Num texto recente, discuti teses de investimento sobre quem capturará valor: as plataformas ou os aplicativos. Essa coluna de hoje pode ser encarada como um prosseguimento desse texto do dia 08/08/2018. Enquanto afirmei que essas teses costumam ser importantes para orientar portfólios mais simplificados, fazer apostas críveis sobre qual tese será a vencedora não é uma tarefa fácil. Por exemplo, não é arriscado afirmar que as diversas plataformas – Ethereum, NEO, EOS, Tron, VeChain– capturam quantidades diferentes de valor de um mesmo aplicativo descentralizado lançado em suas blockchains.
Isso se dá por uma série de fatores de design que modificam os custos de um mesmo DApp em sua implementação de diferentes blockchains. Para um smart contract ser executado há o pagamento de uma taxa de processamento, chamada simplesmente de Gas. A precificação dessa taxa costuma variar muito entre plataformas e, com a volatilidade do preço dos criptoativos, também varia ao longo do tempo para uma mesma plataforma. O problema é que, como todo custo, isso pode ser um inviabilizador de atividades naquela blockchain.
Fato é: a volatilidade do preço dos criptoativos e tokens é um impeditivo para o surgimento de aplicações úteis em blockchains. Nesse caso, a discussão sobre quem reservará valor pode ser um pouco apressada, porque não há partilha de valor entre plataformas e aplicativos se não houver aplicativos. De uma perspectiva empírica, portanto, não há como apontar tendências sobre qual tese faz mais sentido para uma plataforma sem observar estabilização em seus preços. Tudo que vemos agora é incipiente e não há como inferir dos dados se alguma tese de investimento faz sentido em particular.
Há três perguntas que devem ser respondidas positivamente para acreditar que um criptoativo voltado para aplicativos descentralizados poderá ter grande valor. A primeira é se seu preço está estável. A segunda é se o preço de sua execução de Smart Contracts (Gas) é estável. A terceira, finalmente, é se a existência do DApp incentiva negociações massivas do token a ponto de ter alguma pressão comprante constante que segure o valor da moeda.
A primeira pergunta é algo fácil de responder: a volatilidade de preços continua altíssima para a maioria das plataformas, inclusive a maior de todos, a Ethereum. Isso por si já inviabiliza o aumento do valor causado por aplicativos no curto prazo. A segunda pergunta é mais capciosa: a volatilidade do Gas é função da variação do preço dos criptoativos ou seu cálculo é deficiente? Se for o primeiro caso, quando a primeira questão for resolvida, a plataforma estará mais próxima de ter aplicativos descentralizados úteis; se for o segundo, ainda haverá um gargalo fundamental para se resolver.
Num exemplo prático, a Ethereum terá uma atualização dia 8 de outubro relacionada a essa questão. Crê-se improvável que haja as tão esperadas mudanças que ajudam a resolver o problema da escalabilidade (Casper e Sharding), porém haverá foco na máquina virtual e seus custos de Gas. Espera-se que com as mudanças haja alguma redução nas taxas para rodar aplicativos descentralizados. Apesar de desanimador se comparado a resolver a escalabilidade, essa mudança encara um problema latente para muitos desenvolvedores na hora de escolher uma plataforma. Nessa atualização, Constantinople, também haverá outras mudanças relacionadas a clients e possíveis tecnologias off-chain. Nos próximos textos falarei sobre possíveis mudanças na Ethereum em maior detalhe.
A terceira pergunta, no momento, segue sem resposta. Tentar inferir algo dos dados de preço e uso das blockchains é infrutífero considerando a ausência de resposta para os problemas de volatilidade e de precificação de Gas dos criptoativos. A verdade é que, de uma perspectiva empírica, nada sabemos sobre as plataformas de criptoativos além de que elas encaram problemas de escalabilidade e que, aparentemente, Decentralized Proof-of-Stake (da EOS e Tron) é a única tecnologia atual resolvendo essa questão. Em resumo, sabemos muito pouco sobre como será a criptoeconomia de aplicativos descentralizados uma vez que os problemas técnicos sejam dirimidos.
Concluo dizendo que esse texto pode soar pessimista para investidores mais avessos ao risco, porém essa seria uma conclusão algo equivocada. As plataformas são uma categoria a parte com muita heterogeneidade em seu design. Algumas, como a Ethereum, rodam sobre um único token. Outras, como a NEO, possuem dois tokens, um de origem (o NEO) que gera um segundo token (chamado de Gas) usado em seus DApps. Isso certamente altera a capacidade de capturar valor para ambas. Um portfólio diversificado de plataformas continua sendo interessante se houver expectativas de redução de volatilidade do mercado de criptoativos e se o Gas não for proibitivo. Usar essas variáveis pode orientar, portanto, os investimentos dos interessados em criar um portfólio de plataformas.