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Prêmio de Risco: Conversa de CIO de um family office

Publicado 20.06.2022, 15:44

Há umas duas semanas, conversei com o CIO de um dos maiores multi family offices do Brasil. Por razões diferentes e caminhos aleatórios, mas de algum modo coincidentes, nos apoiamos num referencial teórico semelhante. A essência da conversa me pareceu útil a qualquer investidor, de tal modo que resolvi dividi-la aqui.
 
A rigor, sua real compreensão é em grande medida transformadora. Ela é menos heroica e atraente, mas certamente bastante efetiva. É assim que se administram as fortunas de algumas das famílias mais ricas do Brasil.
 
Vamos lá…
 
Se você me dissesse que a inédita vitória da esquerda na Colômbia é um indicador do que pode vir a acontecer no Brasil, de tal modo que deveríamos nos preparar para a eleição de Lula, eu falaria que você tem um bom ponto.
 
Se, por outro lado, você desqualificasse essa relação, vendo situações bastante distintas, e identificasse um provável crescimento do presidente Jair Bolsonaro até as eleições, dada a posição privilegiada de quem ocupa a cadeira e uma possível maior rejeição a Lula até o pleito, eu também falaria que seus argumentos são bons.
 
Se o assunto fosse outro e você cravasse uma iminente recessão nos EUA, com consequências importantes para os preços dos ativos, eu possivelmente concordaria, citando a História em seu favor.
 
Já se você identificasse nuances no processo, com um mercado de trabalho muito forte por lá e uma inflação cedendo bastante a partir da normalização da oferta agregada, eu também concordaria que desta vez pode ser diferente.
 
Se o papo migrasse para bolsa norte-americana e meu interlocutor sugerisse a compra de boas empresas a preços já atraentes por lá, citando o espetacular histórico de longo prazo do S&P 500, seria razoável partilhar visão semelhante.
 
Ao mesmo tempo, se houvesse um alerta, como o feito hoje por Seth Klarman, de que precisaríamos de quedas adicionais para a Bolsa dos EUA ficar de fato barata num cenário de recessão e juros subindo, eu respeitaria fortemente.
 
Por fim, se tivéssemos uma defesa enfática de compra de bolsa brasileira, em valuations muito atrativos, mais baratos inclusive do que na crise de 2014/15 (a maior recessão da nossa história), e representativa de ativos reais (ou seja, protegidos da inflação por serem pedaços de empresas), certamente seria difícil discordar.
 
Mas também se fosse falado sobre a necessidade de se ter mais cautela, diante da probabilidade elevada de recessão nos EUA e de um fluxo perverso de saques na indústria de fundos de ações, que implica vendas compulsórias adicionais num ambiente de pouco comprador marginal, seria inegável haver pontos bons aí.
 
Seja em qual for o mercado ou o ativo financeiro, a questão central é que é sempre muito difícil antever o que vai acontecer. A realidade é não-ergódica, ela não cabe numa planilha de Excel ou num modelo econométrico, por mais sofisticado que ele seja. Mesmo o sujeito mais analítico e diligente não poderia acessar o futuro e trazê-lo ao presente. Ele insiste em ficar lá, no futuro. É um elemento ontológico: o futuro não existe ainda. Depende da maré das circunstâncias e da evolução até lá.
 
Como o mercado é muito eficiente, há argumentos bons de todo lado. E onde você está vendo um retorno esperado alto ou uma possível arbitragem, normalmente existe um prêmio de risco. Aquele ativo só pode se multiplicar por X vezes (como, em várias situações, de fato pode) porque o risco associado é enorme. A decisão de comprá-lo ou vendê-lo não é certa nem errada, ela apenas reflete uma escolha, em que você se apropria de determinadas características (alto retorno potencial, por exemplo) e abre mão de outras (como a segurança).
 
Em determinado momento de nossa conversa, como não poderia deixar de ser, perguntei a visão dele sobre mercado. Tive algo assim como resposta, como também não poderia deixar de ser:
 
“Felipe, até estamos mais construtivos com o Brasil, mas a verdade é que sempre evitamos avaliações muito contundentes sobre o mercado. Isso importa muito pouco. E as pessoas costumam errar mais do que gostam de admitir. A gente espalha os investimentos por vários fatores de risco, em várias geografias e vetores. É isso que faz a riqueza ao longo do tempo, sem muita flutuação, ajustado por risco, acumulando patrimônio em moeda forte. E quando essa turma dos endowments grandes, tipo Stanford, Harvard, Yale, descobre que, sei lá, temos 10% ou 15% das famílias alocados no Brasil, eles acham uma loucura. Nada contra o Brasil, aliás. Mas eles perguntam o que a gente está vendo de tão atraente no Brasil para ter tanto peso assim no nosso país.”
 
Constatei o óbvio:
 
“Um grande modelo multifatorial, para se apropriar, na média, dos vários prêmios de risco espalhados pelo mundo ao longo do tempo.”
 
“Sim, é isso.”
 
De fato, não é muito sexy. Não rende história para contar para o cunhado, nem permite promoções perante o grupo na macarronada de domingo. Mas é bastante efetivo. Enquanto procuramos heróis para nos dar a dica esperta, as famílias mais ricas do mundo escolhem investimentos sabendo que não há dica alguma. Existem prêmios de risco e cabe ao investidor se aproveitar deles de uma maneira disciplinada, serena, diversificada e com olhar de longo prazo. Parece pouca coisa, mas é o melhor a se fazer.

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