O grande evento da semana é a reunião do COPOM, em que será debatido um provável aumento em nossa taxa básica de Juros, a taxa SELIC. O que ainda não se sabe, até o momento em que escrevo esse artigo, é de quanto será esse aumento. O mercado especula que esse aumento será de no mínimo 0,25% a.a., mas que poderia chegar em até 0,75% a.a. Além disso, é muito provável que esse viés de alta esteja apenas começando.
Com os dados de inflação divulgados recentemente, o IPCA de Fevereiro ficou em 0,86%, elevando o indicador nos últimos 12 meses para 5,20%. Fica clara a necessidade de um aumento na SELIC, até porque sabemos que outros índices que medem a inflação apontam aumentos nos preços ainda maiores. O próprio IGP-M já acumula alta de quase 30% em doze meses.
Desde que o país passou a ter juros reais negativos, o que verificamos foi uma massiva saída de capital do país e, aliado a fatores como risco político e um agravamento da crise sanitária do coronavírus, faz o dólar bater novos recordes a cada semana.
E assim se desencadeia um ciclo nocivo para o brasileiro: quando o dólar sobe, a inflação também sobe, e quanto mais ela sobe, mais o juro real fica negativo, e mais dólares saem daqui… e assim sucessivamente. A alta da SELIC chega como um príncipe no cavalo branco para domar o dragão da inflação.
Mas como esse movimento de alta nos juros pode impactar nos preços das ações no médio e longo prazo? Existem alguns setores que podem se beneficiar mais do que outros? Existe algum motivo para o investidor se preocupar?
JUROS BAIXOS, VALUATIONS ALTOS…
Para fazer essa análise, é importante entender a dinâmica da precificação de ativos. Seguindo os modelos tradicionais, a metodologia mais conhecida é a de Fluxo de Caixa Descontado, em que projetamos os resultados futuros das empresas e trazemos esse resultado a valor presente, descontados por uma taxa de desconto, que normalmente é a taxa básica de juros.
Em resumo: quanto menor a taxa de desconto (taxa básica de juros), maior se torna o valor justo das empresas. Caso essas empresas sejam empresas de tecnologia e suas projeções se retorno sejam ainda mais distantes, maior será o impacto nesse valor justo.
Como você já deve saber, a crise do Coronavírus levou os Bancos Centrais do mundo inteiro a reduzirem suas taxas de juros a níveis muito baixos, inclusive o Brasil. Junto desse fato, no último ano observamos mudanças estruturais na economia global, com as empresas ligadas ao “fique em casa” sendo diretamente beneficiadas, como por exemplo as empresas de tecnologia e e-commerce, que fazem parte do grupo de empresas de crescimento (growth investing).
A tríade juros baixos, excesso de liquidez e lockdown levaram essas empresas às alturas.
Enquanto isso, as empresas cíclicas, também chamadas recentemente de empresas da “velha economia”, sofreram bastante. Um grande exemplo disso são os bancos, as empresas de varejo e as petrolíferas, também conhecidas como empresas de valor (value investing).
… E VICE-VERSA!
Acontece que alguns desses fatores começam a chegar em um ponto de inflexão, e verificamos que esses polos começam a se inverter. Estou falando do aumento das taxas de juros.
Para fins de observação, podemos acompanhar o que vem acontecendo no mercado americano. Desde o final de 2020, os Treasures (títulos do governo dos EUA) com vencimento de 10 anos, têm subido de forma acelerada, chegando a 1,6% a.a. essa semana. Quase três vezes mais do que seu ponto mais baixo, de 0,5% a.a., em maio de 2020.
Com o aumento desses títulos, cresce o custo de oportunidade em cima de investimentos que não pagam algum tipo de yield, como por exemplo o Ouro. Isso explica inclusive o desempenho negativo recente do metal precioso.
Entretanto, o ponto chave aqui foram as consequências no mercado de ações com o início desse movimento nos juros. Ações de tecnologia passaram e despencar, enquanto que as ações de empresas cíclicas e de valor voltaram a ser lembradas pelos investidores.
Abaixo segue gráfico da correlação entre o desempenho das empresas de Value com relação às empresas de Growth, com grande inversão ao final de 2020. Esse movimento é chamado pelos analistas de mercado como um movimento de “Rotação” entre os setores do S&P 500.
O fato se explica porque quando os juros se elevam, as taxas de desconto também precisam ser ajustadas nos valuations das empresas. E quanto mais longa é essa projeção futura de retornos, mais significativo (e negativo) será o impacto da alta dos juros no valor justo dessas companhias.
De qualquer maneira, cabe salientar que movimentos que apontam essa rotação têm se mostrado apenas movimentos de curto prazo no mercado americano. Desde 2008, as empresas de Growth ultrapassaram as de Value em termos de retorno ao investidor, mas essa relação se acentuou ainda mais em 2017.
Abaixo vemos um comparativo do desempenho do índice RLV (Empresas de Valor) com relação ao desempenho do índice RLG (Empresas de Crescimento). Uma prova de que essa predição dos investidores é muito mais estrutural do que momentânea.
E NO BRASIL?
É muito provável que, com o viés de alta da SELIC, as empresas ditas como cíclicas voltem a ser lembradas. Faz muito tempo que os bancos, por exemplo, vêm negociando a múltiplos extremamente atrativos, enquanto que algumas empresas de varejo estão sendo precificadas como se o mundo fosse acabar e ninguém mais fosse sair de casa para fazer compras.
Uma ressalva importante que preciso fazer é que, embora eu tenha trazido o exemplo norte-americano, precisamos adaptar à realidade brasileira. Infelizmente não possuímos no Ibovespa a quantidade de empresas de tecnologia que existem lá fora (não chegamos nem perto, na verdade…), e nossa matriz econômica é muito voltado à produção de commodities.
Além disso, estamos em descompasso com o resto do mundo com relação à abertura da atividade econômica. A verdade é que estamos no caminho inverso, com restrições cada vez maiores devido ao agravamento da pandemia.
De toda forma, precisamos ter consciência que de fato existe uma mudança estrutural em curso na nossa civilização, e o Brasil faz parte dela. Um mundo cada vez mais digital e tecnológico. E isso precisa ser levado em consideração na composição do seu portfólio.
Mas também o investidor precisa ter em mente que o mercado sempre se moverá em ciclos, e agora, com o início do ciclo dos juros, precisará se posicionar de forma a aproveitar esse movimento.
Não se esqueça que não é o mais forte, nem o mais inteligente que sobrevive, mas sim aquele que se adapta melhor às mudanças.
Te espero no próximo artigo!