Estamos em 1999 ou 2007? Os investidores de varejo estão inundando o mercado, à medida que a especulação e a euforia aumentam a crença de que não há qualquer risco de queda. O que poderia dar errado?
Lembram-se desse comercial?
É o comercial da Etrade durante o Super Bowl XLI em 2007. No ano seguinte, veio a crise financeira, os mercados afundaram, e os investidores perderam 50% ou mais do seu patrimônio.
Mas essa não foi a primeira vez em que isso aconteceu.
Também ocorreu em 1999. Esse comercial foi veiculado dois meses antes do início da bolha das empresas “ponto com”, já que os investidores novamente acreditavam que “investir era tão fácil quanto contar 1, 2, 3”.
Por que relembrar esses eventos do passado (além do fato de que esses comerciais são muito engraçados)? Porque estamos vendo a mesma euforia característica dos picos dos ciclos dos mercados de alta.
Mas, quais são os sinais que estamos vendo hoje?
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Os investidores de varejo estão caçando empresas falidas, como a Hertz e a Chesapeake Energy (NYSE:CHK). A Hertz, empresa em processo de recuperação judicial, está emitindo ações com o aviso de que os papéis podem perder completamente seu valor.
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Os investidores estão indo atrás de empresas com fundamentos extremamente ruins.
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Sem falar nas dicas de investimento de pessoas sem qualquer experiência.
Investir é simples. Basta escolher algumas letras do jogo de palavras, comprar o papel e ele sobe.
É tão fácil que um “bebê consegue fazer”.
Nesse caso, é como “roubar dos riscos e distribuir aos pobres”.
Investidores de varejo querem ser Robinhood
Como observou Barron recentemente:
“O aplicativo de negociação Robinhood adicionou mais de três milhões de contas de varejo em 2020, alcançando mais de 13 milhões neste momento. A idade média dos seus clientes de varejo é de 31 anos. Os confinamentos da covid-19 e o derretimento dos mercados em março persuadiram milhões de novos investidores a abrir contas. Parte da iniciativa parece vir de pessoas que poderiam estar na jogatina ou fazendo apostas esportivas, atividades que foram fechadas.”
Assim como em 1999 e 2008, o day trading saiu dos antigos painéis de mensagens da AOL para as transmissões ao vivo e os feeds de vídeo das redes sociais.
“A nova geração tende a se reunir nas redes sociais. Além do TikTok, os investidores de varejo conversam em fóruns como Reddit e Twitter, compartilhando memes de internet e piadas sobre ações, além de ficar exibindo sem qualquer remorso gráficos com suas piores perdas.
Ex-sócio do Goldman Sachs, Joseph Mauro, brincou no Twitter que os amigos do seu filho não têm mais tempo livre para jogar videogame durante o dia, porque estão ocupados demais negociando ações. ‘Ele tem 10 anos’, explicou Mauro.”
A ironia é que o Robinhood na verdade não está “roubando dos ricos”. A realidade é que os ricos é que estão roubando dos pobres. Como sempre acontece, não existe “almoço grátis”, já que o Robinhood envia ordens e depois "vende" os fluxos para os grandes hedge funds realizarem lucro. Esses hedge funds se adiantam aos Robinhoods, tirando vantagem das suas negociações. (Se não fosse algo extremamente rentável para os hedge funds, não gastariam milhões em dados).
Varejo descobre um novo “brinquedo”
Esses novos investidores de varejo não estão negociando com base nos fundamentos, resultados, estimativas, produtos ou valores de mercado, mas tentando entrar em ações em “forte” movimento. O Robinhood torna a “pesquisa” ainda mais fácil ao publicar os principais papéis detidos por seus usuários.
Eles estão alavancando todo o dinheiro que têm através de contratos de opções e crédito de margens para aumentar seu poder de compra.
O problema das opções é que, se você estiver errado, pode perder 100% do seu investimento.
O problema da margem é que, se você estiver errado, pode perder 100% do seu investimento.
Mas, como os daytraders acham que não existe risco de queda, por que não alavancar mais um pouco e “enriquecer rápido”?
