Esta semana um curioso caso aconteceu no mercado de ações pós-moderno.
A partir de postagens na rede social Reddit, usuários anônimos organizaram-se para comprar ações da varejista de games GameStop (NYSE:GME).
A ideia – que não é nova no mercado – é de que um fluxo de compras grande em uma ação ou outro ativo qualquer com pouca liquidez (baixo volume financeiro de negócios no mercado) faz os preços caírem ou dispararem pela simples lei da oferta e demanda.
Organizando muito fluxo comprador, os usuários do Reddit conseguiram fazer os preços dispararem, saindo de cerca de US$ 4 em agosto de 2020 para US$ 347 no fechamento de ontem, veja que impressionante no gráfico abaixo.
A motivação dos usuários supostamente foi uma revolta com uma grande posição, de cerca de 150% do número das ações existentes da empresa, apostando na queda das ações da GameStop detida por um grande banco de investimentos.
A ideia de manipular preços de ações com baixa liquidez não é nada recente no mundo dos investimentos, e já existem regulações e controles para evitar e punir os responsáveis por tais práticas;
A novidade neste caso foi a descentralização da “estratégia”.
Se antigamente era necessário algum investidor – fundo, empresa ou bilionário – com muito capital para conseguir influenciar o preço de uma ação, o caso da GameStop mostra o poder de articulação das redes sociais.
Por meio das redes, hoje é possível com certa facilidade articular opiniões e disseminar ideias para milhões de usuários que, juntos, tem um grande poder de influência e movimentação.
Aliás, o poder das redes já bem conhecido na política, na qual eleições tem sido muito influenciadas pelas redes sociais, movimentando um mercado bilionário de anúncios e propaganda.
A última eleição no Brasil, por exemplo, foi vencida por um candidato com pouco tempo de propaganda na TV e relativamente pouca verba em comparação a oponentes que receberam muito menos votos, movimento creditado ao poder viral das redes.
O poder das redes no caso das ações tem recebido um combustível extra. A alta liquidez nos mercados.
A pandemia do coronavírus fez os governos despejarem estímulos e dinheiro nas economias, por meio de cheques e auxílios emergenciais enviados para a população.
Além disso, para estimular o crescimento, a maioria das economias está rodando com taxas de juros reais negativas (taxas de juros menos a inflação).
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Esta conjuntura empurrou as pessoas físicas para investimentos de mais risco, procurando melhorar seus rendimentos, e levou a uma valorização expressiva dos mercados acionários.
Novas plataformas que promovem uma espécie de gamificação nos investimentos, ajudando a popularizar mais ainda tipos de investimentos outrora considerados sofisticados, tal como é o caso da plataforma de investimento Robinhood, fecham o ecossistema perfeito para tais eventos como o do Gamestop acontecerem.
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Em minha opinião, no entanto, mais do que um evento curioso, o caso do GameStop levanta um alerta importante sobre a conjuntura atual e o risco dos seus investimentos.
É nítido que a combinação de fatores descrita acima – juros baixos, liquidez aumentada, capacidade exponencial de massificação de informações nas redes sem que os devidos disclaimers e responsabilidade sejam necessariamente realizados - aumenta de forma exponencial o risco de bolhas.
É óbvio que a valorização das ações do GameStop em nada tem a ver com uma melhora nos fundamentos ou resultados da companhia, que aliás sofreu muito com o fechamento de suas lojas na pandemia, sendo um movimento estritamente técnico e motivado pelo fluxo de dinheiro.
Diante de tal situação eu me pergunto: movimentos semelhantes de alta exacerbada, como o verificado em algumas criptomoedas, tal como o Bitcoin, não bebe da mesma fonte?
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A resposta certamente é de que em certa parte sim, o fluxo de informação e o excesso de liquidez nos mercados contribui muito para a valorização de ativos pouco conhecidos pelo público, sem que o risco seja adequadamente ponderado por todos os participantes.
Grande parte dos compradores destes ativos que simplesmente os compram para surfar uma onda de alta, sem conhecimento sobre os fundamentos, capacidade de geração de caixa e adequada exposição ao risco, dentre outras métricas óbvias de serem analisadas por quem trabalha no mercado.
A compra destes ativos por investidores inexperientes que apenas querem surfar a alta que já vem acontecendo é justamente o fator que retroalimenta as bolhas, as fazendo aumentar, aumentar… até explodir, deixando muito sofrimento e perdas no caminho, principalmente daqueles menos experientes.
As bolhas são um comportamento natural e até esperado nos mercados, outro evento nada novo na história – desde a bola das Tulipas passando pela bolha das ações dot.com e a bolha do subprime, já foram inúmeras e inúmeras bolhas que se formaram e explodiram por aí…
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Eu pergunto ao leitor: estamos novamente diante de uma grande e frágil bola de sabão em alguns ativos? Você está com uma exposição nestes acima do que seria razoável em um evento adverso?
Eu imagino que o fundo que apostava nas quedas do GameStop e que amargou perdas de mais de US$ 10 bilhões com a posição, deve estar agora repensando sobre eventos inesperados e gestão de risco.
Eu convido você a pensar - antes - sobre o risco de perdas e fazer uma adequação dos seus investimentos.