Tudo indicava que as preces dos investidores do ouro haviam sido atendidas quando o metal precioso finalmente atingiu US$2000 por onça há duas semanas, encerrando 19 longos meses de espera para recapturar o patamar, visto pela última vez durante a crise da Covid-19.
Agora, pode ser que precisem aguardar mais dois meses, ou até mais, para que o lingote volte a testar esse nível de preços.
Isso se deve à disposição demonstrada pelos banqueiros do Federal Reserve, a começar pelo presidente Jerome Powell, de realizar a mais agressiva alta de juros nos EUA em duas décadas para combater a inflação, que sobe ao seu ritmo mais acelerado em 40 anos.
O ouro vem respondendo lentamente à rigidez cada vez maior do Fed, caindo desde o pico de 8 de março de US$2.078,80 no mercado futuro da Comex de Nova York até abaixo de US$1920 durante a janela asiática de negociações desta quarta-feira.
Para quem duvida das nuvens negras formando-se sobre o metal amarelo, bastante dar uma olhada na nota de 10 anos do Tesouro americano, que ganhou vigor nos últimos dias e segue em direção às máximas vistas pela última vez em maio de 2019. Os caminhos opostos seguidos pelos rendimentos das treasuries e o ouro são bastante conhecidos.
Gráficos: cortesia de skcharting.com
A nota de 10 anos afundou brevemente após a primeira alta de juros de apenas 25 pontos-base feita pelo Fed na era da pandemia há uma semana. E permaneceu em baixa até que, de repente, Powell subiu a marcha da investida do banco central para combater a inflação.
Em um discurso proferido na Associação Nacional de Economia Empresarial, em Washington, na segunda-feira, Powell apagou palavras como "paciente” e “ágil” do seu vocabulário de política monetária e inseriu termos como “rapidamente” e “mais agressivamente” para descrever as altas de juros.
O tema central para Powell e os formuladores da política monetária do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) é um aumento de 50 pontos-base que, segundo o Goldman Sachs, pode acontecer tanto na reunião de maio quanto de junho. A previsão é que haja seis reuniões de política monetária até o fim do ano, sendo que em cada uma delas pode haver uma alta de juros, afirmou Powell.
O mais sintomático é que, quando perguntado sobre o que poderia dissuadir o Fed de aprovar uma alta de juros de 50 pontos-base daqui para frente, o presidente do banco central americano respondeu: “Nada”.
Trata-se de um giro de 180º graus para um presidente que, há apenas duas semanas, parecia ingenuamente preocupado com a economia em meio aos efeitos do conflito russo-ucraniano. A última vez em que Powell realizou tamanha reversão em seu discurso foi quando repentinamente parou de qualificar a inflação como “transitória” no fim do ano passado, depois de passar meses subestimando as pressões de preço.
Não é de surpreender que, finalmente, esteja caindo a ficha do presidente do Fed para essas mesmas pressões de preço.
A economia dos EUA cresceu 5,7% no ano passado, seu ritmo mais rápido desde 1984. Mas a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), subiu ainda mais rápido, expandindo-se 7% em 2021, maior taxa desde 1981. Desde então, o IPC continuou furando o teto da meta, expandindo-se 7,5% a/a em janeiro e 7,9% a/a em fevereiro.
O mais surpreendente de tudo, como ressalta Craig Erlam, analista da plataforma online de negociação OANDA, é a preparação dos investidores para juros de 2% até o fim do ano.
“Trata-se de um incrível e agressivo ciclo de aperto que exigiria pelo menos uma alta de 50 pontos-base em uma reunião, algo que não vemos há mais de 20 anos”, declarou Erlam.
Refletindo essa determinação dos investidores do mercado acionário – que disparou em cinco dos últimos seis pregões, concedendo ao S&P 500 um ganho líquido de um pouco mais de 4% –, as ações dos bancos passaram a subir, em sua maioria, diante do regime de juros mais elevados.
Com a combinação de um Fed super-rígido e um super “bull market”, existe alguma chance para o ouro, considerando que ele geralmente prospera em ambientes de temor político e econômico?
E para onde o ouro pode ir até abril, maio e junho, considerando a previsão do Goldman Sachs (NYSE:GS) de duas altas de 50 pontos-base?
A resposta lógica seria US$1800 ou até menos, e não estamos exagerando, disse Sunil Kumar Dixit, analista técnico do site skcharting.com.
Tomando como base o preço à vista do lingote, que estava a US$1919 no momento em que escrevo, Dixit disse que a trajetória de queda do ouro foi estabelecida após a rejeição do pico de US$2070 e o deslize subsequente por três semanas consecutivas.
A persistente relutância dos investidores do ouro em dar prosseguimento à tendência de alta deve-se, em parte, a uma possível formação de topo duplo em US$2074 e 2070, claramente visível nos gráficos mensal e semanal do ouro físico, disse ele.
“A perda de US$1895, pode fazer o ouro testar a região de 1850-1825, referente à confluência da média móvel exponencial de 50 períodos e a média móvel simples de 100 períodos no gráfico semanal”, explicou Dixit.
A leitura sobrevendida do estocástico de 14/17 no gráfico diário pode fornecer suporte no curto prazo até 1935-1955. A manutenção desse patamar pode levar a uma recuperação maior até 1985-2010.
Mas, se assim desejarem, os investidores do ouro podem encarar a correção de curto prazo como uma oportunidade de compra com um significativo desconto, o que pode não ser possível garantir se as consequências da guerra na Ucrânia e seu impacto geopolítico e econômico se mostrarem mais relevantes do que qualquer aumento de juros do Fed.
Nesse cenário, o ouro poderia se firmar no território de US$ 2.000 a partir de meados de junho para quebrar os recordes de agosto de 2020 de US$ 2.121,70 no mercado futuro da COMEX de Nova York e US$ 2.073,41 no ouro à vista.
“Se o ouro afundar agora para US$ 1.825 e até US$ 1.800, pode ser que esta seja a última chamada de embarque para a próxima grande pernada de alta, com alvos iniciais a US$ 2.150 e US$ 2.500 nos próximos dois trimestres”, disse Dixit.
Aviso de isenção: Barani Krishnan utiliza diversas visões além da sua para dar diversidade às suas análises de mercado. A bem da neutralidade, ele por vezes apresenta visões e variáveis de mercado contrárias. O analista não possui posições nos ativos e commodities sobre os quais escreve.