título perpétuo que paga um dividendo crescente com o tempo e é descontado a uma taxa real de juros. (Obviamente, essa interpretação enfrenta dificuldades quando pensamos em empresas que não pagam dividendos; por isso, com frequência prestamos atenção nos seus resultados. A seguir, usarei a série da Bloomberg para o LPA dos últimos 12 meses antes de itens extraordinários).
Essa é uma das razões pelas quais existe uma clara relação ao longo do tempo entre os múltiplos das ações e as taxas de juros. Em momentos de juros altos, resultados distantes valem menos em dólares correntes, o que faz com que os preços atuais sejam mais baixos, ao passo que, em momentos de juros baixos, esses resultados distantes valem mais, e os preços atuais tendem a ser mais elevados.
[Uma observação: isso não significa que múltiplos elevados estejam corretos por conta dos juros muito baixos, mas somente que os juros baixos explicam os múltiplos elevados. Se os juros estiverem artificialmente baixos, é preciso considerar que os juros de equilíbrio sejam maiores, daí os múltiplos de equilíbrio serem menores. Por isso, a questão envolve apenas o tempo necessário para se chegar a esse equilíbrio. É por isso que a declaração do presidente do Fed de Minneapolis, Neel Kashkari, na sexta-feira, de que os juros reais de longo prazo estariam perto do nível neutro, é tão importante quanto absurda. Se os juros reais de longo prazo estiverem perto do nível neutro, não há por que esperar uma reversão à média nos múltiplos das ações. Mas se trata de uma declaração tola.]
O gráfico abaixo mostra o índice S&P 500 em azul. A série interessante está em vermelho. Nessa série, criei um título fictício de 30 anos cujo cupom é o LPA atual do S&P, uma quantia principal que aumenta com o índice de preços ao consumidor (IPC) e um rendimento até o vencimento do atual retorno dos resultados mais o rendimento atual das notas TIPS de 30 anos. Pense nisso como uma espécie de título TIPS que paga os resultados atuais do mercado acionário.
Ambas as séries estão indexadas a dezembro de 2002 como 100. É possível perceber que essa série consegue rastrear bem o mercado acionário como um todo.
Não use isso como um modelo de valor justo: na verdade, a construção é um pouco circular, na medida em que parte da taxa de desconto do meu título é o retorno atual dos resultados, que, evidentemente, precisam do preço atual do SPX. Mas, para o meu exemplo, não é importante que essa medida de valor justo seja rigorosamente precisa, mas somente que ela descreva a direção e a magnitude aproximada das mudanças no valor justo, pois o que eu quero observar é o efeito das mudanças nas taxas de juros reais no valor do mercado acionário.
Após essa grande advertência, é possível constatar que o recente declínio no mercado acionário está em linha – ainda que de forma não tão acentuada – com o movimento sugerido pela alta dos juros reais de 30 anos. Portanto, se você está achando que a atual liquidação já deu no que tinha que dar, talvez seja melhor comprar TIPS de longo prazo do que ações.
Por outro lado, se se trata de um retorno a um equilíbrio de longo prazo – o que não vemos há muitos anos, pelo menos desde que o Fed começou a injetar volumes enormes de liquidez no mercado e na economia durante a crise financeira global –, tudo leva a crer que podemos ver, em breve, mais um declínio significativo. O ponto verde é onde estaria o nível do modelo, se a TIPS de 30 anos realmente estivesse em um nível de equilíbrio de longo prazo de 2,25% ou mais. (Para fins de registro, o rendimento médio no final do mês da TIPS de 30 anos de 2002-2007 foi de 2,31%, e há boas razões para que esse rendimento esteja próximo do potencial de crescimento real de longo prazo da economia.)
O ponto verde sugere outro declínio potencial de 17%, o que não quer dizer que isso ocorrerá imediatamente, mas à medida que os juros reais forem crescendo.
Minha primeira conclusão é que o declínio das ações até agora é bastante razoável e, a menos que haja sinais de que os rendimentos reais estejam prestes a cair novamente de forma acentuada ou que possa ocorrer em breve um grande aumento (não descontado) no crescimento, é difícil vislumbrar a possibilidade de um rali agressivo no mercado de ações.
Um comentário sobre a volatilidade. Não só as ações estão vulneráveis a um recuo, à medida que os juros reais retornam ao nível de equilíbrio, mas também é importante perceber o efeito dos juros baixos sobre a volatilidade em si. Isso nos faz voltar à matemática da renda fixa: quanto menor o rendimento, maior é a duração de determinado título, pois o fluxo de caixa terminal se torna cada vez mais importante, haja vista que seu valor presente aumenta (taxas de juros mais baixas significam menos desconto de fluxos de caixa distantes) e esse fluxo de caixa terminal ganha uma proporção maior nos fluxos de caixa totais quando os cupons caem.
Abaixo apresentamos como se comportou a duração modificada da TIPS de 30 anos nas últimas duas décadas, à medida que as taxas de juros caíam. As TIPS hoje estão 33% mais voláteis do que em 2002.
A próxima semana nos trará o último filho favorito dos observadores de dados: o IPC. As estimativas consensuais para o núcleo do IPC são de +0,4% e, para o IPC geral, de apenas +0,2%. Os números ano/ano irão cair drasticamente, provavelmente criando uma grande fanfarra.
Dando um passo atrás...
É bem provável que já tenhamos visto a máxima do IPC deste ano e possivelmente do ciclo. Mas, como ressaltei na semana passada, existe uma enorme “energia potencial” na quantidade de dinheiro que ainda circula pela economia. O IPC a/a cairá por razões mecânicas, porque estamos saindo de números extremamente elevados em relação ao ano passado.
Mas não estou tão convicto de que os números mensais da inflação básica serão tão amenos quanto projeta o consenso. Não surpreende a previsão de queda da inflação dos carros usados, tanto pelos efeitos de base quanto pelo fato de que o preço real desses veículos se afastou um pouco das máximas.
As pessoas que esperam ver um declínio na taxa a/a de inflação de carros usados estão certas. As pessoas que esperam ver um recuo dos preços dos carros usados até o nível pré-Covid estão erradas.
Além dos carros usados, deve haver uma leve desaceleração na inflação de produtos básicos. A valorização do dólar eventualmente se traduzirá em uma inflação menor dos bens, embora eu não tenha certeza de que ainda veremos um impacto. No entanto, é muito difícil ficar animado com esses fatores, quando a inflação dos aluguéis continua acelerando e representa um gorila de meia tonelada no relatório.
Cabe ressaltar ainda que a inflação continua bastante disseminada. Nunca se tratou apenas do IPC de carros usados, e agora não é diferente. O preço de tudo está subindo. Se o impulso inflacionário está perdendo vigor, o que se deve observar não é a mudança na taxa ano/ano, mas a proporção da cesta de consumo que está inflando rapidamente, e é nisso que me concentrarei.
Michael Ashton, às vezes conhecido como The Inflation Guy (O Cara da Inflação), é diretor executivo da Enduring Investments, LLC. Ele é um dos pioneiros nos mercados de inflação, com expertise em defender o patrimônio contra os ataques da inflação, sobre a qual discute em seu podcast bimestral Cents and Sensibility.