O ano de 2022 foi um ano difícil para as criptomoedas, assim como para diversos outros investimentos. O Bitcoin caiu de cerca de 64 mil dólares para cerca de 17 mil dólares, o que representa uma diminuição de 73% no valor desta criptomoeda. Já o Etherium, segunda criptomoeda mais popular, caiu de cerca de 4.600 dólares para cerca de 1.200, uma diminuição de 74%, bem próxima à queda do Bitcoin. Além dessas moedas, diversas altcoins tiveram quedas ainda maiores: Dogecoin teve queda de 90%, Ripple -80%, Cardano -90% e Solana -95%. Neste artigo, quero ressaltar três importantes lições que o mercado de criptomoedas nos deixou nesse ano que está acabando.
A primeira lição – e talvez a mais óbvia desde o último ciclo de bull run que tivemos em 2018 (quando o Bitcoin caiu de 19.500 dólares para cerca de 3 mil dólares) – é que a dominância do mercado de criptomoedas ainda se dá pelo Bitcoin. Em 2018, esperava-se que no próximo ciclo de alta alguma altcoin com tecnologia mais desenvolvida conseguiria se firmar no mercado juntamente com o Bitcoin. Embora o Etherium tivesse boa performance no último ciclo de alta, o seu marketcap era cerca de 18% do marketcap total do mercado de cripto em novembro de 2021, mas o de Bitcoin era de 42%. Ou seja, mesmo com o desenvolvimento de altcoins tecnologicamente mais avançadas, nenhuma conseguiu tirar o posto do Bitcoin, o que é preocupante para o desenvolvimento do setor, visto que o Bitcoin foi criado há mais de uma década atrás e hoje enfrenta escrutínio pelos seus gastos energéticos.
A segunda lição é que o mercado de cripto não é tão descorrelacionado com o mercado financeiro tradicional como se pensava anteriormente. A subida do mercado de cripto ocorreu juntamente com o S&P500 e o pacote de estímulos econômicos lançados pelos governos de diversos países durante a pandemia do coronavírus. A queda ocorreu juntamente com a escalada inflacionária nos EUA e União Europeia, bem como com o rate hike (subida de taxas de juros) ocorridas em diversos países desde então. Portanto, tanto o uso de criptomoedas como ativos descorrelacionados com o S&P500, como o uso desses ativos como safe havens against inflation (ativos que protegem contra a inflação) se mostraram inviáveis. Assim, mais uma possível utilidade dos criptoativos acabou caindo por terra.
Uma terceira lição, e talvez a mais importante, é sobre a “ideologia” das criptomoedas. Satoshi Nakamoto, pseudônimo do(s) criador(es) do Bitcoin, ao criar a ideia de criptomoedas em 2008, a fizeram com o intuito de diminuir a “corrupção” de Wall Street, o que acabou causando a recessão global de 2008, retirando os “intermediários”, ao criar uma moeda que não necessitaria de Banco Central ou de nenhum banco ou instituição financeira para funcionar. Porém, o que não mudou foi o ser humano que está por trás de todas as tecnologias, que não existem por si mesmas, mas estão todas dentro de estruturas sociais.
Ao tentar se resolver o problema das fraudes e corrupções com tecnologia, viu-se que não houve nenhum progresso. Tivemos diversos casos de pump and dumps, rug pulls, fraudes contábeis e roubos de criptomoedas em exchanges. De fato, a fraude da FTX, Blockfi e de outros projetos no criptoverso demonstraram que a fraude acaba sendo mais proliferada nesse espaço do que no espaço financeiro regulado pelo governo. Portanto, isso demonstra que os problemas do sistema financeiro são problemas inerentes dos seres humanos, que não podem ser resolvidos simplesmente com tecnologia.
Falando agora dos investidores de criptomoedas, o que se mostrou foi que muitos eram pessoas desavisadas e que não estudaram o mercado, indo para projetos de NFT e altcoins extremamente questionáveis e que prometiam ganhos irreais. Essa sensação de FOMO (fear of missing out, “medo de ficar de fora” numa tradução livre) é a mesma que houve na “Febre das Tulipas” (1634-1637) e nos anos 1920 nos EUA. Em todos os casos, houve um colapso dos ativos em seguida, o que demonstram que os seus valores estavam inflados devido a valuations irreais.
Adicionalmente, muitos investidores, ao investirem em um projeto de cripto, levavam todas as críticas como FUD (medo, incerteza e dúvida, acrônimo de fear, uncertainty, and doubt), ao invés de avaliarem os méritos das críticas realizadas ao projeto. Isso fazia com que certas comunidades agissem mais como seitas do que como grupos de investidores, o que demonstra justamente que os “investidores” eram pessoas desavisadas que queriam dinheiro fácil.
Portanto, essa crise deve ser vista como algo positivo para o mercado de criptomoedas, que com maiores níveis de regulação por parte dos governos, pode avançar mais tecnologicamente e, assim, cumprir a sua missão de melhorar o sistema financeiro com maiores níveis de tecnologia e transparência.
*Rodrigo de Oliveira Leite é Professor Adjunto de Finanças e Controle Gerencial do COPPEAD/UFRJ, Doutor e Mestre em Administração pela EBAPE/FGV e Contador pela FAF/UERJ.