Afinal, nesse “novo paradigma” de que não existe “investimento de risco” só há duas regras:
Mas essa é a principal característica do que acontece nos estágios finais dos ciclos dos mercados de alta.
Ainda em bull market
“Mas se tivemos uma queda de 35% em março, como é que estamos no estágio final do mercado de alta?”
Esse foi o ponto que eu discuti no artigo em inglês “Was March A Bear Market?” (Houve bear market em março?)
“Isso levanta uma questão interessante. Depois de um mercado de alta que durou dez ano e esticou os preços ao extremo, acima das tendências de longo prazo, será que a medida de 20% ainda é válida?
Para responder a essa questão, vamos esclarecer a premissa.
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Um mercado de alta (bull market) ocorre quando o preço está em tendência de alta no longo prazo.
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Já o mercado de baixa (bear market) ocorre quando o avanço anterior é revertido, e os preços entram em tendência de queda.
Mercado de alta vs. baixa
Essa distinção é importante.
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“Correções” geralmente ocorrem em todos os tempos gráficos menores sem romper a tendência predominante dos preços, sendo rapidamente resolvidas pela reversão dos mercados em direção a novas máximas.
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Os mercados de baixa têm uma natureza de mais longo prazo, quando os preços ficam de lado ou caem durante vários meses, à medida que os valuations são revertidos.
Como a tendência não foi rompida, os valuations nunca reverteram e a “ganância especulativa” não acabou, o “mercado de alta” continua intacto.
Processo de exaustão
Os mercados rapidamente se recuperaram das mínimas de março, aumentando ainda mais a “ganância especulativa” no mercado que tem se manifestado nos comportamentos atuais.
O risco, entretanto, é que a recessão econômica que afetará os fundamentos dos mercados durante os próximos trimestres fará com que seja difícil justificar os atuais valuations. Como ressaltei no gráfico acima, o rali atual pode fazer parte de um processo de exaustão mais amplo que pode pegar os traders mais jovens de surpresa.
Eu percebi que o mercado pode estar formando um padrão de topo. Os picos de 2018 e 2020 estão formando o "ombro esquerdo" e a "cabeça" do processo de exaustão. Isso também pode sugerir que a "linha de pescoço" é a tendência de alta que se estende desde as mínimas de 2009.
Um pico de mercado que não marca uma nova máxima e viola a linha de tendência de alta seria a definição de um "mercado de baixa".
O que poderia provocar uma reversão do mercado?
Como Mish Shedlock observou recentemente, o Federal Reserve salientou seis riscos de queda dos mercados e da economia.
“Em seu relatório monetário semestral para o Comitê de Finanças do Senado, o Fed alerta para seis riscos de queda. Os riscos não têm distribuição homogênea. Os trabalhadores com salários mais baixos e as pequenas empresas estão extremamente vulneráveis.
Basta analisar o relatório de política monetária que o Fed emitiu para o Comitê do Senado sobre o setor bancário, imobiliário e de assuntos urbanos, bem como para o Comitê da Câmara para Serviços Financeiros. O relatório contém 66 páginas e está repleto de gráficos e comentários interessantes.
Vamos começar com as declarações de Powell sobre o risco: “Apesar das agressivas ações de política fiscal e monetária, os riscos no exterior estão inclinados para a queda”.
Seis riscos de queda
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O avanço futuro da pandemia continua bastante incerto.
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O colapso da demanda pode acabar fazendo com que muitas empresas entrem em falência.
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Ao contrário das recessões passadas, a atividade de serviços sofreu uma queda mais acentuada do que a da indústria, já que, com as restrições, houve cortes severos de gastos com viagens, turismo, restaurantes e recreação, e os requisitos e atitudes de distanciamento social podem pesar ainda mais sobre a recuperação desses setores.
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Os transtornos ao comércio mundial podem gerar uma custosa reconfiguração das cadeias globais de fornecimento.
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A demanda persistentemente baixa dos consumidores e empresas pode fazer com que as expectativas de inflação no médio e longo prazo fiquem bem abaixo das metas dos bancos centrais.
