“O senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados… Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado…”
Perdido em suas próprias veredas, o mercado anda meio parecido com Riobaldo. Parece querer demarcar demais certas linhas, como se as coisas fossem, num dia, perfeitas a um determinado segmento; e, no outro, o exato oposto daquilo.
Como há dificuldade em se trabalhar com a imperfeição, a incerteza e a ambivalência…
As coisas são curiosas. Elas exigem o pensamento de segundo nível, tão defendido por Howard Marks.
Há exata uma semana, escrevi neste espaço texto de título “De volta às techs?”, em que apontava a possibilidade de exagero na penalização anterior às ações de tecnologia. Enquanto todos proclamavam a necessidade de se comprar commodities, diante da força da economia global, e de se expor à abertura doméstica com a aceleração da vacinação, argumentava sobre uma eventual atratividade de alguns nomes de tecnologia, excessivamente penalizado nos primeiros meses do ano e negligenciado pelas narrativas do momento.
Foram poucos pregões desde então, claro, mas, de fato, o mercado bateu a “velha economia”, na pior semana do Dow Jones desde outubro, para comprar casos de crescimento e tecnologia.
Talvez a dinâmica soe contraintuitiva num primeiro momento. Na quarta-feira, o Federal Reserve alertou para as chances de uma subida antecipada do juro básico norte-americano. De imediato, o yield (rendimento) dos Treasuries de dez anos saltou de 1,50% para 1,56%, penalizando ações de crescimento, valorizando o dólar e inibindo o fluxo para mercados emergentes.
Mas o movimento não parou por aí. A preocupação com a alta dos juros, junto aos esforços chineses em coibir especulações com commodities e à perspectiva de normalização das cadeias de suprimento globais, derrubou fortemente os preços das matérias-primas. Isso comprimiu as expectativas de inflação e derrubou as taxas de juro de mercado.
Enquanto escrevo estas linhas, o yield do Treasury de dez anos marca 1,447%, notadamente abaixo do 1,50% anterior ao anúncio do Fed.
De uma forma imagética simples e grosseira, é como se a sugestão de juros subindo pelo Fed tenha, por conta dos efeitos de segunda ordem, derrubado as taxas de juro de mercado, em especial a parte mais longa.
Hoje, as commodities voltam a sofrer. O minério de ferro chegou a cair 9%, ainda se ajustando à perspectiva de aperto monetário e aos esforços chineses de conter movimentos especulativos.
Deveríamos abandonar nossas posições em commodities?
Aqui gostaria de resgatar o conceito de conflation, de Nassim Taleb. Uma ação de uma empresa produtora de commodity não é propriamente a commodity em si. Podemos ter uma notícia negativa sobre o preço da commodity e, ainda que isso cause pressão vendedora de curtíssimo prazo sobre a respectiva empresa, a ação em questão ainda ser atrativa, porque há outros elementos a ela associados além do preço da matéria-prima subjacente, sendo talvez o valuation e as expectativas embutidas naquela ação os principais.
Veja o caso de Vale (SA:VALE3), por exemplo. O ponto não é se o minério vai ou não ficar acima de US$ 200 por tonelada — muito provavelmente não vai. A questão é que, mesmo se o minério caísse mais 35%, Vale ainda estaria barata, negociando a cerca de 3,5 vezes EV/Ebitda estimado para 2022.
Outro ponto é que, por mais que sejamos investidores de longo prazo (como de fato somos), ele nada mais é do que a soma de vários curtos prazos. A cada mês que o minério passa nos níveis atuais, Vale gera 3% de seu market share na forma de fluxo de caixa livre para o acionista. É uma aberração, que deve pagar dividendos próximos a 15% neste ano.
Argumento apenas em favor da seletividade com commodities e com o desenvolvimento da habilidade de se conviver com más notícias pontuais, capazes de trazer volatilidade de curto prazo às ações.
Em paralelo, a correção recente das matérias-primas pode trazer uma oportunidade muito interessante para as incorporadoras. O setor ainda está largado em Bolsa e o aço doméstico já está entre 15% e 20% mais caro do que aquele praticado na Turquia. O mercado bateu bastante nas homebuilders por conta de pressão de margens derivadas de preço de insumos. Se o fluxo de notícias se inverter e aumentar affordability nos próximos meses, isso aqui pode pegar bastante tração. Os centros urbanos são essencialmente economias de serviços e isso só começa a voltar agora. O segundo semestre pode ser bastante promissor. Até lá, faltam dez dias. Eu não vou perder esse trem.