“The world turned upside down, the world turned upside down. Down, down, down”, acordei com esse trecho de música incessantemente na minha cabeça no dia em que escrevo essa coluna. Para quem não reconheceu as palavras acima, o trecho se refere à música Yorktown do musical da Broadway Hamilton, escrito pelo americano Lin-Manuel Miranda e hoje também em cartaz em Londres.
O musical conta a história de um dos líderes da guerra de independência americana, o famoso rosto da nota de US$ 10,00, e formulador da primeira versão daquilo que viria ser o Federal Reserve (Fed) – o Banco Central dos Estados Unidos.
Apesar do paralelo óbvio com a instituição mais falada nas rodas financeiras atualmente (o FED), esse não será o link com o presente texto. E sim, a sensação de um mundo às avessas.
Na peça, o trecho é entoado por um coro que simboliza a população dos EUA após a batalha histórica de Yorktown, em que o exército da então colônia conquistou a independência da monarquia Britânica. Uma vitória improvável contra uma grande potência. Um resultado que poucos diriam possível, e ainda menos esperavam. A sensação de que o mundo virava de ponta cabeça.
A inflação e a tentativa de mudar o fim de um filme previsível
E é aí que a letra voa para minha cabeça e de lá não sai, quanto mais eu leio e analiso o cenário econômico atual.
Após mais de dois anos lutando contra uma pandemia sem precedentes, o mundo “volta ao normal”. Mas volta para enfrentar um dos principais desequilíbrios causados pelo vírus e pelas próprias respostas a ele: a inflação alta e a consequente elevação dos juros.
Assim, vemos de um lado um cenário velho conhecido dos brasileiros se tornando o principal fantasma das economias desenvolvidas. Países como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido lutam contra um ritmo de alta de preços não visto há décadas, subindo os juros também em um ritmo não visto há décadas – ou mesmo sem precedente histórico (como na Zona do Euro).
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A alta de juros, no entanto, parece não ser o suficiente e caminhar mais devagar do que o necessário, alimentando o medo de uma crise mais grave adiante. Afinal, pior do que o freio que desacelera a economia imposto pelos juros altos, apenas o freio somado à inflação persistente. Em outras palavras: uma economia com juros altos, baixo crescimento, e inflação alta.
Enquanto isso, o outro lado reflete um Brasil que começou a subir os juros antes de grande parte do mundo, e começa a observar os primeiros sinais de perda de força dos preços internamente – que vão além da redução de impostos sobre combustíveis, comunicações e energia.
Ao mesmo tempo, países como Reino Unido e na Zona do Euro caminham na arriscada direção do controle de preços. O objetivo é dar uma resposta ao forte choque de oferta que levou o preço da energia “ao infinito e além” - uma consequência da guerra entre Rússia e Ucrânia. Uma resposta a uma situação emergencial, sem precedentes. Porém, uma resposta frágil, de curto prazo e perigosa.
Já assistimos a esse filme. Ele é estrelado por políticas que tentam amenizar a alta de preços de maneira geral (no lugar de políticas focalizadas), mas acabam por estimular a demanda em um ambiente já pressionado de preços e mercado de trabalho aquecido. E o fim não é nada agradável: mais inflação, prejudicando justamente aqueles que se tentou ajudar de início – os mais pobres.
Ou seja, vemos políticas com toda marca histórica de fracasso desse lado do mundo começando a ser implementadas do outro lado do mundo, prometendo um novo e melhor sucedido final.
E nesse enredo, o Brasil passa a estrelar no papel de “bonzinho”, de destaque positivo e de relativa estabilidade.
Brasil: a última bolacha do pacote?
É claro que não tenho a ingenuidade de achar que o Brasil se tornou a última bolacha do pacote em poucos meses, ou abandonamos a postura de aluno nota 6 – sempre na beira entre a nota vermelha e o verdadeiro sucesso.
Pelo contrário, a economia brasileira segue marcada por diversos desafios, como o baixo crescimento potencial e a elevada desigualdade. Precisamos melhorar nossa produtividade do trabalhador, nossa educação, nossa infraestrutura, nosso ambiente de negócios.
Além disso, continuamos com um arcabouço fiscal extremamente frágil, e esse o principal desafio para o próximo governo eleito. Não podemos esquecer que as constantes mudanças nas regras do gasto público nos jogam ano sim, ano não na precificação de investidores de um elevado risco fiscal. Risco esse que torna nossa moeda volátil, prejudica o controle da inflação, e leva a patamares de juros muito além de boa parte do mundo.
Dito isso, o forte fluxo positivo de investimentos estrangeiros ao país nos últimos meses (tanto produtivos quanto financeiros, como na bolsa) reflete que o vento sopra a favor desse lado do hemisfério, enquanto o norte se prepara para um inverno frio e incerto.
Que saibamos usar o bom momento com sabedoria! Afinal, não é todo dia que o mundo vira de cabeça para baixo. E o inverno chega para todos.