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Mais medidas fiscais expansionistas – possivelmente em resposta a surtos futuros de covid-19 em larga escala – podem aumentar significativamente o endividamento governamental e o risco soberano.”
O maior risco é o sexto, pois os enormes aumentos de dívidas e déficits podem retardar o crescimento econômico no longo prazo.
“Ante da crise financeira a economia apresentava tendência de crescimento linear com PIB real de 3,2%. Após a recessão de 2008, a taxa de crescimento caiu para uma tendência de crescimento exponencial de quase 2,2%. Em vez de reduzir os problemas de endividamento, a dívida improdutiva e a alavancagem cresceram.”
“Investidor” ou “especulador” de varejo?
No mercado atual, a maioria dos investidores está simplesmente em busca de performance.
Mas isso não é investir, é especular.
Pense no seguinte.
Se você estivesse jogando uma mão de pôquer e recebesse um par de dois, você empurraria todas as suas fichas para o centro da mesa?
Claro que não.
A razão é que você intuitivamente entende os outros fatores em jogo. Mesmo uma compreensão superficial do pôquer é suficiente para saber que os outros jogadores na mesa provavelmente têm mãos melhores, o que poderia causar uma rápida deterioração do seu patrimônio.
Investir, no fim das contas, tem tudo a ver com gerenciar os riscos que podem reduzir substancialmente sua capacidade de continuar no jogo o tempo suficiente para vencer.
Robert Hagstrom, CFA, publicou um artigo discutindo as diferenças entre investir e especular:
“Philip Carret, que escreveu A Arte da Especulação (1930), acreditava que o ‘motivo’ era o teste para determinar a diferença entre investimento e especulação. Carret relacionou o investidor aos aspectos econômicos do negócio e o especulador ao preço. ‘Especulação’, escreveu Carret, ‘pode ser definida como a compra ou venda de papéis ou commodities na expectativa de lucrar com as flutuações em seus preços’”.
Perseguir os mercados é a forma mais pura de especulação. Não passa de uma aposta de que os preços vão subir, em vez de determinar se o preço pago pelos ativos apresenta algum desconto em relação ao seu valor justo.
Graham & Dodd
Benjamin Graham, ao lado de David Dodd, tentaram uma definição precisa de investir e especular em sua obra seminal Security Analysis (1934).
“Uma operação de investimento é aquela que, através da análise, promete a segurança do principal e um retorno satisfatório. As operações que não atende a esses requisitos são especulativas.”
Graham também transmite uma mensagem muito importante em The Intelligent Investor:
“A distinção entre investimento e especulação em ações ordinárias sempre foi útil e sua desaparição é motivo de preocupação. Dissemos com frequência que Wall Street como instituição estaria bem assessorada para reafirmar essa distinção e enfatizá-la em todas as suas interações com o público. Do contrário, as bolsas de valores podem um dia ser culpadas por perdas extremamente especulativas, para as quais aqueles que as sofreram podem não ter sido devidamente alertados.”
Sobrevivendo no jogo
É irrelevante se você acredita ou não que os fundamentos voltarão a ter alguma pertinência. O importante é que esses períodos de especulação excessiva sempre terminam da mesma forma.
Por enquanto, Dave Portnoy angariou uma legião de seguidores. Mas o futuro financeiro de Dave está bastante seguro depois que ele vendeu sua empresa Penn National por US$ 450 milhões. Portanto, quando tudo der errado no mercado, ele continuará bem financeiramente. Entretanto, para os inexperientes millennials superconfiantes que o seguem, muitos estão com seu sustento financeiro na linha de fogo.
Eu sei que se você é um dos nossos leitores mais jovens, nunca viveu um “bear market” de verdade e não vai acreditar em mim de qualquer forma.
Mas, depois de viver o crash de 87, gerenciar investimento em 2000 e 2008 e navegar o Grande Crash de 2020, posso dizer que todos os sinais estão aí.
Um grande mercado de baixa vai acontecer. Quando? Não tenho ideia. Mas será um inesperado evento exógeno que desencadeará as vendas.
Sempre parece mais fácil no topo.
O mais importante é que, nos fundos, os investidores de varejo não querem comprar ações.